
Economia - Pandemia: que mudancas no mercado de trabalho vieram para ficar?
RFI
Entrevistas com economistas, analistas de mercado, investidores e políticos, para explicar e comentar questões econômicas internacionais. O papel do Brasil e dos países emergentes na economia mundial.
Location:
Brazil
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RFI
Description:
Entrevistas com economistas, analistas de mercado, investidores e políticos, para explicar e comentar questões econômicas internacionais. O papel do Brasil e dos países emergentes na economia mundial.
Language:
Portuguese
Episodes
Apesar de greves, França mantém liderança de investimentos estrangeiros na Europa pelo quarto ano
5/31/2023
As imagens da França que correram o mundo nos últimos meses não foram das mais positivas, com repetidas greves em diversos setores, quebradeira nas ruas e tensão social. Mas aos olhos das empresas estrangeiras, as vantagens de investir no país ainda permanecem superiores aos contratempos: pelo quarto ano consecutivo, a França foi o país que mais atraiu investimentos estrangeiros na Europa.
Conforme um relatório da consultoria EY divulgado em maio, 1259 projetos foram implementados em território francês em 2022, à frente do Reino Unido, com 929, e da Alemanha, com 832. O Brexit favoreceu a França como polo atrativo empresarial na Europa, mas está longe de ser a única explicação para o fenômeno, segundo o economista Eric Heyer, diretor do departamento de Análises e Previsões do Observatório Francês da Conjuntura Econômica (OFCE). Ele elenca ainda a posição geográfica central no mercado europeu, as infraestruturas impecáveis, o nível elevado de produtividade e as políticas para beneficiar a oferta – ou seja, as empresas.
“Quando o investidor chega, ele pode pagar mais caro pela mão de obra, afinal a carga tributária do trabalho é alta, mas você também terá trabalhadores produtivos. E desde 2013, há também uma verdadeira virada do discurso político na França a favor dos negócios, com a adoção de políticas públicas para baixar o custo do trabalho, flexibilizar o mercado de trabalho e promover a formação ao longo da carreira”, explica.
“Para empregados com salários baixos, em torno do mínimo, eles podem ser subsidiados pelo Estado. A empresa não paga os encargos sociais nestes casos. Fica muito vantajoso para a empresa”, complementa o professor-associado da Neoma School of Business Gabriel Gimenez-Roche. “Outro ponto é o crédit recherche (crédito de pesquisa): se a empresa investe em pesquisa e desenvolvimento, ela tem descontos por meio de créditos fiscais, o que faz com que a França tenha muito desenvolvimento de pesquisas. Entretanto, os produtos acabam não sendo finalizados na França, porque em geral há melhores condições para fazê-los em outro país”, pondera.
Gimenez-Roche ressalta que o país abriga algumas das escolas superiores de engenharia e comércio mais respeitadas do mundo, que têm se transformado em polos de atração de negócios. Mas os investimentos não ocorrem nas áreas de decisão – se concentram na produção, e não na abertura de sedes ou filiais estratégicas, o que pode simbolizar o receio da instabilidade social no país.
Pouco impacto no emprego
O professor lembra que, desde que assumiu, em 2017, o governo do presidente Emmanuel Macron adotou vantagens fiscais para a abertura de start ups e promoção do retorno das empresas francesas ao país, após um intenso processo de transferência da produção para lugares mais baratos, a partir dos anos 2000.
“Macron baixou o imposto de base para as empresas, que era de 33%, e visa chegar a no máximo 28%, sendo que 25% seria o ideal, para ficar na média da União Europeia e da OCDE. Ele começou a acabar com impostos que eram excepcionais daqui, como o imposto sobre a produção, não ligados à receita da empresa”, salienta. “Isso fazia com que pouco importasse se a empresa tinha prejuízos, ela tinha que pagar certos impostos.”
Eric Heyer destaca ainda que, se por um lado, os números do relatório da EY confirmam o maior dinamismo da economia na França, eles não se refletem em aumento significativo de empregos para os franceses: cada projeto criou em média 33 vagas no país, contra 58 ou 59 no Reino Unido ou na Alemanha.
“Se olharmos os ganhos para os franceses, podemos pensar que estar nessa posição vai criar muitos empregos, mas não é o caso. Percebemos que a maioria dos projetos são pequenos, mas são os grandes que abrem vagas de empregos”, aponta. “Agora, a transição ecológica poderá, talvez, atrair grandes projetos para a França, de perfil mais industrial”, sinaliza.
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Acordo UE-Mercosul: apesar de reabertura de negociações, chance de aprovação segue favorável
5/17/2023
Depois de a União Europeia apresentar uma série de demandas adicionais – sobretudo ambientais – para iniciar o processo de ratificação do acordo comercial com o Mercosul, o Brasil sinaliza que também vai querer incluir contrapartidas. A reabertura das negociações, no entanto, não significa necessariamente que o tratado não será ratificado este ano, como esperam o governo brasileiro e vários países europeus, liderados pela Alemanha.
Lúcia Müzell, da RFI
As negociações do acordo se arrastaram por 20 anos até serem concluídas em 2019, mas o texto ainda precisa ser ratificado pelos 27 países que compõem a União Europeia e os quatro integrantes do Mercosul. Desde então, os resultados catastróficos do governo de Jair Bolsonaro na área ambiental serviram de justificativa para os europeus paralisarem o processo.
No fim de abril, apesar do clima político mais favorável no Mercosul, com a saída de Bolsonaro, a UE apresentou “um documento adicional” considerado “extremamente duro e difícil” pelo ministro das Relações Exteriores Mauro Vieira. O texto “cria uma série de barreiras e possibilidades inclusive de retaliação, de sanções, com base em uma legislação ambiental europeia extremamente rígida e complexa de verificação”, segundo relatou Vieira, em audiência ao Senado na semana passada.
Novas diretrizes para o comércio
Christophe Ventura, especialista em América Latina do Instituto de Pesquisas Internacionais e Estratégicas (Iris), em Paris, avalia que as novas exigências refletem o aumento das obrigações socioambientais dentro do bloco, com adoção de novas normas como o Pacto Verde europeu, além do aumento da pressão dos consumidores europeus por produtos com menor impacto no planeta.
“É uma lógica global que visa que a União Europeia redefina os termos da sua relação comercial com o conjunto dos seus parceiros internacionais. Isso ocorre no momento em que estamos na finalização do acordo com os países sul-americanos, mas essa reflexão é mais ampla”, explica. “A União Europeia quer que todos os seus parceiros comerciais respondam às mesmas exigências que ela impõe aos seus próprios integrantes.”
Ventura reconhece que a imposição de maior qualidade ambiental dos produtos importados – com avaliação de rastreabilidade e dos impactos – soa como mais uma manifestação do protecionismo da agricultura europeia. O setor jamais concordou com a assinatura do acordo, já que a principal pauta das exportações do Mercosul seria agrícola.
Em contrapartida, os países do Mercosul têm agora a oportunidade de exigir que o pacto preveja transferência de tecnologia para que eles possam responder a essas exigências. “Essa é uma demanda antiga do Mercosul e o momento é favorável para os países sul-americanos colocarem também esse ponto sobre a mesa e lembrar aos europeus que tudo isso é um conjunto: os europeus não podem simplesmente exigir o que querem sem viabilizar os meios para os sul-americanos poderem melhorar a qualidade dos seus produtos”, complementa.
Outra meta de Brasília seria tentar limitar o acesso dos europeus às compras governamentais nos países do Mercosul, que movimentam a atividade industrial local.
‘Janela de oportunidade’
A expectativa de Brasília é acelerar a negociação na próxima cúpula União Europeia-Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e do Caribe), prevista para julho em Bruxelas, e fechar o acordo ainda no segundo semestre deste ano –se possível antes de novembro, quando a Argentina vai às urnas para eleições presidenciais.
Do lado europeu, a França, ao lado de Holanda e Áustria, lidera o chamado bloco agrícola dentro da União Europeia que mais resiste à ratificação do acordo. “A representação política francesa atual, com o presidente Macron, é favorável em termos de janela de oportunidade, mas a França continua sendo a França. Entretanto, a França não é a Europa toda e temos uma fratura com a Alemanha”, ressalta o economista Carlos Winograd, professor associado da Paris School of Economics (PSE). “Junto com...
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Descompasso entre avanço da inteligência artificial e sistemas de educação pode acentuar desemprego
5/10/2023
Os avanços da inteligência artificial têm o potencial de provocar mudanças radicais na economia global. É o que aponta um relatório do banco Goldman Sachs, publicado em abril, que calcula em 300 milhões o número de empregos ameaçados na Europa e nos Estados Unidos.
Maria Paula Carvalho, da RFI
Os dados podem ser analisados sob um viés pessimista, se considerarmos que as máquinas serão responsáveis por um desemprego em massa, com consequências nefastas nos países onde as redes de segurança social são fracas, ou por um ângulo mais otimista, se focado na geração de novas atividades e oportunidades, especialmente em áreas como desenvolvimento, análise e gerenciamento de dados.
De acordo com a mesma fonte, à medida que essas novas ferramentas penetram nos negócios e na sociedade, elas também podem melhorar a eficiência e a produtividade em muitos setores, levando ao crescimento. Os economistas do Goldman Sachs calculam que a inteligência artificial possa gerar um acréscimo de 7% (ou quase US$ 7 trilhões) no PIB global, aumentando a produtividade em 1,5 ponto percentual, em um período de dez anos.
Apesar da incerteza atual sobre a IA generativa, ou seja, a tecnologia com capacidade de aprender padrões complexos de comportamento a partir de uma base de dados como o ChatGPT, “sua capacidade de gerar conteúdo indistinguível da produção criada pelo homem e de quebrar as barreiras de comunicação entre humanos e máquinas reflete um grande avanço com efeitos macroeconômicos potencialmente grandes”, explica Joseph Briggs, economista do Goldman Sachs e um dos autores da pesquisa, ao lado de Devesh Kodnani.
