
Economia - Pandemia: que mudancas no mercado de trabalho vieram para ficar?
RFI
Entrevistas com economistas, analistas de mercado, investidores e políticos, para explicar e comentar questões econômicas internacionais. O papel do Brasil e dos países emergentes na economia mundial.
Location:
Brazil
Networks:
RFI
Description:
Entrevistas com economistas, analistas de mercado, investidores e políticos, para explicar e comentar questões econômicas internacionais. O papel do Brasil e dos países emergentes na economia mundial.
Language:
Portuguese
Episodes
Brasil aposta em recuperação de áreas degradadas para dobrar a produção do agro sem desmatar
11/29/2023
Não apenas de ambientalistas, diplomatas e governantes é feita a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP28), que começa nesta quinta-feira (30) em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. O evento é um ponto de encontro de empresários e lobistas dos mais diversos setores da economia. Na delegação brasileira, o agronegócio comparece em peso para tentar dar uma nova imagem à produção agrícola do país – associada, nos últimos anos, ao desmatamento e à devastação do patrimônio natural.
Esse impulso virá do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deixou para anunciar na COP os detalhes de um plano recém lançado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária para recuperar áreas degradadas e improdutivas. Tratam-se de 40 milhões de hectares de terras utilizadas para pastagens, pela pecuária, e que possuem “alta aptidão para a agricultura” se fossem reabilitadas para o plantio.
O objetivo se inscreve na promessa do governo de aumentar a produtividade brasileira sem derrubar mais florestas – principal calcanhar de Aquiles do Brasil na área ambiental.
Conforme estimativas do ministério, o país tem cerca de 150 milhões de hectares de áreas degradadas que servem a pastagens – ou mais de duas vezes o território de um país como a França. A maior parte delas, cerca de 60%, ficam no Cerrado.
“Não pode ter apenas uma cabeça de gado por hectare. Com tecnologia, assistência técnica, financiamento correto, poderá se ter três ou duas cabeças”, disse a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ao depor a uma comissão no Senado nesta segunda-feira, antes de viajar a Dubai. “Não precisa nem ser um sistema intensivo, basta ser semi-intensivo e a gente dobra a produção sem precisar avançar sobre os ativos ambientais do nosso país”, argumentou.
Contribuição do Brasil conta com recuperação de áreas degradadas
No âmbito do Acordo de Paris sobre o Clima, o país se comprometeu a recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas até 2030 – o que permite evitar mais desmatamento. A meta faz parte da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) do Brasil, as ações que cada país apresenta para limitar as suas emissões de gases de efeito estufa, que provocam o aquecimento do planeta.
O Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária 2020-2030, adotado em 2021, visa dobrar esse objetivo, chegando a 30 milhões de hectares.
“Uma pastagem bem manejada, recuperada, com alto vigor produtivo, sequestra carbono, em vez de emitir. Então é uma grande oportunidade para toda a agenda climática do Brasil e tendo o setor agropecuário como um protagonista”, disse à RFI Leila Harfuch, economista especialista em sustentabilidade no agronegócio e sócia-gerente da Agrícone.
Ela lembra que o Plano Safra já direciona recursos para práticas de menor impacto ambiental, via Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono). A demanda por linhas de crédito como o Renovagro, de R$ 7 bilhões, é crescente. “Isso pode ser revolucionário para o Brasil. É algo bastante interessante.”
Investimento é alto
Num prazo de 10 a 15 anos, o governo pretende investir US$ 120 bilhões (cerca de R$ 587 bilhões) no projeto e expandir a área agrícola brasileira de 65 para 105 milhões de hectares, sem desmatar. Linhas de financiamento do BNDES, do Fundo Soberano Brasileiro e do Banco do Brasil devem ser alocadas para os produtores interessados em comprar ou arrendar terras improdutivas e melhorar a gestão da produção, com insumos menos agressivos, técnicas mais sustentáveis de plantio e aumento da rastreabilidade da cadeia, uma exigência do mercado europeu.
“É caro tanto recuperar quanto converter essas pastagens para a agricultura. É uma série de operações agrícolas que precisam acontecer para recuperar o vigor e a fertilidade do solo, e o processo de maturação é longo, de em média cinco anos para o investimento retornar para o produtor”, ressalta Harfuch.
“E também tem uma questão de escala produtiva: uma coisa é o produtor...
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Rumo à eletrificação da economia, Europa acelera abertura de minas de lítio
11/15/2023
Num contexto em que quase metade do lítio mundial é produzido em minas australianas, um terço vem de lagos salgados do Chile e 15% tem origem chinesa, a Europa busca garantir a sua soberania no abastecimento do metal. Enquanto o mundo começa a discutir o fim da era do ouro negro – o petróleo –, agora é o ouro branco, como vem sendo apelidado o lítio, que atiça o apetite dos industriais.
Leve, altamente condutor de eletricidade, a commodity é essencial para a fabricação de carros elétricos, em plena transição energética. Estima-se que Portugal tenha as maiores reservas europeias. A França também se posiciona nessa corrida: uma das maiores minas da Europa deve sair do solo na região de Allier, no centro do país.
O geólogo Benjamin Barré, da mineradora francesa Imerys, recebeu a reportagem da RFI. “Estamos na fase da galeria piloto, que nos permitirá alimentar a usina piloto para terminarmos os nossos testes em escala semi-industrial”, explicou, à repórter Justine Fontaine.
Por enquanto, a poucas centenas de metros do pequeno vilarejo de Echassières, o que se vê é uma grande cratera de onde se extrai caulim, uma rocha quebradiça usada para fabricar porcelana. Mas as obras para a extração do lítio sob a pedreira estão em andamento. O investimento previsto até 2028 é de mais de €1 bilhão, incluindo a extração, a trituração e o refino.
“Na França, acho não houve abertura de uma mina nos últimos 50 anos. Faz muito tempo que não descobrimos uma reserva como esta que nós temos aqui. Podemos dizer que tivemos sorte de chegar a ela, que se encontra embaixo de um local já conhecido e que deve nos permitir, de acordo com o que sabemos até agora, produzir 34 mil toneladas de hidróxido de lítio por ano, durante pelo menos 25 anos”, complementa Vincent Gouley, diretor de Comunicação e Desenvolvimento Sustentável para projetos de lítio da Imerys.
“Isto corresponde às necessidades de lítio de 700 mil veículos elétricos por ano, ou seja, metade da produção francesa atualmente. Ou seja, é um depósito significativo em nível francês e europeu”, diz ele.
Explosão da demanda
A Agência Internacional de Energia (AIE) avalia que a procura por lítio vai crescer 25 vezes até meados do século, estimulada por medidas como a proibição dos carros com motores térmicos na Europa, a partir de 2035. Mais de 30 usinas de fabricação de baterias elétricas estão sendo construídas no bloco e para atender à demanda por lítio, os projetos de minas existentes hoje já serão insuficientes para chegar até 2030, antecipa a agência.
É por isso, para além das reservas, os países europeus também buscam se aperfeiçoar em toda a cadeia de produção. Em Lauterbourg, na fronteira franco-alemã, a start-up Viridian pretende realizar uma das etapas intermédias entre as minas e as fabricantes de baterias eléctricas – o refino. O projeto obteve €12 milhões em subsídios públicos, revela um dos seus cofundadores, Rémy Welschinge.
“O processo começa com o produtor de lítio, que extrai o metal do solo ou da rocha, como vemos muito na Austrália, ou da salmoura, no caso chileno. Depois é preciso refinar. Alguns produtores fazem isso sozinhos, outros preferem enviá-lo para refinarias independentes, para processá-lo ou purificá-lo ainda mais”, aponta Welschinge. “É esse lítio que é fornecido aos fabricantes de eletrodos, para a construção das células de bateria que serão colocadas em veículos elétricos.”
Em 2022, a Comissão Europeia lançou uma nova legislação sobre matérias-primas críticas para facilitar a busca pela soberania no metal e em outros minerais essenciais para a transição energética – baseada, em grande parte, na eletrificação da economia. De quebra, também visa a menor dependência do petróleo e gás da Rússia, no contexto da guerra contra a Ucrânia, e das baterias chinesas.
Risco ambiental
Nas fronteiras europeias, além de França e Portugal, Alemanha, Espanha e Finlândia também se mobilizam em busca de lítio, além do vizinho Reino Unido. Mas apesar do interesse econômico...
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Em meio à guerra, como ficam as relações comerciais do Brasil com o Oriente Médio?
11/8/2023
Com parcerias comerciais importantes no Oriente Médio, incluindo uma agenda em ascensão com Israel nos últimos anos, o Brasil tem feito malabarismos diplomáticos para que o conflito na Faixa de Gaza não abale os negócios com a região. A esquerda tem pressionado o governo Lula a ser mais enfático nas críticas a Tel Aviv, mas o agronegócio pressiona no sentido contrário.
O Oriente Médio respondeu por 5,1% das exportações brasileiras em 2022, num total de US$ 17,2 bilhões, com balança comercial favorável a Brasília.
“Sem a menor dúvida, as relações comerciais pesam muito e a geopolítica tem uma grande importância no comércio exterior brasileiro. Não dá para escolher um lado”, aponta Paulo Ferracioli, professor de políticas de comércio exterior e de economia no FGV Management. “A população desses países é grande: a do Irã são 88 milhões de habitantes. A da Arábia Saudita, que as pessoas pensam que é um grande vazio, tem quase 40 milhões de habitantes. A entrada desses dois países no Brics vai facilitar muito os negócios do Brasil na região”, salienta.
Nos primeiros cinco meses deste ano, as vendas para os 22 membros da Liga Árabe subiram 11%, em relação ao mesmo período do ano anterior, conforme dados do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio). A pauta inclui majoritariamente produtos agrícolas.
Parceria comercial inédita com Israel
Durante os anos do governo de Jair Bolsonaro, próximo do premiê israelense, Benjamin Netanyahu, as trocas com Israel atingiram níveis inéditos – o Brasil foi o principal fornecedor de petróleo do Estado hebreu, que foi também o sexto maior comprador da região de produtos agropecuários brasileiros.
