
Artes - O legado da obra de Christo, genio da arte contemporanea mundial
RFI
Um dia por semana, em média, veja aqui os nossos destaques no mundo da cultura e das artes. Excepcionalmente, em função da actualidade, esta rubrica pode ter vários destaques.
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Paris, France
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Arts & Culture Podcasts
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Um dia por semana, em média, veja aqui os nossos destaques no mundo da cultura e das artes. Excepcionalmente, em função da actualidade, esta rubrica pode ter vários destaques.
Language:
Portuguese
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Moçambique e Brasil mostraram “outras maneiras de pensar a dança” na Bienal de Lyon
9/22/2025
A Bienal de Dança de Lyon contou, nesta 21ª edição, com um novo espaço internacional de debate, de pensamento e de criação, “Fórum”, animado por cinco curadores de Moçambique, Brasil, Austrália, Taiwan e Estados Unidos. O moçambicano Quito Tembe e a brasileira Nayse López integraram esta “primeira geração de curadores do Fórum” que mostrou “outras maneiras de pensar sobre a dança” e trouxeram artistas que ocuparam um edifício histórico com acções e espectáculos, como Ídio Chichava e o colectivo Original Bomber Crew.
Quito Tembe é director artístico da KINANI - Plataforma Internacional de Dança Contemporânea de Maputo e convidou o coreógrafo moçambicano Ídio Chichava para criar um espectáculo com o público durante a Bienal de Dança de Lyon. Nayse López é jornalista e directora artística do Festival Panorama, um dos maiores festivais de artes cénicas do Brasil, e convidou o colectivo Original Bomber Crew para o Fórum. Ela também co-programou o foco de criação brasileira nesta bienal, intitulado “Brasil Agora!”.
Fomos conversar com ambos sobre o que é este Fórum, o novo espaço internacional de debate, de pensamento e de criação da Bienal de Dança de Lyon, que durante uma semana ocupou o edifício histórico da Cité Internationale de la Gastronomie e mostrou que “as placas tectónicas da dança estão a mexer”. Nas palavras de Nayse Lopez, esta “primeira geração de curadores do Fórum” trouxe outras “maneiras de pensar sobre a dança e sobre a prática da criação artística em dança” e desafiou a Bienal de Lyon a “ir para o mundo, mais do que trazer o mundo para cá” e a focar-se em “outros trabalhos não conformativos com o que se chama na Europa de uma dança contemporânea de grande escala”. Quito Tembe lembra que Ídio Chichava e o colectivo Original Bomber Crew, por exemplo, têm em comum um “lugar de autenticidade” e de “verdade” artística da prática de uma dança alicerçada na realidade das suas comunidades. Afinal, “não é uma companhia de dança, não é um grupo de dança, é uma família que se constitui”.
RFI: O que é este Fórum da Bienal de Dança de Lyon?
Nayse López, Curadora do Fórum: “O convite do Tiago foi um convite para que a gente trouxesse outras visões de mundo para dentro de uma Bienal que é o maior evento de dança do mundo, mas que também por conta desse tamanho, dessa história, está há muito tempo no mesmo lugar, dentro de uma lógica muito centro-europeia. Acho que a ideia do Tiago era justamente que nós os dois, mais a Angela Conquet, da Austrália, a Angela Mattox, dos Estados Unidos, e o River Lin de Taiwan, a gente pudesse trazer outros tipos de maneiras de pensar sobre a dança e sobre a prática da criação artística em dança. Aí chegámos a este formato, em que cada curador trouxe um artista e eles ocupam este prédio durante uma semana, com diversas acções.”
Quito Tembe, Curador do Fórum: “Deixa-me dizer que estou muito contente de fazer esta entrevista porque também a fizemos há dois anos e era o início deste mesmo programa e lembro-me que na altura ainda não sabíamos definir muito bem o que é que isto ia ser. Hoje estamos aqui e hoje já estamos mais claros. Eu costumo dizer que este ainda não é o projecto, que este ainda é o início de um grande projeto que vem aí, ou melhor, que gostaríamos que viesse aí.”
Que projecto seria esse?
“O fórum tem que se transformar em tudo aquilo que a gente lá atrás prometeu que deveria ser. Penso que este momento que estamos a vivenciar do Fórum é de extrema importância porque marca o início de algo que ainda vai chegar à altura daquilo que nós gostaríamos que fosse.”
O Quito Tembe convidou Ídio Chichava. Porquê?
“Acho que é este o lugar do questionamento e o desafio que nos é colocado, e olhar para a cena africana e moçambicana, Ídio Chichava é um destes artistas que está a questionar muito. O trabalho dele é o espelho disso, do questionamento e de pôr não só em palavras, mas pôr em cena quais são estes questionamentos sobre a cena da dança internacional.”
A Nayse López convidou...
Duración:00:16:24
Ídio Chichava levou “o poder da dança” moçambicana à Bienal de Dança de Lyon
9/22/2025
O coreógrafo e bailarino moçambicano Ídio Chichava apresenta dois projectos na Bienal de Dança de Lyon, considerada como o principal evento de dança contemporânea do mundo. “Vagabundus” é apresentado em Lyon esta quarta, quinta e sexta-feira, depois de ter estado em vários palcos internacionais, incluindo em Paris. Ídio Chichava também criou uma peça participativa durante a bienal, “M’POLO”, em que transformou os espectadores em intérpretes de rituais e danças moçambicanas.