“Embora o impacto da IA no mercado de trabalho provavelmente seja significativo, a maioria dos empregos e indústrias está apenas parcialmente exposta à automação e, portanto, é mais provável que seja complementada em vez de substituída pela IA”, acrescenta Briggs .
Consequências vão além dos trabalhos manuais
A RFI investigou como os novos sistemas de inteligência artificial poderão ter impacto nos mercados de trabalho. Para Jérôme Beranger, presidente da GoodAlgo – que encoraja empresas francesas a usarem IA – as consequências dessa vez vão muito além dos trabalhos manuais. "As primeiras revoluções industriais afetaram os operários e as profissões manuais. Agora, pela primeira vez, a revolução digital afeta os chamados trabalhadores de 'colarinho branco', ou seja, profissionais mais graduados, como posições de análise e de inteligência", explica o especialista.
"Assim, afetará tanto os programadores de computador, como assistentes jurídicos, analistas do mercado financeiro, comerciantes, jornalistas, até médicos, advogados, contadores etc", cita. "É verdade que muitas profissões sofrerão impacto de forma duradoura. Os nomes das profissões podem ser os mesmos, mas as funções vão mudar", ele acrescenta.
Outra preocupação é com o equilíbrio entre postos de trabalho fechados e a abertura de novas vagas. "Se até então encontramos aparentemente um certo equilíbrio, ou seja, uma inovação tecnológica mudava um paradigma levando repentinamente à substituição de certas profissões, mas também à criação de outras, agora, não tenho certeza se, com essa inovação tecnológica, chegaremos a um equilíbrio", pondera o pesquisador de ética digital da Universidade Paul Sabatier, de Toulouse.
"Quero ser bastante otimista e acreditar que talvez tenhamos um retorno do manual ou humano. Ou seja, as tarefas repetitivas serão substituídas ou até melhoradas, otimizadas pela inteligência artificial. Mas, por outro lado, o que é humano como empatia, escuta, análise, sentimentos - que são traços próprios da humanidade - terão ainda mais destaque para compensar ou para completar tarefas. E certas profissões vão ter que se reinventar nesse sentido", conclui Beranger.
"Essas máquinas vão tomar o poder e nos superar?"
Para Jean-Gabriel Ganascia, professor e especialista em inteligência artificial na Universidade Sorbonne, de Paris, o receio de que as máquinas...
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Passageiros ainda esperam reembolso de voos cancelados na pandemia
5/3/2023
A súbita crise da aviação gerada pela Covid-19 em 2020 levou muitas companhias aéreas à beira da falência, mas três anos depois, o setor começa a reencontrar na Europa os números positivos de antes do surgimento do coronavírus. Mesmo assim, milhares de passageiros continuam a esperar pelo reembolso de passagens ou indenizações pelos voos cancelados no período crítico da pandemia.
Na França, muitos clientes só têm conseguido reaver o dinheiro perdido depois de recorrerem à Justiça. Viagens de férias programadas em destinos distantes, como na Ásia, geraram prejuízos de milhares de euros que até hoje não puderem ser recuperados – principalmente quando envolvem companhias menores que já estavam em dificuldades financeiras antes da Covid-19, como a italiana Alitalia – hoje ITA – ou a portuguesa TAP.
Apenas nos primeiros seis meses de pandemia, estima-se que 35 bilhões de passagens tiveram de ser reembolsadas, afirma o consultor em aviação Gérald Feldzer, presidente da organização Aviation Sans Frontières. As companhias perderam tanto dinheiro que, para muitas, ainda é uma questão de sobrevivência.
As empresas alegam que poderiam simplesmente desaparecer e, se fosse o caso, todos sairiam perdedores. Portanto, há um equilíbrio a ser encontrado para que os passageiros sejam reembolsados sem que as companhias corram maiores riscos. "A aviação hoje está muito melhor, voltando a registrar os números de 2019. Mas os caixas continuam vazios e, com os lucros registrados por algumas, como a Air France-KLM, elas precisam comprar novos aviões", explica Feldzer.
A advogada Joyce Pitcher representou milhares de passageiros na Justiça francesa. "Nós tratamos mais de 7 mil casos porque durante um longo período, as companhias aéreas se recusavam a reembolsar ou levavam muito tempo para reembolsar", diz ela. "Hoje, esse problema começa a ser resolvido, e os pedidos de assistência jurídica diminuíram", nota a advogada. "Algumas companhias continuam resistindo a aplicar as decisões que foram tomadas contra elas, como a Thai Airways, mas os casos estão mais isolados", afirma Pitcher.
Indenização por atraso ou cancelamento
A advogada ressalta que antes mesmo da pandemia, os processos já eram lentos. A legislação europeia define que atrasos de mais de três horas ou cancelamentos de voos deveriam resultar em indenizações de até € 600, mas os atrasos na reparação dos danos estão ainda maiores do que antes. "Vemos que é um problema crescente e que as agências de viagens também estão constatando, ao receberem cada vez mais reclamações dos seus clientes", diz Pitcher.
Ela explica, entretanto, que os recentes cancelamentos relacionados às greves frequentes na França, contra a reforma da Previdência, são protegidos ao serem considerados como “circunstâncias extraordinárias” – e não geram, portanto, direito a compensação financeira para o passageiro.
Exigências ambientais requerem investimento
Gérald Feldzer observa ainda que a reserva de caixa que as grandes companhias têm conseguido acumular, graças à forte retomada do fluxo aéreo desde meados de 2021, está sendo direcionada para responder às exigências ambientais europeias, a fim de cortar as emissões de gases de efeito estufa do setor, um dos mais poluentes.
"Elas precisam ter orçamento para poder continuar investindo, mesmo se ainda não atingiram os lucros que tinham em 2019, o ano de referência. Para elas se tornarem exemplares do ponto de vista ambiental, precisam tornar toda a cadeia da aviação bem mais limpa, num contexto em que o tráfego aéreo mundial só aumenta", explica o especialista. Até agora, os progressos tecnológicos não compensam esse aumento do fluxo. Existem soluções, mas elas custam caro.
O consultor cita as soluções de aviões híbridos querosene-elétricos, que podem ser utilizados para curtas e médias distâncias, e o uso de querosene sintetizado – mistura de CO2 estocado com hidrogênio verde –, mas que custa de duas a três vezes mais que o combustível tradicional.
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Visita de Lula a Portugal visa abrir portas para o Brasil no mercado europeu
4/19/2023
Depois de quatro anos de um afastamento inédito entre Brasil e Portugal, durante o governo de Jair Bolsonaro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva embarca para Lisboa nesta sexta-feira (21) para quatro dias de visita ao país. A viagem visa reforçar a aproximação bilateral, com a expectativa de assinatura de 10 acordos em áreas como turismo, aeronáutica, cultura, ciências e de mineração. Mas também representa uma oportunidade de o Brasil abrir portas no mercado europeu.
Lúcia Müzell, da RFI
Lula será recebido com honras pelo presidente português, Marcelo Rebelo. Na sequência, encontra-se com o primeiro-ministro, António Costa, e ambos participam da Cúpula Brasil-Portugal. A reunião costumava ocorrer com regularidade desde 1991, mas foi dispensada por Bolsonaro durante o seu mandato – o ex-presidente também não realizou nenhuma viagem oficial a Lisboa.
Na agenda do petista está prevista uma reunião com empresários luso-brasileiros, na segunda-feira (24), em Porto. O foco será promover o cargueiro KC 390 da Embraer, cujo modelo os portugueses encomendaram cinco. Lula também deve visitar a indústria da OGMA (Indústria Aeronáutica de Portugal), subsidiária da Embraer no país, que construiu o primeiro exemplar do cargueiro já entregue.
Potencial de aumentar o fluxo comercial
Nos últimos anos, os brasileiros entraram na lista dos dez países com mais investimentos diretos em Portugal, principalmente no setor imobiliário – no qual, desde 2020, são os estrangeiros que mais adquiriram bens no país.
Mas apesar dos profundos laços que unem Brasília e Lisboa, o fluxo comercial entre eles é baixo. Conforme dados do Itamaraty, apenas 0,5% das exportações brasileiras em 2019 foram destinadas a Portugal e 0,4% das importações do Brasil saíram do país europeu. Os números subiram nos anos seguintes, mas ainda são considerados subestimados e pouco diversificados – permanecem focados em commodities, do lado brasileiro, e produtos tradicionais, como o azeite de oliva português.
Não à toa, Lisboa é um dos maiores aliados de Brasília para a conclusão do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul. "O Brasil já percebeu que Portugal é uma ponta de lança para ele na Europa. Não é uma cúpula só com Portugal: é a primeira vez que o presidente vem à Europa depois de assumir, então ao estar aqui, ele fala para a Europa”, ressalta o economista Paulo Dalla Nora Macedo, que circula nos meios empresariais dos países e está radicado em Lisboa. "Com certeza tem uma demanda reprimida forte. Do Brasil para cá, não tenho a menor dúvida, em especial de empresas que querem vir visando a Europa."
Dalla Nora cita como exemplo a área de tecnologia, em que empresas brasileiras poderiam se instalar em solo português como ponto de partida para o resto do mercado europeu – bem maior do que os 10 milhões de habitantes do pequeno país.
Deve ser inaugurado em Aveiro a primeira unidade no exterior do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (CESAR), um dos maiores hubs de tecnologia do Brasil. Nos últimos anos, Portugal se consolidou como um polo importante do setor na Europa, com mão de obra ainda relativamente barata.
“Precisamos ampliar e dinamizar as cadeias de valor e implementar o fluxo de investimentos entre os dois países, porque os brasileiros querem fazer negócios em Portugal, diversificando riscos, como porta de entrada para a Europa”, salienta Otacílio da Silva Filho, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira.
Mobilidade pela língua
Neste sentido, na pauta da visita de Estado também está a facilitação de aspectos legais e burocráticos entre os dois países, como a concessão de vistos e validação de diplomas. Em março, Lisboa formalizou uma nova etapa do Acordo de Mobilidade entre os Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que beneficia o Brasil e nações africanas para a obtenção de um visto de residência de um ano em Portugal, renovável por mais um ano. As exigências, como condição de...