Sob a gestão Lula, essa dinâmica desacelerou, com queda de 68% das exportações. Mesmo assim, no fim de agosto – um mês antes da eclosão do conflito entre Israel e o grupo extremista Hamas –, os dois países formalizaram uma nova parceria comercial histórica. O Brasil se tornou o primeiro país a receber autorização para exportar carne de frango para Tel Aviv, sob os rigorosos padrões de produção kosher, as diretrizes alimentares que definem o que os judeus podem ou não consumir.
Israel é um dos maiores consumidores de carne de frango do mundo, com 42 quilos por pessoa por ano, conforme dados do Ministério da Agricultura de Israel. Para o Brasil, este acordo representa uma oportunidade para dar um salto no setor, podendo superar, pela primeira vez, a marca de 5 milhões de toneladas de frango exportados para o resto do mundo, segundo projeções da Associação Brasileira de Proteína Animal.
Antes da nova parceria, o Brasil já tinha vasta experiência na venda de alimentos com certificação halal, para os países muçulmanos.
“Não é de forma alguma do interesse do Brasil se afastar de Israel, com o qual nós estamos fazendo bons negócios na área de agroindústria, mas há muito mais do que isso. A tecnologia de Israel interessa tanto ao Brasil quanto à Arábia Saudita. Todos os países querem investimentos de Israel em produtos altamente tecnológicos”, afirma Ferracioli.
Preço do petróleo e impacto nos investimentos
Para além da pauta de exportações, analistas têm apontado que o principal impacto da guerra na Faixa de Gaza tende a ser o aumento do preço do petróleo no mercado internacional – principalmente se o conflito se alastrar pela região. A entrada do Irã, apoiador do Hamas, poderia resultar no endurecimento das sanções a Teerã pelos Estados Unidos e seus aliados.
“Se houver um aumento dos preços, os dos derivados de petróleo também subirão. O Brasil não vai quebrar por isso, mas vai sofrer uma alta de preços no mercado interno, que poderia impactar de forma bastante inconveniente a nossa inflação. Esse é um aspecto importante”, aponta o professor da FGV Management. “Eu não acredito que o Irã vá entrar no conflito, mas a incerteza é grande.”
Desde o início da guerra, em 7 de outubro, o barril de Brent já acumula alta de 6%, a US$ 86. Na semana passada, o Banco Mundial alertou que, no...
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Por que, apesar de avanços, ricos e empresas continuam a sonegar bilhões de impostos pelo mundo
10/23/2023
Um trilhão de dólares, cerca da metade do PIB do Brasil, é o valor que multinacionais continuam a sonegar de impostos pelo mundo, graças a manobras fiscais que as permitem contornar as cobranças, como o registro dos lucros em paraísos fiscais.
A informação é de um relatório inédito realizado por uma vasta equipe de pesquisadores da Paris School of Economics, sob o comando do economista Gabriel Zucman, discípulo de Thomas Piketty. O relatório Evasão Fiscal Global 2024, divulgado nesta segunda-feira (23) pelo Observatório Fiscal Europeu, faz um balanço dos avanços que foram promovidos no tema desde a crise financeira de 2008, mas aponta que o caminho rumo à transparência continua nebuloso – inclusive dentro da Europa.
“A evasão das empresas representa, hoje, cerca de US$ 1 trilhão de lucros que são registrados nos paraísos fiscais, mas que aconteceram na verdade na França, na Alemanha ou nos Estados Unidos. E o mais interessante é que essa evasão em massa não se passa em Macau ou no Panamá, mas sim na própria Europa”, explicou Zucman à emissora France Inter. “São a Microsoft ou a Apple que registram dezenas de bilhões de dólares de lucros na Irlanda, mas que na realidade foram realizados na França”, apontou, ressaltando que uma menor arrecadação significa menos investimentos dos Estados em saúde, educação ou no combate às desigualdades.
O montante também faz falta num momento em que os países ao redor do mundo buscam cobrir a explosão dos gastos dos Estados com a pandemia de coronavírus – e que levou muitos a se endividarem em patamares perigosos, como a própria França.
Imposto mínimo de 15% ainda tem falhas
O economista salienta que, desde 2017, a cooperação internacional entre os organismos fiscais deu um salto, sob o impulso de decisões do G20 e da OCDE. A maior transparência permitiu dividir por três as riquezas detidas em paraísos fiscais. Em 2021, 140 países concordaram com a aplicação de uma taxa mínima de 15% sobre os lucros no exterior, algo inédito. Entretanto, as grandes empresas e o bilionários continuam encontrando novas fórmulas para escapar dos impostos.
“Infelizmente, desde 2021, uma série de desonerações a essa regra foram introduzidas. A mais importante e a mais problemática é uma chamada de ‘desoneração por substância’, que significa que quanto mais uma empresa está implantada num paraíso fiscal, mais ela poderá excluir lucros da cobrança da taxa mínima de 15%”, assinala Zucman à France Inter. “Ou seja, é um convite para enviar ao máximo a atividade para os paraísos fiscais como Irlanda, Suíça ou Holanda.”
Embora o fim do sigilo bancário e os impostos mínimos sobre as sociedades tenham encerrado décadas de concorrência entre países por menores taxas de impostos, alguns ativos ainda escapam da cobrança, sinaliza o relatório. O documento afirma que a alíquota média paga pelos bilionários oscila apenas entre 0 e 0,5% da fortuna, graças às manobras fiscais que, quase sempre, utilizam empresas de fachada.
2% de imposto mundial para os 3 mil mais ricos
“Não gosto de usar casos individuais, mas vou dar um exemplo só para explicar o fenômeno: o da família Arnault, que em 2023 ganhou € 3 bilhões em dividendos graças aos lucros da sociedade LVMH em 2022. Para um acionista normal, teria uma taxa de 30% que se aplicaria aos dividendos. Mas a família Arnault não pagou € 900 milhões em impostos”, afirma Zucman. “Pagou zero, ou quase isso, porque os dividendos são transferidos a holdings, que não são sujeitas ao imposto de renda de pessoas físicas.”
O relatório Evasão Fiscal Global em 2024 propõe seis medidas para o combate ao problema, entre elas um imposto global de 2% sobre a fortuna dos bilionários. A cobrança recairia sobre menos de 3 mil pessoas no mundo, alegam os pesquisadores, e resultaria em US$ 250 bilhões a mais de arrecadação ao ano para os países.
Se a proposta fosse estendida às multinacionais, o valor dobraria. “Para dar uma ideia das magnitudes envolvidas, estudos recentes estimam que os países...
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Apesar de avanços, ‘choque da maternidade’ ainda bloqueia espaço da mulher no mercado de trabalho
10/18/2023
Pela primeira vez, uma mulher ganhou sozinha um prêmio Nobel de Economia – um marco que, por si só, já reflete as barreiras para a ascensão profissional delas. A professora de Harvard Claudia Goldin foi recompensada pelos estudos sobre o espaço das mulheres no mercado de trabalho e a emancipação das americanas. A distinção reconhece os avanços promovidos nos últimos dois séculos, mas evidencia o quanto a igualdade de gêneros ainda é um objetivo distante, mesmo nos países mais desenvolvidos.
“Elas se tornaram trabalhadoras, passaram a ter renda para elas e para as suas famílias. A vida delas mudou muito. Mas o mercado de trabalho e as políticas dos governos são, quase sempre, mais lentos para acompanhar isso”, disse Goldin ao ser entrevistada depois do anúncio do Nobel pela emissora Business Today.
Nas suas pesquisas, apoiadas em documentos, estatísticas e dados empíricos, a economista retraçou a evolução da participação das mulheres no mercado de trabalho e concluiu que cada passo à frente ocorreu na sequência de algum grande evento histórico: guerras mundiais, surgimento dos anticoncepcionais ou, mais recentemente, a pandemia de Covid-19 e a expansão do trabalho remoto.
A francesa Dominique Meurs, economista associada do Instituto Nacional de Estudos Demográficos (Ined) e professora da universidade Paris-Nanterre, celebra a vitória do Nobel, mas ressalta que já poderia ter ocorrido há muito tempo.
“Faz mais ou menos 10 anos que eu digo que ela tinha que vencer esse prêmio Nobel. Então, ele chega meio tarde, eu acho, porque se trata não apenas de se interessar pelo mercado de mulheres, mas sim de ter uma outra visão do mercado de trabalho, com base em dados, apresentando hipóteses, pesquisando, e percebendo as grandes evoluções que foram acontecendo”, aponta, à RFI. “Hoje olhamos para o mercado de trabalho de uma maneira totalmente diferente. Ela mudou a nossa forma de trabalhar e olhar as coisas.”
Mulheres demitidas ao casarem
Claudia Goldin despertou para o assunto quando descobriu que, nos anos 1920, as mulheres eram sistematicamente demitidas nos Estados Unidos assim que se casavam – fruto de uma lei determinando a prática e que só perdeu força mais de 20 anos depois.
“Foi no pós-guerra. As empresas precisavam também das mulheres casadas e não podiam mais se dar ao luxo de demitir assistentes, secretárias, só porque elas se casavam. Foi, então, pela pressão da demanda de trabalho nas empresas que as legislações mudaram”, afirma Meurs.
De lá para cá, a participação das mulheres no mercado de trabalho só cresceu, mas apesar das aparências, elas continuam sem acesso à maioria dos cargos de liderança e ganham, em média, 14% a menos do que os homens em um posto equivalente, nos países da OCDE – ou seja, nas economias mais desenvolvidas do planeta. Nos últimos 10 anos, essa diferença praticamente não caiu, baixando apenas 2%.