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Lula na China: Nova Rota da Seda e semicondutores são ponto alto da negociação comercial
4/12/2023
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca nesta quarta-feira (12) na China para uma viagem com importante peso diplomático para o Brasil, mas também para os negócios. Pequim é o maior parceiro comercial de Brasília há 14 anos e a comitiva brasileira, formada por 40 autoridades, entre elas oito ministros e cinco governadores, espera fechar cerca de 20 acordos bilaterais em áreas como agricultura, investimentos, ciência, tecnologia e meio ambiente, entre outras.
A viagem deveria ter ocorrido em meados de março, mas foi cancelada para Lula tratar uma pneumonia. Nas áreas comerciais mais sensíveis, a presença pessoalmente do chefe de Estado e seu gabinete se mostra determinante. É por isso que, na visão do pesquisador associado do FGV-Ibre Livio Ribeiro, especializado em economias emergentes e em particular a chinesa, a volta do Brasil às negociações multilaterais, após quatro anos de afastamento durante o governo de Jair Bolsonaro, é o aspecto mais relevante desta visita a Pequim.
"Por uma escolha de Estado, nós saímos da mesa. Essa escolha teve custos, e agora estamos voltando à mesa e isso é extremamente importante, na minha opinião. Segundo ponto é que eles tenham uma discussão de vários acordos e medidas nas áreas de economia e finanças”, ressalta.
"Quando a gente olha a pluralidade da comitiva, com vários temas ao mesmo tempo, faz sentido na medida em que passamos tanto tempo sem jogar esse jogo. Tudo está sendo colocado na mesa ao mesmo tempo. E tradicionalmente na China, os ritos importam muito – até mais para os chineses do que para a gente. Assim sendo, a presença do presidente muda o nível da discussão e faz toda a diferença”, salienta Ribeiro, que também é sócio da consultoria BRCG.
Entrada do Brasil na Cinturão e Rota
Antes de viajar, Lula declarou a jornalistas que vai convidar o líder chinês Xi Jinping para visitar o Brasil, acrescentando que deseja “fazer investimentos que signifiquem algo novo, como rodovias, hidrelétricas". Para a China, um aspecto crucial da pauta bilateral é a negociação sobre a inclusão do Brasil no megaprojeto chinês Cinturão e Rota, conhecido como Nova Rota da Seda, mas o tema é alvo de divergências dentro do próprio governo.
Quase todos os países da América Latina, incluindo Argentina e Chile, já fazem parte do plano de investimentos em infraestruturas para facilitar o escoamento da produção e a conexão entre os continentes.
“Tem muito preconceito e desconhecimento sobre o que significa de fato a iniciativa. Ela deve ser entendida como um mecanismo de promoção do poder econômico chinês. Vários países tiraram benefícios dela”, afirma. “Eu vejo com bons olhos que se possa cogitar a possibilidade de entrarmos na Cinturão e Rota e que se possa receber dinheiro dos bancos de fomento chineses. Isso é se subjugar ao imperialismo chinês? Não. Isso é reconhecer a importância desse ator no mundo e para a gente”, avalia.
Planta de produção de semicondutores: um tema sensível
Outro tema delicado na agenda é a possível instalação, no Brasil, de uma planta de produção de semicondutores chineses – uma pauta urgente para Pequim desde que os Estados Unidos decidiram restringir as exportações desse componente, indispensável para a produção de chips eletrônicos, para a China. O tema está no foco das divergências entre Washington e Pequim no governo de Joe Biden.
"O objetivo da China é ser autônoma em relação aos semicondutores americanos, portanto ela quer produzi-los no território chinês, mas também se espalhar pelo mundo. As negociações com o Brasil estão ocorrendo para Pequim poder produzi-los em solo brasileiro”, nota a economista Mylène Gaulard, professora associada da Universidade de Grenoble e especialista nas economias brasileira e chinesa, em entrevista à RFI.
O Brasil desempenha um papel importante para a industrialização da China – na pauta de importações, Pequim compra principalmente minério de ferro e petróleo do Brasil, mas também soja e outras matérias-primas para alimentar...
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Rejeição ao primeiro Atacadão na França evidencia limites do atacarejo em um país rico
4/5/2023
Depois de ser obrigado a abandonar o projeto de instalação do primeiro Atacadão na França, planejado para a cidade de Sevran, o Grupo Carrefour busca outro município disposto a abrigar o atacarejo no país. Apesar da promessa de preços de 10 a 15% mais baixos, a marca – que faz sucesso no Brasil – encontrou resistência da prefeitura e dos moradores de uma das cidades com maior índice de pobreza da França.
Temendo impacto no comércio local e, sobretudo, rejeitando a estigmatização como “cidade pobre”, o prefeito de Sevran promoveu desde janeiro uma campanha contra a chegada do Atacadão. No início de março, o Carrefour decidiu abrir mão do projeto, que seria instalado em um hipermercado do grupo localizado em um bairro onde a concentração de população imigrante chega a 42%.
No local, a reportagem RFI ouviu de moradores que “o Atacadão não era bem-vindo” e que “estamos cansados da etiqueta de pobres”. “Não é porque somos pobres que precisamos de uma loja como essa”, disse uma senhora, afirmando ter dado “total apoio” ao abaixo-assinado promovido pelo prefeito de esquerda Stéphane Blanchet.
Segundo um levantamento do Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos (Insee), em 2014, 31,4% dos habitantes da cidade viviam abaixo da linha da pobreza.
“Estamos acostumados com o nosso Carrefour e não queremos nada pior”, comentou uma idosa cliente do hipermercado. “Sem falar na poluição, já que essa loja atrairia mais carros da região para cá”, argumentou uma aposentada que mora há quase 50 anos em Sevran.
Em nota, o grupo informa que “continua em fase de estudos de diferentes locais” e “avança na direção de várias outras pistas, em contato com as prefeituras envolvidas”. A tendência é que estejam na mira cidades populares e com crescimento demográfico – ou seja, com bastante famílias –, além de possuírem uma clientela intermediária de profissionais que atuam em restaurantes, hotelaria e turismo, apontaram especialistas ouvidos pela RFI.
Mas a primeira tentativa frustrada evidencia que a missão será mais difícil do que o previsto e o fracasso pode se repetir, na avaliação do professor de Economia Philippe Moati, cofundador do Observatório da Sociedade e Consumo (ObSoCo). “É possível, sim. Talvez desta vez eles tenham cometido alguns errinhos, e isso é frequente no varejo, quando querem testar um novo conceito: eles pegam uma loja que não anda muito bem e tentam mudar, com uma nova marca”, explica. “Essa fórmula do Atacadão, voltada para clientes particulares, nunca foi feita na França. Temos a americana Costco, que existe há 5 anos e é focada na clientela profissional – e mesmo assim, não conseguiu passar de uma única loja em todo o país.”
Preocupação com a qualidade e apresentação dos produtos
Uma série de especificidades francesas explicam essa resistência, a começar pelo apego cultural à gastronomia. O segredo dos atacarejos é oferecer preço baixo, à condição que o cliente compre em grandes quantidades. Mas como diz o ditado, come-se também com os olhos e ver os produtos apresentados em caixas empilhadas, como no Atacadão, pode provocar rejeição, afirma a economista Pascale Hebel, especialista em antecipação de tendências de consumo na consultoria C-Ways.
“Nós somos tão ligados à qualidade, ao gosto das coisas e, cada vez mais, aos produtos mais naturais, inclusive em períodos difíceis como o atual, que assim que a crise vai embora, o modelo baratão fica de lado. Para que ele continue, vai precisar que ele ofereça preços baixos, mas também bons produtos”, salienta. “A categoria da população mais modesta também é como as outras: quer alimentos com qualidade – e essa é a dificuldade para este modelo no mercado francês.”
Outro empecilho é que o francês se acostumou a consumir produtos variados no dia a dia e, no atacarejo, a paleta de opções é reduzida. Hebel observa que, tradicionalmente, hipermercados com essa proposta têm facilidade de se expandir durante períodos de crise, como o atual. Mas, para ela, o timing para...
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Restrição da publicidade, contrato formal: como a França vai enquadrar os influenciadores
3/29/2023
A profissão de influenciador digital será submetida a novas regulamentações na França, o primeiro país europeu a legislar o setor. O Parlamento francês analisa a partir desta semana um projeto de lei que prevê mais fiscalização da atuação dos profissionais das redes sociais, incluindo sanções para os casos de publicidade enganosa.
O texto se baseia nos documentos já existentes sobre a atuação de modelos e inclui as restrições já aplicadas à publicidade. Promover bebidas alcoólicas e cigarro, mas também procedimentos estéticos e operações financeiras, em especial com criptomoedas, será proibido. O influenciador não poderá mais dar dicas e elogios subentendidos a produtos sem deixar claro, por escrito, que o post se trata de publicidade. Além disso, deverá informar se usou filtro ou outro tipo de retoque na imagem quando abordar temas relacionados a beleza.
O projeto consolida a profissão de influenciador no país: “uma pessoa física ou moral que usa a sua notoriedade para comunicar ao público, via meios eletrônicos, conteúdos visando a fazer a promoção, direta ou indiretamente, de bens, serviços ou uma causa, em contrapartida, de lucros econômicos ou vantagens de outra natureza”. Assim, o texto visa impor a existência de um contrato formal entre o influenciador e o anunciante, no qual as obrigações e os direitos do “talento” e do contratante são especificados, assim como a remuneração pelo serviço.
Os menores de 16 anos deverão solicitar uma autorização do Estado para atuar nas plataformas digitais, e 90% da renda obtida ficará retida até a maioridade de crianças e adolescentes.
Excesso de regulação?
Para a economista Nathalie Janson, professora associada de Finanças do Neoma Business School de Rouen, Paris se apressa demais em regulamentar uma atividade ainda em desenvolvimento. “Nós já temos um enquadramento legal sobre a publicidade enganosa e acho que estamos infantilizando os usuários. Não nego que há abusos e pessoas são enganadas, sobretudo num setor novo como esse e que, como em qualquer novidade, há os mal-intencionados. Mas acho que seria preferível facilitar o acesso das vítimas à Justiça, com a base legal já existente, e o acesso a eventuais indenizações do que fazer todo uma nova regulamentação”, avalia.
O governo estima que a nova legislação vai atingir cerca de 150 mil pessoas catalogadas como influenciadoras ativas que visam o público francês – incluindo as que residem em outros países. “Me parece um pouco surrealista em relação ao oceano de possibilidades de atividades a que essa lei se refere. Nós sabemos que estamos indo para um mundo muito aberto, em que as fronteiras não existem”, observa Janson. “Com a web 3, estamos num mundo que ultrapassa completamente as concepções territoriais, e aplicamos velhas receitas.”
A grande maioria dos influenciadores franceses, 80%, pratica essa atividade como um hobby, com o qual ganha até € 4 mil por ano. Mas os demais, que contabilizam ao menos 1 milhão de seguidores, conseguem embolsar até € 10 mil com um só vídeo de poucos segundos.
Já faz alguns anos que as marcas não podem mais ignorar o poder dos influenciadores e estão dispostas a pagar somas cada vez maiores por um post. Conforme a consultoria especializada em dados Statista, o mercado mundial do setor deve mais que dobrar em dois anos, chegando a € 38 bilhões em 2025.
Arcabouço europeu
A nova lei francesa se soma à regulação europeia dos serviços digitais, que entrou em vigor em novembro de 2022 e estipula que os influenciadores são obrigados a notificar os seguidores quando os posts incluem publicidade paga. Desde 2018, os produtores de conteúdo audiovisual em canais como YouTube já estavam sujeitos à diretiva europeia que enquadra as práticas comerciais desleais e impõe restrições a publicidades que abordem temas relacionados à saúde, medicamentos, cigarro, bebidas alcoólicas, jogos de azar e segurança, entre outros.
Na visão de Nathalie Janson, o que ela considera como um excesso de enquadramento...
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Turistas voltaram a Paris em 2022 e tendência de alta deve continuar apesar de greves na França
3/22/2023
Após a queda brutal durante a pandemia de Covid-19, a atividade turística em Paris e região voltou a subir em 2022. A capital francesa e seu entorno receberam mais de 44 milhões de visitantes no ano passado, um aumento de 95% em relação a 2021, segundo o Comitê Regional do Turismo de Paris e Île-de-France. Para profissionais do setor, a tendência deve continuar em 2023, apesar das greves que afetam Paris.
O turismo gerou 19,6 bilhões de euros de receitas durante 2022, apesar disso, o setor de atividade ainda não voltou ao patamar anterior à pandemia.
A diferença no número de visitantes se explicaria, em grande parte, pela falta dos turistas da China, que ainda estavam bloqueados em seu país devido à Covid-19. Os chineses ocupavam a sétima posição em número de visitantes em 2019 e a terceira em termos de consumo.
Mas Christophe Décloux, diretor-geral do comitê regional de turismo de Paris e região, acredita que os chineses voltarão a viajar este ano. “Eles devem voltar em 2023 por diversas razões. A primeira é muito simples: a abertura das fronteiras da China e do Japão no fim do ano passado. Claro que temos o problema da capacidade aérea, mas quando os voos voltarem a um bom ritmo para trazer os chineses até o continente europeu, vamos provavelmente reencontrar nossos visitantes chineses”, diz otimista.
“Os japoneses, por outro lado, são uma clientela que necessita ser tranquilizada. Então trabalhamos bastante sobre a promoção e a comunicação de Paris como um destino seguro, para que os japoneses que viajam, possam voltar a Paris e sua região de 2023. Seremos com certeza ajudados pela Copa do Mundo de Rugby, que acontece em Paris, em setembro, porque o Japão se classificou”, analisa Décloux.
Cidade luz ou cidade da Emily?
Além de eventos como a Copa do Mundo de Rugby, a região parisiense conta com outra aliada de peso para atrair turistas: a série Emily em Paris, da Netflix. Entre os estrangeiros que visitam a Cidade Luz, os americanos estão em primeiro lugar com 2,4 milhões de turistas e Décloux não nega que muitos são atraídos pelo sucesso da série.
Depois dos americanos, aparecem os turistas europeus. Alguns, como os britânicos, italianos e holandeses são mais numerosos agora que antes da pandemia.
Com o marketing, o setor de atividade cresceu 134% em relação à 2021, mas ainda está 10% abaixo dos números de 2019.
A frequentação de hotéis da região parisiense teve um aumento de 112% em 2022, mas também não atingiu os índices de 2019, devido principalmente ao aumento dos preços, que chegam a 40% em alguns estabelecimentos de luxo.
Já os alugueis por temporada diminuíram 22%, em relação ao período antes da pandemia, uma queda mais acentuada que a dos hotéis.
Quase todos os museus, monumentos e pontos turísticos registraram uma forte progressão da frequentação no ano passado, em relação à 2021. Mas a afluência ainda é inferior à de 2019.
O Louvre recebeu 19% de visitantes a menos. A mesma tendência é observada em outro ponto turístico célebre, o Palácio de Versalhes, que teve uma redução de 16% da frequentação.
Impacto das greves e do lixo
As greves devido à reforma das aposentadorias, que deixaram lixo espalhado pelas ruas das cidades na França, e as manifestações com cenas de violência policial que circularam o mundo, poderia espantar os turistas e atrapalhar o setor em plena retomada neste ano?
Para Naldo Silva, da empresa Vai France de turismo, em Paris, ainda é cedo para sentir o impacto das manifestações. "As pessoas que vão viajar sempre perguntam se é seguro viajar, e se estivesse realmente perigoso, eu falaria”, afirma.
"Eu acho que está muito recente ainda para as pessoas que vão viajar. Esses vídeos que estão circulando estes dias, principalmente com o acúmulo do lixo, e as manifestações dão uma imagem feia (de Paris), obviamente, mas eu ainda não tive nenhum cliente perguntando se é seguro viajar ou não", diz.
Ele acredita que o impacto das greves e protestos no setor não deve ser grande. “Eu não...
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Falência do SVB deve aliviar alta de juros e colocar start ups ainda mais sob pressão
3/15/2023
A falência repentina do Silicon Valley Bank, até então porto seguro de startups americanas e até brasileiras, causa apreensão mundial e pode ter consequências ainda difíceis de antecipar. Analistas apostam no fim do ciclo de alta das taxas de juros e impacto no acesso ao crédito para as jovens empresas de tecnologia.
O governo e autoridades bancárias dos Estados Unidos, cientes dos riscos e apressados em afastar os temores de uma nova crise como a de 2008, lançaram um pacote de medidas excepcionais para garantir que as dificuldades do SVB não se espalharão para outros bancos, principalmente os que financiam pequenas e médias empresas. O presidente Joe Biden assegurou que os depósitos na instituição, que há 40 anos se especializou no mercado de startups, estão garantidos pelo Estado.
“A particularidade do caso do SVB é que, em tese, ele tem não faz parte do tipo de banco que pode receber proteção nos Estados Unidos, via garantia de depósitos. Na maior parte dos países, existe hoje um sistema que indeniza os correntistas caso o banco venha a falir. Mas o SVB é um banco para empresas, principalmente, que depositaram valores superiores à garantia, de US$ 250 mil”, explica Pierre-Charles Pradier, professor associado de Ciências Econômicas da Universidade Panthéon Sorbonne, à RFI. “Para colocar um fim às angústias, foi preciso que as agências do governo americano anunciassem que haverá uma garantia excepcional para este banco.”
Na avaliação de Pradier, a rápida reação do governo bastará para dissipar, aos poucos, o risco de contágio que agita os mercados financeiros nesta semana, após o anúncio da falência na sexta-feira (10).
“Depois da crise de 2008, há muito menos atividade interbancária, ou seja, os bancos se devem muito menos dinheiro entre eles e o fato de que um esteja em falência não implica na solvência dos outros. Na prática, o banco do Banco Central agora empresta para os bancos”, observa. “Entretanto, o que pode acontecer é que outros bancos estejam com o mesmo problema do SVB, de ter um modelo econômico que não se sustenta quando as taxas de juros aumentam, como agora.”
Efeito cascata
A subida dos juros de 0,25%, em 2020, para os atuais 4,75%, impacta negativamente o valor dos títulos detidos pelas instituições financeiras e incita os clientes a buscar produtos mais rentáveis. No caso do SVB, mais da metade dos seus ativos correspondiam a títulos do governo, uma escolha que – associada a outros aspectos – se mostrou fatal diante do novo contexto.
Face às pressões dos mercados, a expectativa agora é que a FED (Banco Central dos Estados Unidos) paralise o ciclo de aumento da taxa, com provável repercussão internacional. No Brasil, o episódio serviu para o governo federal novamente defender a queda da Selic no país.
“Dado que, no plano interno, muito provavelmente haverá a divulgação de um novo arcabouço fiscal, o Banco Central aqui terá condições de reduzir a nossa taxa de juros por maio. Esse é o cenário que está se configurando”, afirma Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, em São Paulo. “Mas não é porque lá nos Estados Unidos houve problema com bancos e aqui poderia ocorrer o mesmo, como disse o governo, até porque lá estamos falando de cerca de 6 mil bancos, e aqui no Brasil são só 140. São situações muito diferentes.”
Startups sob pressão
Outra interrogação é o futuro do crédito para a inovação, que com frequência é classificado como investimento de maior risco. Empresas de tecnologia pelo mundo e também brasileiras se encontram expostas à quebra do SVB. O setor como um todo deve sofrer o impacto da falência – que, para alguns analistas, representa a confirmação de que a bolha das startups estourou.