“Nos países da OCDE, infelizmente, a explicação ainda é bem simples: é o choque das maternidades que leva a uma ruptura na carreira. Para explicar a diferença de salários entre homens e mulheres, não temos mais a diferença de educação, de experiência e nem de profissão, embora este ainda seja um aspecto a se considerar. É a chegada da maternidade e as consequências no ritmo de vida, e o fato de que as normas sociais impõem que as responsabilidades ainda sejam compartilhadas de forma desigual”, frisa a francesa.
Os mais disponíveis são os maios recompensados: os homens
Claudia Goldin estudou particularmente os bloqueios para o reconhecimento das mulheres no mercado altamente qualificado, em que a competição com os pares masculinos se mostra mais cruel, sobretudo se elas têm filhos. São cargos que implicam maior disponibilidade para receber clientes, por exemplo, o que significa jornadas de trabalho mais longas. As empresas tendem a recompensar os funcionários mais disponíveis, que costumam ser os homens.
Dominique Meurs frisa que a pandemia de Covid também marcou um freio na carreira de muitas...
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Como a TV tradicional tem conseguido enfrentar o avanço do streaming
10/11/2023
A disseminação dos serviços de streaming e as mudanças nos hábitos de consumo dos usuários na última década levam a audiência da televisão tradicional a cair a cada ano, no Brasil, nos Estados Unidos ou na Europa. E quando grandes atores do mercado se reposicionam para se adaptar a essa revolução digital, a questão fundamental volta a emergir: a televisão linear está fadada a desaparecer?
No cenário internacional, a última a mexer as peças no tabuleiro foi a Disney, que passa por um grande processo de reformulações desde que anunciou a intenção de ceder canais de peso como a emissora da TV aberta ABC e os canais a cabo National Geographic e FX. O grupo investiu pesado no streaming, em especial a Disney +, apostando na tendência antecipada por muitos analistas especializados.
“Tem Disney+, Star+, a ESPN, o Hulu, que eles acabaram de adquirir o controle. O caso da Disney é bem particular: é muito agressivo o investimento que ela faz no streaming e, pelo que temos de informação, esse investimento ainda não teve o retorno esperado – até porque o mercado de streaming não está crescendo na velocidade que alguns analistas previam. Em cima dessas previsões irreais, muitos investimentos foram feitos e eles precisam tirar o dinheiro de algum lugar para cobrir o buraco”, explica Fernando Morgado, professor de cibercultura e inteligência de mercado na ESPM-Rio.
Ele é um dos que acreditam que, apesar das profundas transformações por que passa o setor de mídia audiovisual, a televisão convencional ainda terá o seu lugar na casa dos telespectadores – mas não da mesma maneira que a consolidou.
TV mais ao vivo
Antes, uma parte importante do conteúdo era gravado ou vinha pronto do exterior – os famosos ‘enlatados’. Agora, as plataformas souberam ocupar esse espaço e sobrou para as televisões investirem nos programas ao vivo e locais, além dos de ‘infotainment’, programas que aliam entretenimento com informação.
“Não vejo esse fim tão cedo. Eu vejo uma complementaridade e parto da ideia da adaptação que os negócios são obrigados a fazer”, avalia. “A TV convencional, como a gente conhecia até uns anos atrás, essa morreu. No lugar dela, surgiu uma nova: mais ao vivo, mais jornalística, e também com mais eventos. Os torneios de futebol estão com os direitos de transmissão nas alturas, com valores que nunca foram alcançados antes – e isso também ajuda a manter um modelo de televisão baseado em horários”, observa.
Neste aspecto, o especialista observa que a programação ao vivo oferecida pelas emissoras encontra eco no fenômeno da segunda tela: ao mesmo tempo em que o telespectador assiste a um programa, usa o celular para comentar e repercutir com outros no mesmo momento, pelas redes sociais.
“Isso tem ocupado espaço no mundo inteiro e é realmente um refúgio para os canais lineares, porque o ao vivo dá o senso de urgência, dá a emoção. Existem inclusive estudos que mostram que quando tem um programa de TV com o selo ao vivo, a audiência cresce, em comparação com conteúdo gravado”, salienta.
YouTube: concorrente ou aliado?
Quanto às redes sociais, não necessariamente elas devem ser vistas como concorrentes, mas sim como aliadas, ressalta Morgado. Emissoras com recursos mais limitados tem usado a plataforma YouTube para continuar a se desenvolver.
No Brasil, o SBT se tornou um caso de sucesso mundial de migração dos telespectadores da telinha para a plataforma, sem necessidade de investimentos colossais em tecnologia, como fez a Globo com o Globoplay. Dados da Kantar Ibope Media, que tem feito a aferição da audiência de streaming, apontam que o YouTube já representa 15% da audiência de TV no Brasil.
“Não precisa pagar e eu diria que é a nova TV aberta, dada a popularidade do conteúdo, a variedade, só que turbinada pela participação do usuário – em que ele também gera conteúdo e não depende apenas de quatro ou cinco redes de TV mais fortes”, complementa Morgado.
Segundo um relatório da consultoria especializada americana Nielsen, a...
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Reindustrialização da França vai precisar de mão de obra estrangeira, adverte governo Macron
10/4/2023
No momento em que a União Europeia acerta os ponteiros para reformar a política migratória no bloco, o governo francês também prepara uma nova lei de imigração, que poderá responder à demanda de setores da economia que sofrem com a falta de mão de obra no país. Ministros do presidente Emmanuel Macron têm reiterado que a reindustrialização da França, um objetivo da presidência, vai precisar passar por uma maior regularização de trabalhadores estrangeiros – pelo menos nas áreas sob forte tensão.
Em setembro, o ministro da Indústria, Roland Lescure, evocou que só na sua pasta, o país vai precisar de 1,3 milhão de pessoas nos próximos 10 anos e a França será obrigada a fazer uma “seleção econômica” da imigração que recebe, conforme as necessidades no mercado de trabalho. “Um monde de indústrias só funcionam graças à mão de obra estrangeira”, frisou.
Depois, foi a vez da ministra da Solidariedade e da Família, Aurore Bergé, afirmar que a aprovação do projeto de lei é uma questão de “pragmatismo, de realismo e de maior eficiência” da economia francesa.
“Estamos falando de empregos na metalurgia, por exemplo, justamente uma área que sofreu com a desindustrialização, mas que continua a ter que empregar e tem muita dificuldade para recrutar”, aponta o chefe da Divisão das Migrações Internacionais da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), Jean-Christophe Dumont, à RFI. “Os trabalhadores locais veem esses empregos como tendo pouco futuro. Nesses setores, encontramos, proporcionalmente, um número alto de operários imigrantes.”
Setores com vagas abertas
Desde a retomada após o choque da Covid-19, áreas como hotelaria, turismo, transportes, construção, segurança e agricultura estão igualmente sob tensão. Vagas mais qualificadas, como às ligadas à saúde e à tecnologia, também penam a ser preenchidas.
Dumont observa que uma das principais barreiras para a abertura dos postos para os estrangeiros é o temor da burocracia, a começar pelo desconhecimento da legislação trabalhista para os imigrantes e as equivalências educacionais entre os países. As empresas temem, ainda, serem responsabilizadas por eventuais ilegalidades no processo de contratação de um trabalhador estrangeiro.
“Quando eles têm a escolha, obviamente eles vão dar preferência aos franceses. Mas quando há situações de penúria, eles percebem que há recursos humanos com alto valor agregado a quem eles podem recorrer”, salienta o especialista da OCDE. “Só que está cheio de profissionais cujos diplomas ainda não são reconhecidos, em especial para profissões muito regulamentadas na França. O país está mal colocado para facilitar a equivalência de diplomas ou propor uma formação complementar, quando a equivalência não é perfeita”, constata.
Segundo a associação Each One, especializada na inclusão profissional de refugiados e imigrantes, 62% das pequenas e médias empresas francesas estão com dificuldades para empregar, mas só um terço demonstra abertura para os estrangeiros.
“A questão é conseguirmos levantar o freio, os estereótipos, e acompanhar as empresas para que elas passem a ver pessoas que poderão recrutar não como imigrantes, mas como talentos que elas precisarão observar em alguns aspectos específicos, como talvez a língua. Precisamos reforçar a visão de que isso é, acima de tudo, um investimento positivo para a empresa – e essa convicção deve ser espalhada por cada andar da empresa”, explica Théo Scubla, fundador da Each One.
Curso na França
Para facilitar esse caminho, o primeiro passo para o imigrante deve ser se qualificar nos moldes franceses, sugere Scubla.
“Primeiro, no que chamamos de savoir être, para eles adquirirem os códigos da vida na França e reforçarem o conhecimento do idioma. Depois, direcionamos para as profissões desejadas, que podem ser pouco ou muito qualificadas, conforme a necessidade das empresas”, sinaliza. “Para cada curso, já estamos em contato com uma empresa que está potencialmente interessada, o que nos...
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Ameaça de ‘contágio’ da greve nas montadoras americanas preocupa fabricantes na França
9/20/2023
As montadoras europeias acompanham de perto o desenrolar da maior greve em décadas no setor automobilístico americano. Iniciado na sexta-feira (15) nos Estados Unidos, o movimento por reajustes salariais e melhoria dos benefícios promete ser duradouro e encontra eco em reivindicações de trabalhadores do setor na Europa, igualmente atingida por um contexto inflacionário que achatou o poder de compra.
O pleno emprego nos Estados Unidos favorece os trabalhadores na queda de braço com as Big Three – as fabricantes Ford, General Motors e Stellantis. “O mercado de trabalho americano ainda está sob tensão e, histórica e economicamente, esses são os melhores momentos para negociar aumentos de salários. "Os sindicatos têm nas mãos a capacidade de pressionar o sistema agora”, aponta Jeremy Guez, professor associado de Economia e Negócios Internacionais da renomada escola de administração HEC Paris, em entrevista à RFI.
As Big Three empregam 12,7 mil pessoas no país e são responsáveis por 3% do PIB americano, segundo a associação AAPC (American Automotive Policy Council). Assim, em 10 dias, a greve tem o potencial de causar um prejuízo de US$ 5 bilhões à economia dos Estados Unidos. Donna Kesselman, especialista em sindicalismo nos Estados Unidos e professora da Universidade Paris-Est Créteil, aposta que o movimento vai durar bem mais do que isso.