Em 2022, o crédito acordado destinado às tech já foi amputado de 30%, em escala mundial, levando a uma onda de demissões à busca por maior "eficiência". “É claro que mudou a forma como investidores observam startups, mas isso é um processo natural de desenvolvimento do setor, que vem se...
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Como o Brasil pode – e deve – se inserir na corrida industrial “verde” lançada por EUA e Europa
2/15/2023
Depois da entrada em vigor do Inflation Reduction Act nos Estados Unidos, com subsídios e incentivos bilionários (US$ 370 bi) para a indústria “verde” americana, a União Europeia reage na mesma moeda injetando o viés industrial do seu Pacto Verde. Os mecanismos europeus de financiamento devem ser definidos até junho. A corrida dos países desenvolvidos rumo à redução da dependência da China e de energias fósseis, em especial o petróleo, tende a impulsionar a movimentação dos investimentos nesse sentido no resto do planeta.
O mundo empresarial e financeiro acordou de vez para o tema, e as políticas públicas agora confirmam essa mudança, observa Roberto Waack, presidente do conselho do Instituto Arapyau e um peso-pesado da promoção de práticas sustentáveis junto a algumas das maiores companhias do Brasil, como o frigorífico Manfrig.
“Isso que está acontecendo agora é reflexo desse amadurecimento, que é lento. Não é assim: acabou a Conferência de Paris, vamos todo mundo mudar. Acho que estamos vivendo um componente que é o risco de não fazer, do ponto de vista de gestão do capital”, salienta Waack. “Não é nem o risco climático ainda. Mas, do ponto de vista do capital, não há mais alternativa. Esses fundos têm visões de longuíssimo prazo e eles falam que se não fizerem nada, estarão comprometendo o capital de longo prazo. Os fundos de pensão, principalmente, têm esse olhar, e eles não podem simplesmente ignorar.”
Trocar agricultura por energia
O Brasil desfruta de uma posição privilegiada neste contexto: ao contrário dos americanos ou europeus, o país já tem 48% da matriz energética de fontes renováveis, parcela sobe para 82% na matriz elétrica. Os investimentos verdes representam, portanto, uma oportunidade de mudanças estruturais no sistema de produção brasileiro, com possibilidades para uma nova política industrial de norte a sul do país.
No nordeste, por exemplo, o sol deixa de ser um problema para a agricultura e se soma às soluções energéticas, agora que as plantas solares, mas também as eólicas, estão mais competitivas. “Sol demais agora é solução, não é verdade? O cara fica tentando todo ano plantar para colher e quase nunca consegue porque não choveu”, comenta o economista Marcel Bursztyn, professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UNB e um dos maiores especialistas do país no tema. “Ora, em vez de ele plantar mandioca, feijão, milho, planta energia, literalmente”, diz, frisando que o investimento painéis solares é amortizado em cinco anos.
Reciclagem deficiente e economia florestal
Outro caminho pronto para ser explorado é a profissionalização da indústria da reciclagem, que segundo Bursztyn, beneficiaria em torno de 1 milhão de pessoas que hoje operam no setor, a maioria informais. E sem falar no desenvolvimento de novas frentes, como o de desconstrução e recuperação de infraestruturas e embarcações. O exemplo do recente afundamento do porta-aviões São Paulo pela Marinha brasileiro evidenciou a ausência de um setor de reaproveitamento de grandes estruturas no Brasil.
No agronegócio, motor do PIB brasileiro, as possibilidades também são diversas, a começar por aumentar a produtividade da agricultura sem degradação ambiental. A queda do desmatamento é a medida mais urgente para descarbonizar a economia brasileira.
“Para promover a economia verde e colocar o Brasil na posição de realmente aproveitar as oportunidades que tem – e que nenhum outro país tem, nem igual nem parecido –, terá que primeiro resolver a questão do desmatamento. E a solução do desmatamento vai ter que ser via a criação de alternativas econômicas para uma faixa da população que não tem acesso a nada”, salienta Roberto Waack. "Provavelmente vai passar pela chamada economia da conservação, com pagamentos por serviços ambientais, e algo na linha da bioeconomia, que nós não sabemos direito o que vai ser, mas essa é mais ou menos a zona do campo do investimento nessa frente."
Marcel Bursztyn acrescenta que o agro também tem amplo espaço...
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Reforma da Previdência de Macron falha ao ignorar falta de empregos para os mais velhos
2/8/2023
O presidente francês, Emmanuel Macron, enfrenta um dos maiores testes do seu governo, o de aprovar uma reforma da Previdência que visa a aumentar a idade mínima para a aposentadoria dos atuais 62 para 64 anos no país. O projeto enfrenta forte rejeição da opinião pública – entre outras razões, por dar pouca atenção para um aspecto crucial dessa transição, melhorar o mercado de trabalho e combater o desemprego entre os ativos com mais de 55 anos.
Atualmente, apenas um terço das pessoas acima de 60 anos tem uma vaga na França, e 75% daquelas com idade entre 55 e 60 anos. O texto que está sendo analisado pelo Parlamento instaura um dispositivo inédito para obrigar as empresas a monitorarem e divulgarem os dados sobre a porcentagem de empregados nas faixas etárias mais elevadas. As empresas com mais de 300 funcionários também deverão informar o que está sendo feito para contratar pessoas mais velhas e mantê-las em boas condições de trabalho.
O problema, na visão de Bruno Palier, um dos maiores especialistas em proteção social do país, é que a medida não vem acompanhada de políticas públicas para garantir a empregabilidade ao longo de toda a vida, ao contrário do que promovem os países escandinavos ou a vizinha Alemanha – onde a idade mínima para se aposentar já é mais elevada.
“O principal são duas coisas: primeiro, políticas de qualificação, permitindo aos mais velhos de continuar a se formar. Na França, é muito difícil os empregadores darem acesso a cursos para os funcionários a partir de 50 anos, enquanto que, na Alemanha, os empregados da indústria, por exemplo, continuam se formando com 55 ou 60 anos”, explica o diretor de pesquisas no Centro de Pesquisas Europeias da Sciences Po de Paris. "E o segundo elemento indispensável é melhorar as condições de trabalho, de modo que seja possível resistir às dificuldades físicas e psicológicas do emprego e estar em forma por mais tempo.”
Atividades adaptadas ao longo da vida
Medidas simples podem fazer a diferença. Na Suécia, onde 70% dos suecos com idade entre 60 e 64 anos ainda trabalham, as empresas têm salas de ginástica ou pagam academia para os funcionários, além de um ergonomista à disposição para escolher a melhor poltrona de trabalho conforme a idade e a função. A troca de atividade na última etapa da carreira, para aquelas que exigem mais esforço físico, também é facilitada.
Na Finlândia, uma ampla campanha de sensibilização para os “tesouros nacionais" – os trabalhadores experientes – foi promovida nos anos 1990, com estratégias para os planos de carreira e ajuda fiscal para as empresas melhorarem condições de trabalho ao longo dos anos.
Na França, ao contrário, o foco foi exaltar as dificuldades ligadas trabalho, para as quais a solução foi possibilitar a saída antecipada do cargo – liberando-o para um funcionário mais jovem.
"O que nós fizemos na França foi colocar pressão sobre os empregados e quando achamos que eles estão bastante pressionados e acabados, nós os dispensamos. É por isso que as empresas francesas continuam a demitir os mais velhos: porque acham que eles são caros demais e pouco produtivos, já que estão esgotados”, salienta o autor de obras como Réformer les retraites (Reformar as aposentadorias, em tradução livre). "Nós não buscamos manter a capacidade produtiva deles", afirma Palier, que já foi professor convidado de renomadas instituições como as universidades de Harvard e de Estocolmo.
“Descarte" antecipado
Uma das medidas previstas pelo projeto de reforma facilita, justamente, o “descarte" antecipado, ao ampliar a abertura de negociações entre o trabalhador e a empresa dois anos anos antes da data prevista para a aposentadoria. Uma solução comum é que ele mantenha o salário, mas só tenha de trabalhar em meio período. A mensagem, por trás, é sem piedade: os mais velhos mais atrapalham do que ajudam.
“A situação é muito binária na França: ou você está empregado e é pressionado o tempo todo, ou você é descartado e fica sem emprego. É por isso...
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Disparada de orgânicos na Europa sofre golpe da inflação e multiplicação da oferta
2/1/2023
Um círculo virtuoso inspirador está em plena crise na Europa. Nos últimos 10 anos, países da Europa experimentaram uma disparada da produção e das vendas de produtos orgânicos, em resposta ao interesse crescente dos consumidores em hábitos mais saudáveis e a proteção do meio ambiente. Mas o movimento levou a uma explosão da oferta que a demanda não conseguiu acompanhar – ainda mais no contexto de inflação alta, que tornou os produtos sem agrotóxicos ainda mais caros.
Países como a França estão sentindo o baque. Com a ajuda de generosas subvenções, a área plantada com orgânicos dobrou no país entre 2017 e 2022, chegando a 2,78 milhões de hectares e tornando os franceses os maiores produtores do setor na União Europeia. A seção de orgânicos nos supermercados saiu de um canto da prateleira de hortifrutigranjeiros e se espalhou pelas mais variadas seções, dos produtos de limpeza aos temperos na culinária. Nas ruas, a quantidade de lojas especializadas crescia a olhos vistos – a rede Biocoop, líder no setor, passou a ter 700 filiais pelo país.
Do outro lado, porém, apenas 6% dos franceses passaram a consumir cotidianamente produtos orgânicos e somente 2% dos restaurantes ofereciam, no ano passado, pratos livres de agrotóxicos. A queda de 6,3% das vendas 2022 agora leva dezenas de produtores a questionar a conversão e voltar para a agricultura tradicional.
“Foi um mercado que só cresceu, com progressões a dois dígitos até 2019/ 2020. Porém, depois da pandemia as vendas começaram a cair e o mercado de orgânicos realmente teve uma reviravolta nos supermercados em 2021, e até mesmo nos mercados especializados em orgânicos”, afirma a especialista em hábitos de consumo no varejo Emily Mayer, diretora de estudos no Instituto de Pesquisa e Inovação (IRI). “Nós esperávamos uma desaceleração, afinal não se pode ter crescimento de dois dígitos para sempre, mas não esperávamos que entraria no vermelho.”