“As montadoras têm um estoque de, em média, 37 dias. Ou seja, uma greve de menos de 37 dias não teria muito impacto. Então quando os trabalhadores americanos decidem entrar em greve, eles precisam estar determinados a aguentar firme”, diz. “A GM e a Ford têm estoques de 50 a 60 dias, e a antiga Chrysler tem estoque de 70 dias. Se eles começaram, foi para durar, e foi por isso que eles visaram certas fábricas estratégicas, em que eles conseguem bloquear a produção.”
Enquanto os empregados de outros setores industriais, como da aviação ou maquinário agrícola, já obtiveram aumentos para compensar a alta da inflação anual de mais de 3% acumulados, os do automotivo não tiveram sucesso nas negociações salariais que duraram dois meses. O último reajuste foi há quatro anos, de 6%, alega Shaw Fain, presidente do poderoso UAW (sigla para United Auto Workers, o maior sindicato da categoria). Os lucros líquidos de US$ 20,25 bilhões das três maiores indústrias de automóveis do país, apenas no primeiro semestre do ano, foram a gota d’água para o início do movimento.
“Concretamente, um prejuízo de US$ 5 bilhões pode causar muitos danos à economia americana”, ressalta Guez. “Essa greve simbolicamente representa a rixa entre os trabalhadores e os executivos, entre os mais privilegiados nos Estados Unidos e os que ficaram para trás, entre aqueles que se deram bem nas últimas décadas de crescimento econômico e aqueles que afirmam que, apesar do crescimento, não conseguiram se beneficiar.”
Eco na Europa
No exterior, a questão é saber se o que acontece nas fábricas dos Estados Unidos poderá se reverberar para outros países nos quais a conjuntura econômica é semelhante. A Stellantis, fruto da fusão entre a americana Chrysler e a francesa PSA, da Peugeot-Citröen, é a mais diretamente impactada pela possibilidade de ‘contágio’ da greve nas plantas instaladas na Europa.
Os principais sindicatos de trabalhadores franceses já haviam marcado a retomada das mobilizações sociais, no dia 13 de outubro, com foco na perda do poder aquisitivo.
Outro aspecto que aproxima os dois contextos é a insegurança dos trabalhadores diante da transição para os veículos elétricos. Nos Estados Unidos ou na Europa, os sindicatos temem que a saída dos combustíveis fósseis enxugue os salários e as vagas.
O economista Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, no Brasil, nota que os processos de "destruição criativa" nos meios produtivos costumam ser acompanhados por tensões sociais. "Não necessariamente as pessoas que perdem o emprego nesse processo vão obter emprego em outro. Existem diferenças...
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Alta da pobreza na França leva associações de caridade ao limite de suas capacidades
9/13/2023
As filas cada vez maiores de pessoas à espera de um prato de comida diante de associações de caridade refletem um problema que se transformou em uma bola de neve na França: o aumento da pobreza. Um número crescente de franceses que viviam no limite do orçamento agora depende de instituições como os bancos alimentares para conseguir fazer três refeições ao dia, todos os dias.
O resultado é que os organismos de assistência também se encontram em uma situação preocupante: a inflação fez disparar os custos dos alimentos e das operações, devido à alta dos preços dos combustíveis e da luz. “As crises sucessivas que tivemos – a Covid, a guerra na Ucrânia, a inflação – impactaram o orçamento das famílias e levaram pessoas que não estavam numa situação de precariedade alimentar, ou que estavam no limite do orçamento delas, a entrarem na precariedade”, explica Laurence Champier, diretora da Federação Francesa dos Bancos Alimentares. “A inflação não explica tudo, mas foi um acelerador. Para se ter uma ideia, no âmbito da nossa associação, quando o preço da energia subiu, chegamos a um aumento de € 16 milhões a mais nos nossos gastos.”
Uma das associações mais emblemáticas da França, a Restos du Coeur anunciou que teria de deixar de atender a cerca de 150 mil pessoas até o início de 2024 – depois de, só no primeiro semestre, registrar 200 mil beneficiados a mais do que o previsto. O caso da Restos du Coeur está longe de ser uma exceção.
“Os problemas que temos visto não são casos isolados: os bancos alimentares estão todos com dificuldades de abastecimento e, do outro lado, o aumento da precariedade alimentar na França se tornou regular, desde 2008. Eram 780 mil pessoas assistidas naquele ano e hoje temos 2,4 milhões que dependem de nós”, complementa Champier.
Plano contra a pobreza
Na semana que vem, o governo francês vai lançar um plano de combate à pobreza – que atinge 9,2 milhões de pessoas na França, ou 15% da população. Uma pesquisa da associação Secours Populaire com o instituto Ipsos verificou que 53% dos franceses não conseguem mais economizar e 18% – uma alta de 3% em relação a 2022 – se acostumaram a viver com a conta bancária no vermelho.
As filas por um prato de comida são preenchidas cada vez mais por pessoas que têm um trabalho fixo, algo inédito, mas também mães solteiras, aposentados e estudantes universitários. No centro social Maison Blanche, no norte de Paris, a reportagem da RFI encontrou o brasileiro Rafael, que chegou na França há um ano e se surpreendeu com o que viu.
“Você não imagina que encontraria uma fila de 300 estudantes em pleno mês de agosto [no auge das férias de verão], esperando uma refeição na França. É um país rico, mas estou vendo que a situação está complicada”, disse o jovem. “A gente vê que está difícil para todo mundo.”
Compras limitadas e queda nas doações
Uma prova é que o número de doações no país estagnou no ano passado – algo que não acontecia havia 10 anos. Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos (Insee), o preço dos alimentos subiu 11% em agosto, na comparação com o mesmo período do ano passado. Assim, a alimentação, o segundo maior gasto das famílias, se transformou em uma variável de ajuste do orçamento, aponta Champier.
“As pessoas compram menos, preferem produtos mais baratos, restringem as compras a partir de um certo momento do mês – por exemplo, não compram mais produtos de higiene porque o dinheiro acabou aquele mês”, salienta. “Muitas simplesmente não compram mais nada que não seja de alimentação.”
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Por que o yuan ainda está longe de desbancar o dólar no mercado internacional
9/6/2023
O ano de 2023 se transformou em um marco para a internacionalização do yuan, a moeda da China. O mundo caminha para um dia o dólar ser substituído nas transações globais pelo renminbi, o nome oficial da divisa chinesa?
Desde que se tornou uma potência econômica, a China alimenta esse sonho, ainda mais depois de o yuan ser reconhecido como uma das moedas do FMI (Fundo Monetário Internacional). Esse anseio é agora reforçado pelo contexto da guerra na Ucrânia e a ampliação do Brics, o grupo de países emergentes do qual faz parte junto com Brasil, Rússia, Índia e África do Sul.
Avesso às sanções ocidentais contra Moscou, de quem é aliado, Pequim passou a comprar petróleo e gás russos diretamente em renminbis e acelerou o desenvolvimento do próprio sistema de pagamentos transfronteiriços, o CIPS, um equivalente chinês ao tradicional Swift. A ofensiva responde à importância da China como principal parceira comercial de cerca de 140 países espalhados pelo mundo. Dos restantes, ela é a segunda principal parceira.
Neste contexto, os acordos bilaterais com Bancos Centrais estrangeiros, incluindo o do Brasil, se multiplicam. “Isso foi colocado pelo governo brasileiro como uma espécie de conquista, mas em realidade se trata se uma política externa chinesa. Ela foi desenhada e está sendo promovida pela China, mas vai depender muito dos próprios atores das relações comerciais, se vão querer utilizar ou não o yuan, e dentro de uma certa cota”, sublinha o coordenador do Grupo de Estudos Brasil-China da FGV Direito Rio, Evandro Menezes. “No geral, os players do Brasil ainda preferem operar em dólar.”
Economia fechada dificulta expansão
Na última cúpula do Brics, em que a abertura para seis novos membros foi decidida, os integrantes avançaram as negociações sobre o uso de uma moeda comum entre eles. Para o novo eixo do Sul global, estimular alternativas ao dólar representa fortalecer a própria influência geopolítica. Mas dado o peso da China na relação com os demais, o yuan tem tudo para ser o maior beneficiado.
Ironicamente, o freio para uma expansão generalizada do renminbi no mercado internacional vem da própria China. Por conta do forte controle estatal sobre o sistema financeiro do país e a moeda nacional, o yuan ainda é apenas parcialmente conversível em outras moedas correntes, ao contrário do dólar ou do euro. No século 19, foi justamente a liberalização financeira que permitiu à libra britânica e, no século seguinte, ao dólar americano, se transformarem em moedas mundiais.
“Há diversos elementos a serem considerados antes de se falar em uma superação da predominância do dólar no âmbito internacional, inclusive a confiança da moeda, a estabilidade da economia, as políticas cambiais e monetárias adotadas pelo país, a sua pujança econômica”, destaca Menezes.
Alternativa para países endividados
É por isso que, enquanto não está disposto a pagar o preço da abertura, Pequim tem privilegiado à expansão do yuan via transações comerciais, empréstimos e operações como swap cambial, que beneficiou recentemente a Argentina.
Com aceso limitado a dólares, Buenos Aires depositou pesos argentinos no Banco Central chinês e recebeu o equivalente em yuans. Com o dinheiro, quitou uma parcela da dívida bilionária que mantém com o FMI – mas sem usar as suas reservas na moeda americana, que se encontram em baixa. Já Pequim avançou um passo a mais nos seus planos de expansão.
“Tem uma série de variáveis importantes, não só o comércio internacional, que poderá dar ao yuan uma importância pelo menos equiparável ao dólar. Os Estados Unidos estão tentando proteger o dólar de diversas maneiras, afinal esse é um ponto importante de manutenção do seu poder e da sua hegemonia econômica global”, observa o professor da FGV, atualmente pesquisador visitante da Universidade de Pequim. “Os obstáculos postos pelos americanos e pela Europa criam uma dificuldade evidente para o yuan se tornar uma moeda global. E há sempre um teste de força importante: em momentos...