A saturação do mercado veio por diversas frentes. A multiplicação dos pontos de venda foi um aspecto crucial, mas a de ofertas também impactou negativamente. Do alimento orgânico, abriu-se o leque para produções com fabricação local, respeitosa dos animais, sem embalagens ou sem aditivos – características que podem se combinar, ou não, entre si. Na cabeça do consumidor, os conceitos se confundiram e o resultado foi uma perda de confiança.
“Os consumidores descobriram que os orgânicos nem sempre eram produzidos na França, que eles vinham em embalagens nem sempre respeitosas do meio ambiente, e até que os componentes nutricionais dos produtos orgânicos poderiam ser piores que os produtos ditos convencionais. Tudo isso fez muitos franceses se questionarem se valia mesmo a pena pagar mais caro por um produto orgânico”, observa Mayer.
Na pequena Kelbongoo, instalada em uma rua simpática do 20º distrito de Paris, as vendas caíram 25%, abaladas pela inflação que chegou a 10% na França no segundo semestre do ano.
“Temos menos gente, as compras são menores. Com a inflação, tivemos que mudar os preços várias vezes. Tentamos ficar abaixo da taxa de inflação, mas é muito complicado”, lamenta o gerente Geoffroy Brothier.
“O circuito curto e o orgânico sofrem pela imagem de serem caros. Percebemos que as pessoas vêm para ver se é possível comprar”, complementa Natacha Gan, diretora de marketing da rede, especializada em circuitos locais de produção. “Temos os nossos clientes fiéis, mas tem muitos que vem no começo do mês e, no fim do mês, eles estão com dificuldades e acabam voltando a comprar em supermercados mais baratos.”
Apesar dos contratempos, Emily Mayer não tem dúvidas de que essa fase representa uma transição para o amadurecimento de setor. Para ela, a preocupação com a qualidade sanitária e ambiental dos produtos veio para ficar no mercado europeu.
Pierrick De Ronne, presidente da rede Biocoop, também vê o horizonte com otimismo. Ele espera ainda mais apoio do governo francês para transformar o nicho dos orgânicos em um dos motores da...
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Onda protecionista mundial pode favorecer política industrial sonhada por Lula
1/18/2023
A entrada em vigor em janeiro do plano bilionário americano de apoio à indústria nacional, em especial a automobilística e de tecnologia, consolida a nova era protecionista em que as potências se lançaram nos últimos anos, com impactos no resto do mundo. Em reação, a UE anunciou uma “nova lei para a indústria zero carbono”. No Fórum Econômico de Davos, o tema do “fim da globalização”, que já vinha sendo debatido nas edições anteriores, ganha força.
Depois da guerra comercial de Donald Trump contra a China, enganou-se quem pensava que Joe Biden recuaria na política de preferência nacional escancarada pelo antecessor. Como definiu um editorial do jornal Le Monde, em matéria de livre comércio, Biden é igual a Trump, menos os insultos.
O Inflation Reduction Act, abastecido com a soma colossal de U$S 369 bilhões, foi lançado com dois argumentos nobres – a transição ecológica e o combate à inflação. Mas o plano de investimentos visa, sobretudo, garantir a soberania tecnológica do país, indica o professor de economia Antonio Carlos Alves dos Santos, da PUC de São Paulo.
“Eu acho que o interessante nessa continuidade é a sinalização de que existe uma política do Estado norte-americano de defesa do que se chama de ‘interesse nacional’. Com essa medida, que na verdade é uma política industrial, Biden atinge os objetivos estratégicos americanos: fazer frente à concorrência chinesa e ao mesmo tempo vender um discurso de que o Estado americano teria comprado a agenda de ambiental, mundo afora”, analisa.
Na prática, o plano de investimentos marca um novo golpe à globalização, uma vez que só poderão se beneficiar as empresas com produção 100% americana, em solo americano.
“É uma tentativa do Estado nacional de se reinserir depois do choque que foi a pandemia, em que pudemos perceber o quanto vários países estavam dependentes da China na sua rede de suprimentos – e isso é muito complicado. Agora, estamos vendo uma tentativa de você fazer um descasamento da sua produção industrial da produção chinesa – e isso tem um custo imenso, que só pode ser suportado com apoio de recursos públicos”, explica Alves dos Santos.
Europa e a “nova lei para a indústria zero carbono”
No meio dos dois gigantes, a Europa denuncia há meses a “concorrência desleal” de Estados Unidos e China, que subvenciona há anos a sua indústria eletrônica, amplia os incentivos e restringe os seus mercados para as companhias estrangeiras. Só no setor de semicondutores, Pequim planeja colocar US$ 135 bilhões nas fabricantes nacionais a partir deste primeiro trimestre.
Face ao risco de ver as suas indústrias migrarem para leste ou oeste, em busca de condições mais vantajosas, o bloco se prepara para rebater na mesma moeda – um “fundo de soberania” está sendo articulado para propor “uma nova lei para a indústria zero carbono”, anunciou a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, nesta terça-feira (17) em Davos.
“O objetivo será concentrar o investimento em projetos estratégicos ao longo de toda a cadeia de suprimentos”, disse Von der Leyen, no Fórum Econômico Mundial. "Quando o comércio não é justo, as nossas reações devem ser mais enérgicas."
Em dezembro, o ministro francês da Economia, Bruno Le Maire, já havia advertido que os europeus “defenderão a sua indústria de todas as formas” – num contexto em que a Organização Mundial do Comércio (OMC) perdeu as rédeas para arbitrar uma batalha dessa amplitude.
Fortalecimento do BNDES
Já no Brasil, este contexto mundial poderá fortalecer os planos de Luiz Inácio Lula da Silva de implementar uma nova política industrial no país – sobretudo se vier com a desculpa da transição para uma economia de baixo carbono, observa Alves dos Santos. Anunciado desde a eleição do petista, o projeto de investimentos pode ser uma ferramenta valiosa para alavancar o crescimento econômico, mas é visto com reservas devido ao temor de intervencionismo estatal desmedido.
“No Brasil, já se começa a falar da retomada dos investimentos numa...
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Invasões aos Três Poderes podem fortalecer Lula, mas aumentam pressões do mercado
1/10/2023
A fraca reação da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) aos ataques à Praça dos Três Poderes por vândalos bolsonaristas sinaliza que o mercado financeiro entendeu a resposta do governo Lula como adequada e o risco de ruptura institucional, limitado. Entretanto, a crise política aberta logo na primeira semana do mandato aumenta ainda mais as pressões sobre a agenda econômica do presidente petista, avaliam analistas ouvidos pela RFI.
No dia seguinte às invasões ao Planalto, Supremo Tribunal Federal e o Congresso, a Bovespa fechou em alta de 0,15%. Do ponto de vista externo, os atos criminosos ao coração do poder entram numa continuidade de instabilidade política iniciada em 2013 no país, assinala o consultor francês Stéphane Witkowski, presidente do Instituto de Altos Estudos sobre a América Latina (IDEAL), em Paris, e conhecedor de longa data do ambiente de negócios no Brasil.
Para ele, mensagem de união e defesa da democracia dos presidentes dos Três Poderes da República e a condenação unânime dos acontecimentos em Brasília pela comunidade internacional reforçam a confiança do mundo em Lula, já demonstrada na posse do novo presidente.
“Eu tenho a convicção de que os meios econômicos e financeiros podem entender perfeitamente que é uma consequência dos últimos atos da presidência Bolsonaro, mas alguns aspectos dessa crise ficarão ainda por alguns anos porque tem uma crise profunda de tendências da sociedade brasileira, nos últimos dez anos. Uma crise institucional, política, mas também democrática do Brasil”, salienta.
Ainda mais pressões pelo equilíbrio fiscal
Em outras palavras, pior do que estava, não ficou. Daniela Magalhães Prates, economista sênior da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), em Genebra, afirma que as instabilidades políticas sempre afetam as decisões dos agentes econômicos – empresários, consumidores, investidores. Num contexto internacional que está desfavorável para a América Latina, ela considera que o mercado tende a usar esse argumento para pressionar ainda mais o governo. Na mira, está o ajuste fiscal necessário para equilibrar as receitas e poder bancar o excesso de despesas previsto no orçamento deste ano.
“A economia internacional vai desacelerar e, com isso, os preços das commodities não vão continuar altos como estavam. Essa situação reduz a margem de manobra para adotar políticas mais expansionistas. O embate com o mercado vai ser um problema”, afirma a economista. “A incerteza política pode ser usada para isso: reduzir a margem na política fiscal e monetária. Dizem que como o governo está enfrentando incerteza política, insegurança institucional, então não é hora de diminuir juros nem de achar que podem gastar.”
Witkowski acrescenta ainda a reforma política, que se mostra mais necessária do que nunca. O consultor empresarial ressalta que “esses primeiros meses serão muito decisivos” para o presidente demonstrar liderança e transmitir confiança. “Eu diria que o verdadeiro teste para a comunidade econômica e financeira internacional será a capacidade do governo Lula de passar as reformas econômicas no Congresso e avançar nos principais objetivos econômicos do seu programa, nas próximas semanas”, sublinha o francês.
Falhas de segurança
O professor de economia da PUC-SP Antonio Alves dos Santos observa ainda que os ataques em Brasília, com provável colaboração das forças de segurança, evidenciam a fraqueza do governo petista para garantir a segurança – um alvo histórico de críticas ao partido. Os acontecimentos também escancaram o diálogo frágil entre o Planalto e as Forças Armadas – e coloca na berlinda dois ministros do primeiro escalão do governo, o da Justiça, Flávio Dino, e o da Defesa, José Múcio Monteiro.
“A leitura que o mercado vai fazer desses dois ministros me parece ser muito mais relevante do que a avaliação que será feita a respeito da atuação do ministro Haddad. Quer dizer, o governo está batendo cabeça na área econômica, mas também na...