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Incertezas sobre a China prorrogam fase ‘devagar’ da economia mundial
8/30/2023
Desde o começo do ano, os indicadores da economia mundial não param de decepcionar e, agora, o que pode ser uma ‘bomba-relógio’ – como definiu o presidente americano, Joe Biden, sobre a economia chinesa – aumenta o grau de preocupação sobre os meses que estão por vir. O coquetel de juros altos e crescimento baixo no mundo, somado à desaceleração da China, se torna ainda mais perigoso para os países mais vulneráveis, como os emergentes.
A sequência de alta de juros nos Estados Unidos não dá sinais de arrefecer para conter a inflação, com efeito dominó no resto do planeta. Da mesma forma, os riscos ligados às tensões geopolíticas, com a guerra na Ucrânia, também não recuam.
“Nas economias avançadas, vemos que claramente as taxas continuam a subir e vão ficar altas durante muito tempo, durante toda a primeira parte do ano 2024, e agora produzem impacto na atividade. Em geral, temos 12 meses de atraso entre o momento em que os bancos centrais sobem os índices e o momento em que realmente essas taxas afetam a atividade – e elas foram elevadas há pouco mais de um ano”, explica Bruno de Moura Fernandes, head de macroeconomia da seguradora francesa Coface, presente em mais de 100 países.
“Então vamos sentir mais, nos próximos trimestres, o impacto para as empresas, para as famílias. Estamos a ver uma desaceleração do consumo das famílias, um investimento menor e claramente um aumento das insolvências em todas as regiões”, ressalta o analista.
Falências na Alemanha
Na Europa, a série de falências na Alemanha se iniciou no ano passado e se acentua: o número de fechamentos de empresas em julho foi quase 24% superior ao mesmo período de 2022, segundo dados oficiais. Berlim registrou crescimento zero no segundo trimestre do ano.
O caso alemão, a maior economia do continente, simboliza o ritmo devagar em quase toda a zona do euro, como indicam os números da produção industrial, de somente 0,5% em junho. O setor de serviços, também em queda, é outro sintoma de uma recessão que parece se aprofundar.
Na Ásia, a crise imobiliária chinesa, o crescimento baixo – de talvez 5%, como prevê Pequim este ano – e o alto desemprego dos jovens na segunda maior economia mundial acendem o alerta para uma piora da conjuntura. O temor de que o ‘momento Lehman Brother’ chinês possa estar se aproximando gera apreensão nos mercados financeiros, depois que um grande fundo de investimentos do país, Zhongrong Trust, não honrou seus pagamentos em meados de agosto.
“Já vemos que claramente as exportações chinesas estão caindo pela pouca procura por parte dos Estados Unidos e da Europa, e que o consumo das famílias chinesas também é uma grande decepção, porque, afinal, não tem confiança. Os níveis de confiança das empresas e sobretudo das famílias estão muito baixos: a dívida das famílias subiu demais durante a pandemia e por isso, elas não estão a consumir o que deveriam”, contextualiza Fernandes. “Por enquanto, não vemos como a recuperação pode acelerar nos próximos meses. E isso, obviamente, significa menor procura por muitos produtos.”
Risco para o Brasil
Esse contexto internacional abala o mercado mundial de commodities e repercute imediatamente no Brasil. As flutuações nos preços do petróleo e do minério refletiram essas incertezas.
“No Brasil, as taxas de juros continuam muito altas e isso impacta, obviamente, a demanda interna, o consumo das famílias, o investimento. E se o Brasil não tem esse motor que são as exportações, ou se as exportações não são dinâmicas pela fraca demanda chinesa, isso obviamente vai impactar a economia brasileira”, ressalta o especialista franco-português.
Cerca de 30% das exportações brasileiras, essencialmente de matérias-primas, vão para a gigante asiática. Na última cúpula do Brics, na África do Sul, o ministro da Fazenda do Brasil, Fernando Haddad, comentou o assunto.
“Nós estamos acompanhando o que acontece nos três blocos, China, Europa e Estados Unidos, que são grandes parceiros comerciais do Brasil. Mas o...
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Primeiro passo de projeto de moeda única do Brics deve ser com transações nas moedas nacionais
8/23/2023
Um dos focos da agenda econômica da 15ª Cúpula do Brics, na África do Sul, é o avanço das discussões sobre a adoção de uma eventual moeda única nas transações entre os países integrantes do bloco de emergentes. Um primeiro passo deve ser a ampliação dos fluxos nas moedas nacionais entre os países-membros, com um papel protagonista do chamado Banco do Brics nesta transição.
Lúcia Muzell, enviada especial da RFI a Joanesburgo
Assim, em um primeiro momento, em vez de usar o dólar para a China investir no Brasil, os dois países poderiam escolher o yuan chinês – que, entre as cinco moedas do bloco, é a mais internacionalizada. O exemplo foi evocado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista nesta terça-feira (22).
Desde que assumiu o Planalto, ele tem reiterado o desejo de concretizar o projeto, um sonho antigo dos países em desenvolvimento que ganhou força desde que os juros americanos se estabilizaram em um patamar elevado.
“Por que eu faço negócio com a China e preciso de dólar? O Brasil e a China têm tamanho suficiente para fazer negócios nas suas moedas ou em outra unidade de conta, sem desvalorizar a moeda da gente e sem negar. Ela continua existindo, mas a gente cria uma moeda de comércio exterior”, explicou. “O que é importante é que a gente não pode depender de um único país que tem o dólar, e nós somos obrigados a ficar vivendo da flutuação desta moeda. Não é correto.”
O presidente ressaltou que o plano não representa “negar o dólar”, mas frisou que os países em desenvolvimento podem desviar da moeda americana para poderem, inclusive, se ajudarem entre si nos momentos de crise. “Há países, como a Argentina, que não podem comprar dólar agora, e estão em uma situação muito difícil, porque não têm dólar. Ora, para vender para o Brasil, não deveria precisar de dólar”, evocou.
Passo a passo
O presidente do Instituto do Brasil África, João Bosco Monte, acompanha em Joanesburgo o andamento das negociações de um projeto “complicado”, segundo ele, para sair do papel. “Os países têm, naturalmente, a capacidade de transações bilaterais entre si nas suas moedas, e isso talvez seja a gênesis de um novo captulo. A identificação de uma moeda comum é, por enquanto, um desejo que eles têm colocado sobre a mesa”, avalia.
Diante de uma plateia de empresários, industriais e integrantes do sistema financeiro, no Fórum Empresarial do Brics, Lula e o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, enfatizaram o papel do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês) para acelerar o projeto com as moedas nacionais. O brasileiro sonha que o NDB um dia será “mais forte que o FMI” nos empréstimos para as nações em desenvolvimento.
Já o presidente russo, Vladimir Putin, comentou, por videoconferência, que o processo de fim da hegemonia do dólar nas transações comerciais globais era "irreversível".
Brics empresta em rands sul-africanos
Na semana passada, a instituição realizou a primeira venda de títulos da dívida em rands sul-africanos: um título de cinco anos de 1 bilhão de rands, o equivalente a US$ 53,1 milhões. A presidente do banco, Dilma Rousseff, declarou que o NDB espera emprestar até US$ 10 bilhões este ano para os países membros, dos quais cerca de 30% devem ser nas moedas locais – incluindo ainda o real brasileiro, o rublo russo e a rúpia indiana.
“Brigar com os Estados Unidos e o sistema financeiro mundial não é fácil. O fato de o Banco do Brics trazer essa agenda e puxar essa discussão favorece para que, eventualmente, as transações comerciais entre os países possam usar outras moedas. É possível? Sim, depende obviamente da conversa, do entendimento político, mas isso não é uma ação que se esgota nos dois dias de conversas em Joanesburgo”, salienta Bosco Monte.
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O que é a 'economia verde' e como ela será cada vez mais presente na sua vida
8/2/2023
O termo está por todo o lado e, cada vez mais, nos discursos dos políticos. Mas o quê, afinal, significa uma economia verde? O termo designa as diversas formas pelas quais o mundo continuará a gerar riquezas e crescimento econômico, mas sem piorar ainda mais o aquecimento global.
Para isso, é preciso cortar emissões de gases de efeito estufa, que causam o aumento da temperatura do planeta, das atividades que fazem uma economia girar: indústria, infraestruturas, construção civil, agricultura, comércio, transportes e tantos outros aspectos presentes no dia a dia das populações.
“A economia tem três pilares: produção, distribuição e consumo. A economia verde traz critérios de sustentabilidade, de conservação, de responsabilidade social para esses três pilares”, explica Mercedes Bustamante, professora do Laboratório de Ecossistemas da UNB e cientista membro do IPCC.
Ela ressalta que a economia verde enfatiza diversos conceitos que podem estar à mão do consumidor, como compartilhamento e circularidade – que geram menos consumo e reaproveitam melhor os recursos do planeta. “A partir do momento em que as pessoas começam a entender de onde vem o que elas consomem, como é produzido e quais as consequências, elas passam a ter um consumo mais consciente e a se envolver, cobrando isso das empresas e do poder público”, aponta Bustamante.
Envolver o sistema financeiro
A economia verde é transversal e engloba até áreas como a bancária e financeira. “O setor financeiro é conservador, olha o histórico de rentabilidade dos empreendimentos. Então, os tradicionais, como o petróleo e gás, que ao longo de décadas tiveram um histórico extremamente favorável, têm acesso facilitado ao capital”, ressalta Luciane Moessa, diretora-executiva da Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS), que analisa o desempenho das principais instituições do setor e aponta como podem melhorar.
Ex-procuradora do Banco Central, Moessa tem atuado para facilitar a conexão entre o sistema financeiro e o desenvolvimento sustentável. “O setor financeiro tem operado a partir de premissas equivocadas, que olham somente para o passado, o que faz com que tecnologias novas, que têm grande potencial de crescimento, sejam olhadas como muito arriscadas e tenham menos acesso a crédito”, afirma. “Um crédito pode ser considerado sustentável de duas formas: por não causar danos ambientais, sociais ou climáticos – que é o mínimo que se deveria esperar, mas infelizmente está longe de ser a regra – ou porque ele causa um impacto positivo do ponto de vista ambiental, contribuir para que a nossa economia, que hoje não é sustentável, como um todo, se sustente no longo prazo.”
Energia e o hidrogênio verde, o 'combustível do futuro'
Cada país tem os seus próprios desafios rumo à sustentabilidade – mas o setor de energia é um ponto-chave para todos. As emissões energéticas são responsáveis por nada menos do que 40% do total de CO2 e outros gases despejados na atmosfera. Não à toa, nos quatro cantos do globo, países e empresas buscam tornar o setor menos prejudicial para o planeta.
Esse é um exemplo do quanto a economia verde também significa um manancial de oportunidades. Nas energias renováveis, o Brasil tem potencial de se transformar em uma referência mundial em solar e eólica, mas também na produção e exportação de hidrogênio – apontado como o combustível do futuro.
“A produção do chamado hidrogênio verde demanda energias renováveis, e representa uma janela de oportunidade para o Brasil e sobretudo algumas regiões com enorme potencial de desenvolvimento das renováveis, como o Nordeste, além de trazer novas oportunidades de emprego. Por isso é muito importante associar a formação e qualificação dos recursos humanos, para serem capazes de lidar com esses novos processos”, salienta Bustamante, que desde janeiro é também presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
Agricultura de baixo carbono
Por outro lado, o Brasil ainda tem um enorme dever de casa...
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Venda do Grupo Pão de Açúcar pelo Casino francês anima compradores no Brasil e no mundo
7/19/2023
Enquanto o futuro do poderoso Grupo Casino está em jogo na França, no Brasil a expectativa é para onde vai o Grupo Pão de Açúcar (GPA), tirado das mãos do empresário Abílio Diniz há 11 anos, quando foi adquirido pela gigante francesa do varejo. A negociação mobiliza potenciais compradores no Brasil e no exterior, incluindo concorrentes e o próprio Diniz.
Lúcia Müzell, da RFI
Afundado em dívidas, o Casino começou a se desfazer de ativos espalhados pelo mundo desde 2014, mas a crise gerada pela pandemia e em especial na América Latina só piorou o quadro, que o contexto inflacionário e de juros na Europa terminou de sepultar. No fim de junho, a companhia anunciou a intenção de vender as suas parcelas no GPA, do qual é acionista controlador, com 40,9% dos papéis. Em todo o Brasil, são quase mil lojas em jogo – é o segundo maior pilar do grupo francês no mundo.
Em março, a companhia já se desfez de 12% do seu capital da rede Assaí, com a qual levantou € 600 milhões para conseguir respirar até o fim do ano, em conjunto com medidas de emergência negociadas com os credores e o governo francês. Na América Latina, o Casino ainda tem forte presença na rede colombiana Éxito – que também será cedido, como parte do plano de reestruturação da gigante do varejo.
“Estamos todos empolgados com essa mudança. A gente tem visto todos os agentes envolvidos nessa cadeia de valor muito atentos e querendo no mínimo analisar a oportunidade – seja outras redes, fundos de investimentos ou de mercado de alimentação dentro do lar”, observa Eduardo Yamashita, COO da consultoria especializada em varejo Gouvêa Ecosystem. "Essa operação do Casino está menos conectada com a operação brasileira e mais com os negócios internacionais do grupo. É por isso que a gente tem visto essa quantidade de interessados no ativo GPA, que é realmente único.”
Revanche de Diniz?
Na época da venda do Grupo Pão de Açúcar, a família Diniz enfrentou uma longa batalha para evitar a aquisição pelo CEO e acionista majoritário do Casino, Jean-Charles Naouri – que acabou vencendo a disputa. Abílio levou anos para superar a perda do controle da rede varejista fundada pelo seu pai, Valentim, no fim dos anos 1940. Desde então, uniu-se à rival francesa Carrefour, da qual é vice-presidente do conselho de administração no Brasil e um dos principais acionistas no grupo global.
O mercado especula se teria chegado a hora da revanche do empresário brasileiro face a Naouri – pessoalmente ou via Carrefour. "Essa história é icônica e o Abílio e a família falam abertamente sobre esse tema nos livros que já foram escritos. Foi um capítulo importantíssimo na história do varejo brasileiro”, destaca Yamashita.
O analista salienta que "obviamente o Abílio e o seu family office são grandes candidatos” para retomar o GPA, assim como o Carrefour – mas estão longe de serem os únicos. "Fundos de investimentos nacionais e internacionais estão com um apetite muito grande. A negociação de um bloco tão relevante de um varejista com uma presença tão grande, principalmente no sudeste, que já consolidado e é o maior mercado do Brasil, com marcas próprias e os avanços tecnológicos que eles fizeram, são ativos que chamam muita atenção”, insiste.
Jean-Charles Naouri, um 'tubarão' devorado pela própria ganância
O empresário francês foi apelidado de “lobo”, “tubarão” ou “predador”, depois de consolidar o método de entrar aos poucos no capital de empresas familiares em apuros, mas sempre com opção de compra futura – que na maioria dos casos, se tornava fatal, como no Grupo Pão de Açúcar. Era o auge da expansão fulminante do Casino por mercados emergentes, sob o comando de Naouri.
“Toda a vez que entra um player como o Casino, relevante globalmente, o mercado brasileiro amadurece muito. Isso aconteceu em todos os episódios, de uma maneira geral, e não só no segmento alimentar”, relembra Yamashita. "Foi assim com a entrada do WalMart no Brasil – que depois saiu, mas isso faz com que o mercado no Brasil elevasse a...
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UE acelera projeto de euro digital, de olho na soberania monetária e inserção internacional
7/12/2023
A passos lentos, mas determinados, a União Europeia avança rumo à adoção do euro digital, com o qual os mais de 340 milhões de usuários da moeda única poderão realizar transferências e pagamentos correntes. Já faz três anos que o bloco desenha os contornos da versão virtual da moeda, cujo projeto legal a Comissão Europeia revelou no fim de junho.
Lúcia Müzell, da RFI
Dezenas de países do mundo buscam o melhor caminho para criar as suas moedas digitais – o Brasil, por exemplo, é um dos mais avançados na questão e vai lançar os testes com o real digital neste segundo semestre. Mas na UE, o desafio é particularmente complexo: nada menos do que 20 países, com idiomas diferentes, adotam o euro, que também é a segunda divisa mais importante do mundo, atrás do dólar.
“Os países em desenvolvimento avançaram rápido nas moedas virtuais utilizadas no varejo, e não no atacado. Isso faz toda a diferença. Nesses países, inclusive a China, ainda há um desafio importante de inclusão financeira. O euro digital não tem esse objetivo”, explica Victor Warhem, especialista em Finanças do Centro de Política Europeia. “Aqui, o grande propósito é a soberania monetária e unificar o setor de pagamentos na Europa, algo que até hoje não conseguimos fazer bem. A principal utilidade seria dispor de um instrumento que poderá ser usado nos mercados financeiros internacionais, e assim reduzir as fricções nos mercados de câmbio internacionais e dentro da própria UE”, salienta.
Concorrência de moedas
Nos últimos anos, a moeda única foi ficando para trás em termos de modernização de pagamentos correntes. As transações bancárias tradicionais, como compras e transferências, são realizadas por cartão bancário e um punhado de multinacionais privadas, como Lydia e PayPal.
Num ambiente em que as moedas enfrentam não só uma concorrência entre elas cada vez mais acirrada, mas também se adaptam à expansão das criptomoedas, o euro digital, que deverá se chamar Cash+, chega na hora certa, na avaliação de Nathalie Janson, professora associada de Finanças da Neoma Business School. A expectativa é de que, se tudo der certo em termos de regulamentação, aprovação e implementação, o euro digital comece a operar em 2027, no cenário mais otimista.
“A exceção da China, um grande país que começou bem mais cedo, mas que ainda não adotou totalmente a sua moeda digital, a maioria dos países industrializados não chegou ao nível que a UE chegou. Se olhamos os Estados Unidos, vemos que estão ainda bem longe de nós, que estamos em fase de prototipagem”, observa. “Estamos bem posicionados no mercado de divisas internacionais, nessa corrida em que o dólar está bem atrás”, afirma Janson.
Ameaça aos bancos tradicionais
As modalidades de funcionamento da futura moeda ainda não foram determinadas pelo Banco Central Europeu. O euro digital deve poder ser estocado em um cartão bancário, um telefone ou um aplicativo específico a ser desenvolvido, sem necessidade de conexão à internet. As transações serão gratuitas e em larga escala – desde a compra de pão na padaria até aquisições mais volumosas, num limite que deve ficar em € 3 mil.
O comissário europeu encarregado dos serviços financeiros, Mairead McGuinness, tem esclarecido que, apesar da queda da utilização de dinheiro em espécie, acentuada pela pandemia, o objetivo não é acabar com o dinheiro vivo, essencial para a estabilidade financeira e monetária no bloco.
Para Warhem, o principal desafio será convencer os bancos comerciais de que a moeda virtual é uma boa ideia – afinal ela lhes priva de depósitos. “Vão impor um limite, mas também vão aceitar que as pessoas e comerciantes tenham várias contas ao mesmo tempo. Eles poderiam, então, retirar todo o seu dinheiro do banco e colocar na carteira digital, o que poderia ser muito desestabilizador para o sistema bancário, principalmente em caso de crise na zona do euro”, ressalta o pesquisador do Centro de Política Europeia, de Paris. “Além disso, vamos criar uma solução de pagamentos...