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Com adoção do euro, Croácia espera “bombar" ainda mais turismo, mas preços já sobem
1/3/2023
Nove anos depois de entrar na União Europeia, a Croácia trocou a kuna, a moeda nacional, pelo euro. O país passou a integrar a zona do euro, o grupo de países que adotam a moeda única europeia, e o espaço Schengen de livre circulação no bloco. O pequeno Estado dos Bálcãs ganha acesso facilitado aos mercados europeus e se prepara para receber ainda mais turistas – mas os habitantes já constatam que, como resultado imediato, a mudança fez os preços subirem no comércio.
A ascensão foi das mais rápidas já vistas na União Europeia, uma recompensa de Bruxelas aos esforços de Zagreb para vencer as etapas para integrar os dois grupos – são 20 países na zona do euro e 23 no espaço Schengen. Independência do Banco Central, estabilidade dos preços e finanças públicas sob controle são alguns dos pontos que contaram a favor.
Outros dois candidatos, a Romênia e a Bulgária, não tiveram a mesma sorte – o Conselho Europeu julgou que ambos ainda não eram capazes de assegurar o fluxo migratório dos Bálcãs nas suas fronteiras com a UE, e bloqueou os seus processos de adesão em 2022.
O economista do Banco da França Florian Le Gallo lembra que, desde o ingresso na União Europeia, a Croácia traçou o caminho para também adotar a moeda única. A última vez que um país tinha sido aceito foi em 2015, com a entrada da Lituânia. Aos olhos de Bruxelas, a aceitação de Zagreb representa um sinal de força do euro, após a crise das dívidas iniciada em 2010 e o Brexit.
“Em 2021, mais de 60% do comércio exterior da Croácia foi com a zona do euro, dentro da qual a Alemanha é o seu principal parceiro comercial. O que muda agora é a eliminação dos custos de câmbio com o euro”, afirma Le Gallo. “Isso vai facilitar as trocas comerciais e os investimentos financeiros. Uma empresa croata que já comercializava bastante com a zona do euro, por exemplo, vai poder eliminar os custos com câmbio entre a kuna e o euro.”
Turismo facilitado
Para um país em que o turismo representa 20% do PIB, a mudança traz boas perspectivas econômicas pela frente, na avaliação de Yves Bertoncini, consultor em assuntos europeus e professor da ESCP Business School.
“Como é um pequeno país de menos de 4 milhões, que recebe quase 20 milhões de turistas, essa nova configuração vai tornar a Croácia ainda mais atrativa, em especial para os turistas europeus. Não haverá mais controles de fronteiras para franceses, alemães ou italianos, e eles poderão continuar usando a mesma moeda”, explica.
Essa integração crescente não começou agora. Nos anos 1990, a economia croata era ligada ao marco alemão, devido à instabilidade monetária no pequeno país na época, em meio à guerra de independência da antiga Iugoslávia. A chegada do euro deu continuidade a este processo – a metade dos empréstimos bancários na Croácia já era na moeda europeia.
“Sempre usamos euros e sabíamos qual era o valor do euro. Muitas coisas de valor na Croácia, como quando comprávamos uma casa, já se pagava em euros, e não na nossa moeda”, conta a professora de idiomas e tradutora Dubravka Jakic, de Zagreb. “Não terei saudades da kuna. Foi nossa moeda, mas vai ser mais fácil com o euro. Antes, para viajar para todos os países que têm euros, sempre tínhamos que passar no banco para pegar euros. Agora vai ter tudo aqui”, celebra.
Proteção do euro
A Croácia é uma das economias mais frágeis da UE e espera que a troca deixará o país mais protegido das instabilidades geopolíticas globais. No cenário atual, de inflação mundial, o índice atingiu 13,5% no país – contra 10% na zona do euro. A taxa de crescimento econômico croata, por outro lado, sinaliza uma economia dinâmica, com alta de 5,7% esperada este ano.
A esperança é que, com a adoção da moeda comum, o nível de vida dos croatas se aproxime mais do restante do bloco, a começar pelo aumento dos salários, que subiram quase 70% desde 2016.
Na manhã deste domingo, nas primeiras horas após o fim da moeda nacional, o estudante Vilim Kladniciki, morador de Zagreb, fez questão de...
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Retrospectiva 2022: na economia, guerra e inflação atrapalharam ânimo com queda da Covid-19
12/28/2022
O ano de 2022 começou com a perspectiva de fim da pandemia de Covid-19, mas logo esbarrou na guerra da Ucrânia, afundando o mundo em um novo período de incertezas. A economia mundial retomou sob o fantasma da inflação e do aumento da pobreza na maioria dos países do mundo.
Tudo começou com a alta progressiva dos juros nos Estados Unidos, uma consequência da regressão do coronavírus e a retomada das atividades. A medida trouxe consigo a certeza de que os investidores migrariam das economias menos confiáveis, como as em desenvolvimento, para se confortar na segurança do dólar.
E dólar caro significa o Brasil pagar mais pelas importações de insumos e petróleo, com impacto em toda a cadeia produtiva e, consequentemente, nos preços.
"O lado ruim disso tudo é que a população nacional e internacional, que já empobreceu, vai empobrecer um pouco mais. Vai ter mais inflação, mais recessão e desemprego. E mais inflação vai significar taxas de juros altas por mais tempo”, antecipava o economista Ernesto Lozardo, ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas), em entrevista à RFI em janeiro de 2022. “Se a nossa inflação já está apontando para dois dígitos, nesse ano vai passar de dois dígitos. Não tem como evitar.”
Volta da guerra e da inflação na Europa
A guerra na Ucrânia só piorou esse cenário. As sanções dos países ocidentais contra a Rússia, grande exportadora de gás, petróleo e cereais, geraram consequências imediatas, como a disparada dos preços de commodities e da energia. Em março, na França, o tom do presidente Emmanuel Macron era de gravidade.
“Nossa agricultura, nossa indústria, muitos setores econômicos estão sofrendo e sofrerão, seja porque dependem da importação de matérias-primas da Rússia ou da Ucrânia, seja porque exportam para esses países. Nosso crescimento, que está atualmente no auge, será inevitavelmente afetado", advertiu o líder francês. “O aumento do preço do petróleo, gás e matérias-primas tem e terá consequências para o nosso poder aquisitivo”, disse o presidente.
A maioria dos países do mundo voltou a conviver com a inflação de até dois dígitos, inclusive os europeus. Na União Europeia, em novembro o índice passou de 4% para 11,5% no período de um ano, algo inédito em 20 anos.
Reino Unido afunda na recessão
No Reino Unido, a crise econômica gerou forte instabilidade financeira e se transformou também crise política. Em plena tempestade inflacionária, a sucessora do premier Boris Johnson, Liz Truss, se transformou na primeira-ministra a ficar menos tempo no cargo, por apenas 44 dias.
“Inflação derruba governo, ainda mais quando você tem o parlamentarismo e o gabinete pode cair a qualquer momento. São países que não estavam acostumados a viver com inflação desde a Segunda Guerra”, comentou José Luiz Niemeyer, especialista em Relações Internacionais.
Em uma economia enfraquecida pela pandemia e a crise energética, a saída da União Europeia agravou a escassez de mão de obra no Reino Unido, sem reverter o declínio da produtividade que, pelo contrário, foi ampliado.
Desde 2016, ano do referendo do Brexit, os investimentos, o crescimento e o consumo progrediram mais lentamente no Reino Unido do que em países comparáveis.
“Na hora em que você está fora de um serviço preferencial de tarifas, fora da UE, fica mais caro conseguir atingir o preço que se pratica dentro do bloco. Só se você subsidiar os produtos, mas aí você tem um problema grave de mais inflação a partir de gasto público”, contextualizou.
O atual primeiro-ministro Rishi Sunak, que assumiu em outubro, não conseguiu evitar a recessão, e a economia britânica deve continuar em retração em 2023, com perspectiva de redução do PIB de 1,4%, segundo o próprio governo.
Fuga de capitais
Enquanto isso, na zona do euro, as incertezas levaram a moeda única europeia a ser cotada abaixo do dólar pela primeira vez desde a criação do euro, há duas décadas. O conflito ucraniano exacerbou fraquezas...
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Legado econômico de Bolsonaro: reformas abafadas por Estado sufocado e alta das desigualdades
12/14/2022
Quando assumiu o Planalto, em 2019, o presidente Jair Bolsonaro era celebrado por grupos econômicos e financeiros do país por ter colocado à frente do “superministério” da Economia o liberal Paulo Guedes, que prometia colocar as contas públicas em dia e encurtar as garras do Estado. Quatro anos depois, o governo entrega parcialmente as promessas – mas deixa para trás um rastro de desigualdades sociais e serviços públicos fragilizados.
O presidente lega ao país um superávit primário (arrecadação menos gastos, à exceção dos juros da dívida) de R$ 23,4 bilhões, um resultado inédito desde 2013. De acordo com dados do Ministério da Economia, a dívida bruta do governo caiu para 74% do PIB (Produto Interno Bruto) e o total de compromissos devido pelo Brasil a organismos financeiros baixou 20% em relação a 2016.
Mas, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, o balanço final não é de ordem, mas de desordem fiscal, na avaliação de economistas como Ernesto Lozardo, ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). "Entenda ordem fiscal como sendo o custo da dívida menor do que a taxa de crescimento do país. Nós estamos exatamente na situação contrária. A taxa de juros do país cresce a um índice muito elevado, está em 13,75% ao ano, em um país que está crescendo, no máximo, 3%. Isso é inviável”, explica Lozardo.
"Portanto, há uma desordem fiscal, e não para atender projetos econômicos e sociais importantes, mas para atender demandas políticas de cada parlamentar e, em troca, o governo ter aprovação das suas emendas, com orçamentos secretos”, aponta.