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Juros altos nos EUA mantêm economias em desenvolvimento sob a sombra de crise
7/5/2023
Os juros elevados nos países ricos, sem qualquer sinal de queda, desenham um futuro nebuloso no horizonte das economias menos desenvolvidas, estranguladas pelo aperto monetário. Os países mais vulneráveis estão na África, mas grandes emergentes como o Brasil também ficam à mercê das decisões dos Bancos Centrais americano e europeu.
As taxas altas no norte para conter a inflação persistente levam a uma cadeia de problemas nos países do sul, que também se veem obrigados a manter os seus índices elevados para evitar uma fuga ainda maior de capitais e a desvalorização das suas moedas nacionais, com efeito dominó sobre toda a economia.
A questão que se coloca é: esse ciclo só vai se inverter quando os juros começarem a cair no norte? "O que os Bancos Centrais, todos, estão comunicando é que nenhum deles sabe avaliar muito bem o porquê da persistência inflacionária, principalmente no hemisfério Norte. E isso tudo traz à tona uma série de perguntas sobre o nosso entendimento geral sobre as causas inflacionárias, como funciona realmente a política monetária hoje, quais são os fatores que a gente desconhece e de tal forma que nem o curto prazo os Bancos Centrais estão conseguindo enxergar”, avalia a economista Monica de Bolle, pesquisadora senior do Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington.
"O próprio Jerome Powell, presidente do Fed, já disse que a política monetária não atinge mais a economia com a mesma força que atingia anteriormente, afinal houve a subida extraordinária de juros nos Estados Unidos, de praticamente zero para 5%, e quase não houve queda inflacionária depois", constata.
Além da depreciação cambial, as consequências imediatas nas economias mais vulneráveis são a explosão da dívida, a dificuldade de acesso ao crédito e risco de crise monetária, podendo resultar em crise de dívida soberana, nos casos mais graves.
Sem risco sistêmico
Quatorze países já se encontram em situação de dívida excessiva ou quase excesso. Em 2022, um quinto das nações mais pobres queimaram mais de 15% das suas reservas oficiais para compensar o impacto da desvalorização das suas moedas.
"Em comparação com o que aconteceu nos anos 1990, essa crise gerada pela alta das taxas nos Estados Unidos é completamente diferente. Na década de 90, tínhamos 40 países em crise, e hoje são menos de 10”, minimiza Thais Baptista, especialista em mercados emergentes no Schelcher Prince Gestion, em Paris.
"Os que estão em estresse são muito pequenos, e não são sistêmicos. Alguns já estão quebrados, como Líbano, Sri Lanka, e a Argentina, dado o vencimento da dívida, é esperado que ela entre em default entre outubro e novembro”, aponta. “Mas tem grandes emergentes indo super bem, como Índia, Indonésia, México”, salienta a gerente de portfólio.
De maneira geral, a situação atual leva a atraso no desenvolvimento, já que mais recursos estão sendo redirecionados para pagar juros da dívida. Sem investimentos, é o crescimento econômico que encolhe.
O Banco Mundial espera resultados pífios nos países em desenvolvimento e emergentes neste ano e no próximo, à exceção do leste e sul da Ásia. Até o fim de 2024, a atividade econômica na maioria destes países deve ser 5 pontos percentuais a menos do que o esperado antes da pandemia de Covid-19, levando quase um terço deles a registrar uma renda média por habitante inferior ao patamar de 2019, principalmente na América do Sul e Central e na África Subsaariana, indicou um relatório da instituição, no início de junho.
Baixar ou não a Selic?
No Brasil, a taxa básica a índices recordes, de 13,75% deve continuar a estrangular o crescimento. O Banco Mundial espera que o país vá crescer apenas 1,2% em 2023, bem abaixo da média de 4% projetada para os países emergentes. O fraco desempenho deve continuar no ano que vem, com alta de 1,4% do PIB brasileiro, ante a 4,3% no conjunto de emergentes.
"O Banco Central do Brasil reluta em reduzir as taxas porque os outros estão mantendo as suas muito altas – e faz...
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Paris Air Show: aviação tem desafio de se descarbonizar em meio a alta inédita da demanda
6/20/2023
Um novo paradigma está em curso na aviação mundial, movendo investimentos que se contam em bilhões de dólares: até 2050, o setor promete não emitir mais CO2 na atmosfera. Mas, ao mesmo tempo, nunca a demanda por voos foi tão aquecida, com perspectiva de dobrar nos próximos 20 anos, conforme antecipam as duas maiores construtoras do planeta, Airbus e Boeing. Como o objetivo ambiental poderá ser compatível com o aumento ainda maior dos aviões em circulação?
A resposta, alegam as grandes fabricantes do setor, está na tecnologia. O assunto é um dos focos do Paris Air Show, ou Salão do Bourget, que acaba de abrir nos arredores da capital francesa. O evento coroa a retomada mais dinâmica do que o previsto, após o tombo durante a pandemia de coronavírus.
Só na França, o setor contratou 18 mil pessoas em 2022 e mais 25 mil devem ser chamadas neste ano – para atender a um número de passageiros que, no que vem, já deve ser maior do que o registrado antes da crise da Covid-19. A companhia Air France, por exemplo, vai aproveitar a feira de aeronáutica para contratar pessoal.
"Nós vamos precisar de cerca de 600 pilotos, 600 mecânicos e técnicos de aeronáutica e cerca de 300 funcionários em altos postos, em diversas funções. É muito bom”, afirma a diretora de recursos humanos da empresa, Valérie Molenat, ouvida pela France Inter. "Nós tivemos que nos adaptar a uma nova frota, com as obrigações de descarbonização. Decidimos renovar a nossa frota – o que atrai novos pilotos.”
Maior encomenda da história
As encomendas de novos aviões menos poluentes disparam. Já no primeiro dia do evento, que espera ter mais de 300 mil visitantes até domingo (25), a Airbus fechou o maior contrato da história da aviação civil: 500 aeronaves A320neo para a companhia indiana de baixo custo IndiGo, num valor estimado em US$ 55 bilhões.
O modelo promete ser de 15 a 20% mais econômico em combustível e em emissões de CO2, uma obrigação que será cada vez mais rigorosa na aviação – responsável por entre 5 a 6% dos gases de efeito estufa que provocam o aquecimento do planeta. Em outubro passado, 193 países membros da Organização da Aviação Civil Internacional chegaram a um acordo para atingirem a neutralidade de carbono até 2050.
A movimentação em busca de modelos mais econômicos – que são também menos poluentes – se iniciou há várias décadas. Desde 1960, as emissões de CO2 por passageiro caíram para cinco vezes menos, graças aos avanços tecnológicos. O problema é que, no período, o número de passageiros cresceu 45 vezes, conforme apontou um estudo da organização francesa Aéro décarbo, especialista no assunto.
"Podemos atingir essa meta com certeza. Não temos quase dúvidas disso. Todas as pistas tecnológicas que já identificamos para podermos atingir estão sendo exploradas, portanto não temos preocupações desse ponto de vista”, garante Patrick Daher, comissário do Paris Air Show 2023 e presidente da fabricante Daher, também à France Inter. "Mas temos um problema de custos para chegar lá. Vai custar muito caro, entretanto será o preço que deveremos pagar para chegar à descarbonização da aviação”, reconhece.
Corrida pela descarbonização custará bilhões
Países como França, Alemanha e Estados Unidos apostam alto na nova geração de aviões – o presidente francês, Emmanuel Macron, acaba de anunciar um pacote de € 2,5 bilhões até 2030 para pesquisa e desenvolvimento de uma aviação com menor impacto ambiental. A indústria deve investir valores de duas a três vezes superiores.
O Salão do Bourget apresenta nesta edição um pavilhão inteiro, de 1000 metros quadrados, dedicados ao tema. Os novos querosenes à base de biomassa já são uma realidade em expansão, mas com uso ainda restrito a curtas distâncias e, ainda assim, limitado: na Europa, apenas 1% do combustível embarcado é de baixa emissão, bastante distante da meta imposta pela União Europeia em 2050, de 70% de biocombustível.
Além disso, o conceito de ecopilotagem também se expande, com mudanças técnicas e...
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Paris sedia salão Vivatech em contexto de queda de investimentos em startups; Brasil marca presença
6/14/2023
Uma das maiores feiras de tecnologia do mundo abriu nesta quarta-feira (14) em Paris. A Vivatech, com mais de 2,4 mil startups, acontece num momento em que o setor busca superar o desafio da queda dos investimentos em novas empresas de tecnologia.
Alguns dos maiores nomes mundiais da área, como Elon Musk, participam da sétima edição do evento – que se tornou um rendez-vous obrigatório para as gigantes da área, como Meta, Google ou Microsoft. Prova de que cada vez menos as empresas convencionais podem ignorar a tecnologia e a inteligência artificial, as principais marcas francesas também apresentam suas inovações nos corredores da Vivatech – da líder do luxo LVMH à referência em equipamentos de Defesa Dassault, passando pela gigante de cosméticos L’Oréal, todas promovem lançamentos no salão.
Quanto às jovens empresas, o evento é uma ocasião preciosa para fazer novos contatos e buscar potenciais investidores. Num pequeno estande bem posicionado no centro do pavilhão principal, o Brasil apresenta sete startups, nas áreas de educação, saúde, esportes, finanças e inteligência artificial.
"Já dei uma passadinha nos nossos competidores e o Brasil não deixa a dever nada. Estamos mostrando como a gente pode se desenvolver mais nessa área e crescer mais no Brasil”, disse a secretária nacional de Ciência e Tecnologia, Marcia Barbosa. "E, acima de tudo, mostrar para as startups brasileiras que elas têm condições de virem para o exterior, competirem, trazerem os seus produtos aqui para a Europa, porque a Europa está esperando por elas."