O professor da FGV-SP, defensor da agenda de reformas de Paulo Guedes, ressalta que a atual gestão modernizou a economia brasileira, ao promover privatizações importantes, novos marcos legais para setores como saneamento e gás e inovações como a criação do PIX. Os resultados no combate ao desemprego também são flagrantes, com uma queda de 14% para 8% do índice em quatro anos.
Pandemia não explica tudo
A seu favor, Bolsonaro sempre terá a pandemia de coronavírus como desculpa por não ter entregue a economia em melhores condições. Críticos, porém, relembram que, no começo do mandato – portanto antes do surgimento da Covid-19 –, o presidente criava polêmicas institucionais e atritos com parceiros comerciais importantes do Brasil, a exemplo da China. As movimentações criaram um clima de incertezas que afugentou investidores e prejudicou o desempenho econômico do país.
Na sequência, a promessa de crescimento econômico robusto jamais se concretizou. Dados do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas) indicam que a alta média do PIB nos anos Bolsonaro foi de 1,5%, um dos piores desde os anos 1990.
O economista e consultor Raul Velloso, um dos maiores especialistas em contas públicas do país e também adepto do viés liberal, aponta que a queda histórica do nível de investimentos prejudicou o crescimento e a distribuição de renda.
"A taxa de investimento público e privado só caiu desde os anos 1980. O privado é uma linha reta, de em torno de 1,1% do PIB, e o público cai nove vezes, de cerca de 5% do PIB a 0,6%, no último ano. É um negócio chocante. Como é que o país vai crescer se o total dá 1,7% do PIB?”, questiona Velloso, ao relatar uma reunião que teve com Guedes sobre o tema.
"Se eu coloco no mesmo gráfico essa taxa e a taxa de crescimento econômico, os dois gráficos andam grudados: cai um, cai outro. E agora ainda tem o teto, que quando eles entraram, estava em vigor. O Paulo Guedes nunca conseguiu se posicionar de forma positiva contra o teto. O que ele fez foi ficar correndo atrás”, diz o especialista do Instituto Nacional de Altos Estudos.
Legado social desastroso
Em nome do respeito ao teto de gastos, o governo promoveu cortes generalizados em serviços públicos, inclusive essenciais como saúde e educação, conforme denuncia a equipe de transição do futuro governo Luiz Inácio Lula da Silva.
O país também sentiu o impacto da alta...
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Como o governo Lula poderá bancar a quebra do teto de gastos?
11/30/2022
O governo Lula ainda nem assumiu e já enfrenta a desconfiança dos mercados financeiros, receosos com o rompimento da regra de ouro fiscal em vigor no país, o teto de gastos. A última proposta de Projeto de Emenda Constitucional para liberar orçamento extra até 2026 prevê um excesso anual estimado em cerca de quase R$ 200 bilhões – mas a equipe de transição de governo não dá precisões sobre como esse valor será financiado, causando apreensão quanto ao equilíbrio das contas do país.
A principal razão para a alta das despesas é bancar o Auxílio Brasil a R$ 600 durante os próximos quatro anos, aumentar o salário mínimo e retomar os investimentos, todas promessas de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva. Entretanto, a falta de clareza da nova versão do texto, enviado ao Senado nesta segunda-feira (28), continua a preocupar, na avaliação do economista Reginaldo Nogueira, diretor-geral do Ibmec São Paulo e Brasília.
“A gente está falando de uma situação na qual a economia mundial está entrando em recessão, a taxa de juros internacional está muito alta para controlar a inflação da saída da crise da Covid, a China está crescendo abaixo de 3%. O cenário internacional é completamente adverso, e se a gente ainda coloca irresponsabilidade fiscal na equação, a gente passa a ter uma pressão sobre a nossa taxa de câmbio que vai obrigar o Banco Central brasileiro a aumentar muito mais a taxa de juros, e aí a gente vai entrar de novo naquela situação na qual o governo não só tem geração de déficits primários, como a gente paga muitos juros e o déficit nominal fica mais alto ainda”, explica. “A dívida cresce cada vez mais e rapidamente a gente volta àquele cenário de dívida na casa de 100% do PIB”, complementa.
Regras do teto em questão
Já o professor de economia política e desenvolvimento internacional no King’s College de Londres, Alfredo Saad Filho, pensa diferente. Para ele, o impasse atual reflete muito mais uma disputa política do que um temor de descontrole fiscal, além de evidenciar as limitações das regras do teto de gastos, em vigor desde 2017. Ao vincular na Constituição as despesas à inflação, a medida tende a estrangular o orçamento, desconsiderando emergências e a degradação das condições sociais no país.
Não à toa, 2023 será o quarto ano consecutivo em que a PEC será rompida, num ciclo iniciado na pandemia. Com Bolsonaro, o excesso já seria de R$ 105 bilhões no próximo ano.
“Temos uma situação de crise estrutural da economia brasileira na última década que só se resolve com crescimento econômico sustentável. O papel do Estado nisso vai além de manter um equilíbrio fiscal que é completamente artificial”, argumenta o professor. “O equilíbrio é um instrumento, não é um fim. É um instrumento para se ter uma economia estável que possa gerar o crescimento, garantir emprego e renda para as pessoas. Ele não pode virar um fetiche, e isso foi uma inversão de valores que aconteceu em 2016 e continua amarrando o crescimento do Brasil desde então”, observa Saad Filho.
Desonerações
As fontes de receitas para financiar o excedente de gastos podem ser diversas, como maior eficiência na máquina pública e a reversão de isenções tributárias. As desonerações outorgadas pelo atual governo a diversos setores, com industrial e agronegócio, resultarão em R$ 465 bilhões a menos nos cofres públicos em 2023.
“A taxação de riquezas e de ganhos de capital deveria ser uma prioridade e, se for para arrecadar mais, vai ser por ali, porque arrecadar mais na folha de trabalho da classe média não só é injusto, como criaria um problema político extremamente grave que, me parece, esse governo que entra não teria condições de confrontar”, salienta o professor da King’s College de Londres.
“Com certeza a gente pode fazer uma discussão sobre o regime tributário, a tributação de dividendos. A gente vai ou não renovar o auxílio caminhoneiro? Vai ou não manter a redução do PIS e Cofins sobre os combustíveis? Vai prorrogar o congelamento dos salários dos...
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PEC da Transição: "Gastos sociais e responsabilidade fiscal não são antagônicos", diz economista
11/23/2022
Lideranças partidárias do Congresso Nacional retomaram nessa semana a discussão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, apresentada pelo futuro governo para garantir fundos para o pagamento de benefícios sociais. A medida foi recebida com cautela pelo mercado, que teme o abandono da responsabilidade fiscal.
O dólar disparou e economistas alertam para os riscos de o Partido dos Trabalhadores retomar uma trajetória expansionista. “A mensagem é ruim porque a sociedade precisa de sinais claros de como o governo vai funcionar em termos financeiros", explica o professor Gilberto Braga, do Ibmec do Rio de Janeiro. "Há um falso dilema de que os economistas são contra gastos sociais ou são a favor da especulação financeira, não se trata disso. É reconhecida a necessidade da manutenção dos auxílios financeiros à população carente, mas é preciso discutir como isso vai ser pago, como isso vai ser financiado", completa.
A medida visa excluir da regra do teto de gastos os desembolsos com o programa Bolsa Família e faz outras alterações orçamentárias. Um anúncio que divide opiniões e surpreendeu negativamente o mercado não só pelo montante, já que a licença para gastos poderia ser da ordem de R$ 200 bilhões em 2023, mas pela sinalização quanto ao ajuste fiscal. Na prática, Lula poderia custear o Bolsa Família com empréstimos, aumentando a dívida pública.
A PEC, apelidada de “fura-teto”, seria uma tentativa de alterar o limite de gastos aprovado no governo do ex-presidente Michel Temer para estabelecer um patamar para os gastos do governo federal nos próximos 20 anos, a partir de 2017.
Em 2016, os defensores do teto argumentavam que ele era necessário para controlar os gastos públicos, em uma trajetória insustentável de crescimento, para manter as contas do país controladas e permitir que a taxa básica de juros da economia fosse mais baixa.
“Quando você dá o benefício social por um lado e a situação econômica se deteriora, você acaba corroendo todos os efeitos positivos desses auxílios financeiros", diz o economista. "O primeiro indício é você ter inflação elevada. Então se o governo não controla os seus gastos, o governo é obrigado a se endividar. E dívida pública você financia com taxas de juros para poder tornar atrativos os papeis da dívida brasileira. Então, isso faz com que você tenha de manter taxas de juros muito altas. Isso atrai dinheiro para o mercado financeiro, porque a rentabilidade de juros é maior do que o retorno do investimento na economia produtiva real, então você trava o crescimento da economia", completa Braga. "É como se você dá com uma mão e tira com a outra", compara.
Muitos especialistas concordam que um clima hostil e instabilidade não são condições desejáveis para o início de um novo governo. “Para a economia é importante ter previsibilidade com regras claras e duradouras que não fiquem sendo modificadas a cada momento. É preciso definir se esse gasto social do primeiro ano vai ser só no primeiro ano, se vai ser nos 4 anos do mandato do presidente esses gastos ficarão fora do orçamento e colocando no orçamento, como eles serão custeados?”, insiste.
Combate à desigualdade
A diminuição do gasto afeta especialmente políticas públicas que beneficiam classes sociais mais baixas e dependentes dos serviços oferecidos pelo Estado. Lula advoga por mais qualidade de vida aos pobres e para combater o quadro de desigualdade social do país.
O dispositivo poderá viabilizar a manutenção do benefício de R$ 600,00 atualmente pago. O projeto de lei orçamentária para 2023 não previu o valor necessário para assegurar a renda dos mais vulneráveis, de modo que implicaria redução das transferências às famílias em situação de pobreza. Além disso, o novo governo prevê a concessão de benefício adicional às famílias que tenham crianças de até 6 anos.
Entretanto, gastos sociais e responsabilidade fiscal não são necessariamente antagônicos. "Esse antagonismo que o novo presidente eleito trouxe entre responsabilidade...
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