Startups brasileiras
Alexandre Barral, cofundador da Portal Telemedicine, está de olho na internacionalização da plataforma, especializada em atendimento e diagnóstico médico à distância, em regiões remotas. A iniciativa surgiu há 10 anos atendendo comunidades na Amazônia, e hoje está presente em todo o Brasil. Mas os chamados desertos médicos, principalmente nas regiões rurais, também dificultam o acesso à saúde nos países desenvolvidos.
"A gente começou conectando pacientes na Amazônia a cardiologistas em São Paulo, portanto temos uma experiência muito grande. Mas os desertos médicos acontecem também na Europa, na França, inclusive na periferia de Paris, onde há regiões com falta de cardiologistas e radiologistas”, relata.
Expandir-se no exterior também é o objetivo de Ronaldo Cohin, CEO da Jade, plataforma de educação para crianças com necessidades especiais como autismo, TDH e Síndrome de Down. "A gente atualmente atende 160 mil crianças em 180 países. Estamos baseados no Brasil e na Inglaterra, mas buscamos um outro país aqui na zona do euro para termos uma terceira sede”, conta.
Fim do dinheiro fácil
A Vivatech deste ano acontece num contexto de queda mundial nos financiamentos de startups a partir de 2021, em que o dinheiro fácil e a proliferação de unicórnios ficaram cada vez mais raros. Na França, por exemplo, os números despencaram 55% no primeiro semestre de 2023 em relação ao mesmo período do ano passado, conforme um estudo do fundo britânico Atomico revelado na semana passada.
No Brasil, o cenário não é diferente. O último relatório trimestral da Distrito, plataforma brasileira especializada neste mercado, indicou que os aportes caíram 86% na comparação com o primeiro trimestre de 2022. As fintechs e as supply chain seguem no topo das atenções dos investidores. Alexandre Barral observa que a área da saúde também continua relativamente preservada.
"Para podermos passar de 30 milhões de pacientes – o que é muito grande no mercado de health tech – para o nosso grande objetivo de ajudar 1 bilhão de pessoas no mundo, a gente precisa de investimentos, claro, e de novos parceiros, seja aqui na França, na Índia ou onde for”, sublinha. "O mercado de investimentos está um pouco mais frio atualmente, mas se tem um setor que está resistindo é o da saúde, depois que tudo que a gente passou com o Covid e de vermos tudo que a tecnologia pode trazer para as populações”, analisa.
Ronaldo Cohin...
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Apesar de greves, França mantém liderança de investimentos estrangeiros na Europa pelo quarto ano
5/31/2023
As imagens da França que correram o mundo nos últimos meses não foram das mais positivas, com repetidas greves em diversos setores, quebradeira nas ruas e tensão social. Mas aos olhos das empresas estrangeiras, as vantagens de investir no país ainda permanecem superiores aos contratempos: pelo quarto ano consecutivo, a França foi o país que mais atraiu investimentos estrangeiros na Europa.
Conforme um relatório da consultoria EY divulgado em maio, 1259 projetos foram implementados em território francês em 2022, à frente do Reino Unido, com 929, e da Alemanha, com 832. O Brexit favoreceu a França como polo atrativo empresarial na Europa, mas está longe de ser a única explicação para o fenômeno, segundo o economista Eric Heyer, diretor do departamento de Análises e Previsões do Observatório Francês da Conjuntura Econômica (OFCE). Ele elenca ainda a posição geográfica central no mercado europeu, as infraestruturas impecáveis, o nível elevado de produtividade e as políticas para beneficiar a oferta – ou seja, as empresas.
“Quando o investidor chega, ele pode pagar mais caro pela mão de obra, afinal a carga tributária do trabalho é alta, mas você também terá trabalhadores produtivos. E desde 2013, há também uma verdadeira virada do discurso político na França a favor dos negócios, com a adoção de políticas públicas para baixar o custo do trabalho, flexibilizar o mercado de trabalho e promover a formação ao longo da carreira”, explica.
“Para empregados com salários baixos, em torno do mínimo, eles podem ser subsidiados pelo Estado. A empresa não paga os encargos sociais nestes casos. Fica muito vantajoso para a empresa”, complementa o professor-associado da Neoma School of Business Gabriel Gimenez-Roche. “Outro ponto é o crédit recherche (crédito de pesquisa): se a empresa investe em pesquisa e desenvolvimento, ela tem descontos por meio de créditos fiscais, o que faz com que a França tenha muito desenvolvimento de pesquisas. Entretanto, os produtos acabam não sendo finalizados na França, porque em geral há melhores condições para fazê-los em outro país”, pondera.
Gimenez-Roche ressalta que o país abriga algumas das escolas superiores de engenharia e comércio mais respeitadas do mundo, que têm se transformado em polos de atração de negócios. Mas os investimentos não ocorrem nas áreas de decisão – se concentram na produção, e não na abertura de sedes ou filiais estratégicas, o que pode simbolizar o receio da instabilidade social no país.
Pouco impacto no emprego
O professor lembra que, desde que assumiu, em 2017, o governo do presidente Emmanuel Macron adotou vantagens fiscais para a abertura de start ups e promoção do retorno das empresas francesas ao país, após um intenso processo de transferência da produção para lugares mais baratos, a partir dos anos 2000.
“Macron baixou o imposto de base para as empresas, que era de 33%, e visa chegar a no máximo 28%, sendo que 25% seria o ideal, para ficar na média da União Europeia e da OCDE. Ele começou a acabar com impostos que eram excepcionais daqui, como o imposto sobre a produção, não ligados à receita da empresa”, salienta. “Isso fazia com que pouco importasse se a empresa tinha prejuízos, ela tinha que pagar certos impostos.”
Eric Heyer destaca ainda que, se por um lado, os números do relatório da EY confirmam o maior dinamismo da economia na França, eles não se refletem em aumento significativo de empregos para os franceses: cada projeto criou em média 33 vagas no país, contra 58 ou 59 no Reino Unido ou na Alemanha.
“Se olharmos os ganhos para os franceses, podemos pensar que estar nessa posição vai criar muitos empregos, mas não é o caso. Percebemos que a maioria dos projetos são pequenos, mas são os grandes que abrem vagas de empregos”, aponta. “Agora, a transição ecológica poderá, talvez, atrair grandes projetos para a França, de perfil mais industrial”, sinaliza.
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Acordo UE-Mercosul: apesar de reabertura de negociações, chance de aprovação segue favorável
5/17/2023
Depois de a União Europeia apresentar uma série de demandas adicionais – sobretudo ambientais – para iniciar o processo de ratificação do acordo comercial com o Mercosul, o Brasil sinaliza que também vai querer incluir contrapartidas. A reabertura das negociações, no entanto, não significa necessariamente que o tratado não será ratificado este ano, como esperam o governo brasileiro e vários países europeus, liderados pela Alemanha.
Lúcia Müzell, da RFI
As negociações do acordo se arrastaram por 20 anos até serem concluídas em 2019, mas o texto ainda precisa ser ratificado pelos 27 países que compõem a União Europeia e os quatro integrantes do Mercosul. Desde então, os resultados catastróficos do governo de Jair Bolsonaro na área ambiental serviram de justificativa para os europeus paralisarem o processo.
No fim de abril, apesar do clima político mais favorável no Mercosul, com a saída de Bolsonaro, a UE apresentou “um documento adicional” considerado “extremamente duro e difícil” pelo ministro das Relações Exteriores Mauro Vieira. O texto “cria uma série de barreiras e possibilidades inclusive de retaliação, de sanções, com base em uma legislação ambiental europeia extremamente rígida e complexa de verificação”, segundo relatou Vieira, em audiência ao Senado na semana passada.
Novas diretrizes para o comércio
Christophe Ventura, especialista em América Latina do Instituto de Pesquisas Internacionais e Estratégicas (Iris), em Paris, avalia que as novas exigências refletem o aumento das obrigações socioambientais dentro do bloco, com adoção de novas normas como o Pacto Verde europeu, além do aumento da pressão dos consumidores europeus por produtos com menor impacto no planeta.
“É uma lógica global que visa que a União Europeia redefina os termos da sua relação comercial com o conjunto dos seus parceiros internacionais. Isso ocorre no momento em que estamos na finalização do acordo com os países sul-americanos, mas essa reflexão é mais ampla”, explica. “A União Europeia quer que todos os seus parceiros comerciais respondam às mesmas exigências que ela impõe aos seus próprios integrantes.”
Ventura reconhece que a imposição de maior qualidade ambiental dos produtos importados – com avaliação de rastreabilidade e dos impactos – soa como mais uma manifestação do protecionismo da agricultura europeia. O setor jamais concordou com a assinatura do acordo, já que a principal pauta das exportações do Mercosul seria agrícola.
Em contrapartida, os países do Mercosul têm agora a oportunidade de exigir que o pacto preveja transferência de tecnologia para que eles possam responder a essas exigências. “Essa é uma demanda antiga do Mercosul e o momento é favorável para os países sul-americanos colocarem também esse ponto sobre a mesa e lembrar aos europeus que tudo isso é um conjunto: os europeus não podem simplesmente exigir o que querem sem viabilizar os meios para os sul-americanos poderem melhorar a qualidade dos seus produtos”, complementa.
Outra meta de Brasília seria tentar limitar o acesso dos europeus às compras governamentais nos países do Mercosul, que movimentam a atividade industrial local.
‘Janela de oportunidade’
A expectativa de Brasília é acelerar a negociação na próxima cúpula União Europeia-Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e do Caribe), prevista para julho em Bruxelas, e fechar o acordo ainda no segundo semestre deste ano –se possível antes de novembro, quando a Argentina vai às urnas para eleições presidenciais.
Do lado europeu, a França, ao lado de Holanda e Áustria, lidera o chamado bloco agrícola dentro da União Europeia que mais resiste à ratificação do acordo. “A representação política francesa atual, com o presidente Macron, é favorável em termos de janela de oportunidade, mas a França continua sendo a França. Entretanto, a França não é a Europa toda e temos uma fratura com a Alemanha”, ressalta o economista Carlos Winograd, professor associado da Paris School of Economics (PSE). “Junto com...
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