Ídio Chichava acredita profundamente no que chama de “poder da dança”, um lugar onde “o corpo tem capacidade para mudar o mundo”. É na “força do colectivo” que reside essa magia, alimentada por tradições ancestrais, mas também por saberes e vivências impressas nos próprios corpos. Ídio Chichava descreve Vagabundus como “uma experiência humana, uma experiência de vida sobre fronteiras e sobre raízes”. A força da peça reside nesse poder do colectivo, na exigência técnica dos bailarinos e da escrita coreográfica, não havendo decoração ou cenários. Uma simplicidade aparente que diz muito sobre a falta de financiamento para a cultura em Moçambique, mas que, com o tempo, se transformou “numa riqueza”, conta Ídio Chichava.
Vagabundus tem corrido mundo e revelado o coreógrafo nos circuitos internacionais da dança contemporânea. Pelo caminho, Chichava venceu o Salavisa European Dance Award da Fundação Calouste Gulbenkian e com o prémio espera abrir uma escola de dança em Maputo. Agora, apresenta, pela primeira vez, Vagabundus na Bienal de Dança de Lyon, o ponto de encontro de programadores, directores de festivais e artistas, que decorre durante o mês de Setembro.
O caminho para Lyon foi feito com o convite de Quito Tembe, director artístico da KINANI, Plataforma de Dança Contemporânea, em Maputo, e que é um dos cinco curadores internacionais nesta 21ª edição da bienal francesa. Cada curador podia escolher um artista dos seus países e Quito Tembe foi buscar Ídio Chichava e os seus bailarinos para representarem Moçambique. Além das conferências em que falou sobre a potência e as dificuldades da dança em Moçambique, Ídio Chichava criou, ‘in loco’, um “espectáculo participativo”, segundo as palavras da bienal, “um ritual de encontro”, de acordo com o artista. Em três dias, transformou dezenas de espectadores em intérpretes e quis “desconstruir essa compreensão sobre o que é o espectáculo e a dança contemporânea”. O resultado tem como título M’POLO, Rituais do corpo vivo e insuflou uma rajada de liberdade, alegria, cânticos e dança para todos. Nas palavras de Ídio Chichava, o tal “ritual de encontro” pretendeu “reconectar o ser humano com ele próprio” e foi “um lugar onde todos podem estar juntos”.
Ídio Chichava: “Sou alguém que acredita muito no poder da dança”
RFI: Como é que descreve “Vagabundus”, essa força da natureza que vos tem levado mundo fora?
Ídio Chichava, coreógrafo e bailarino: “Eu descrevo como uma espécie de movimento que pensa muito colectivo e tenta encontrar sempre a força do colectivo a partir do olhar que eu tenho sobre cada indivíduo e a forma como nós vemos a relação inter-humana. ‘Vagabundus’ é mais uma experiência humana, mais uma experiência de vida sobre fronteiras e sobre o sobre lugar, sobre raízes mesmo.”
“Vagabundus” é profundamente ancorado em Moçambique, na sua ancestralidade. Quer falar-nos sobre isso?
“Sim, está muito fixo nisso, muito apegado a isso. Primeiro, há um lugar que nós não podemos fugir. Eu não posso fugir, nem os intérpretes, nem qualquer pessoa que faça parte deste projecto ‘Vagabundus’ pode fugir pelo facto de sermos todos formados em danças tradicionais. Somos pessoas que têm uma formação, que têm fundamentos sobre danças tradicionais e desenvolvemos o nosso trabalho sempre com essa consciência de quem somos e que queremos partilhar com os outros.
Depois, é pelo facto de Moçambique também ter uma história de migração muito forte, principalmente com a África do Sul. A outra coisa é pelo facto de eu próprio...
Duración:00:14:21
Gonçalo Mabunda leva esculturas da paz ao centro de Moçambique
9/11/2025
O artista Gonçalo Mabunda está a levar as suas esculturas, fabricadas com antigas armas de guerra, a Tete, Chimoio e Beira, no centro de Moçambique. A exposição chama-se “Os Adivinhos dos Fabricantes da Paz” e é composta por máscaras, tronos e totems que mostram que a arte pode ser uma arma contra a guerra.
O artista Gonçalo Mabunda está a levar as suas esculturas, fabricadas com antigas armas de guerra, ao centro de Moçambique. A exposição chama-se “Os Adivinhos dos Fabricantes da Paz” e já esteve em Tete de 1 a 6 de Setembro, em Chimoio, de 10 a 16 de Setembro, e vai para a Beira de 22 a 26 de Setembro. Gonçalo Mabunda tem as suas obras expostas em vários museus e centros de arte internacionais, mas, dentro do seu país, esta é a primeira vez que expõe fora de Maputo.
As esculturas de Gonçalo Mabunda são feitas com armas desactivadas da guerra civil. Este trabalho começou em 1997 quando ele foi convidado a transformar armas em arte. A sua obra carrega, assim, a memória do passado e alerta para a permanente fragilidade da paz. Os tronos, por exemplo, inspirados na arte africana tradicional e fabricados com despojos de guerra, são uma crítica aos governos africanos que frequentemente usam a violência armada para reforçar o poder.
O convite a Gonçalo Mabunda para fazer esta exposição itinerante veio de Ivan Laranjeira, que assume a curadoria da mostra, no âmbito do projecto PRO-PAZ, um consórcio constituído pela Associação IVERCA, o Instituto para a Democracia Multipartidária, a associação LeMuSiCa e a ONG italiana Comitato Internazionale per lo Sviluppo dei Popoli.
“É um projecto que retrata e exalta a paz e a reconciliação nacional. Este projecto acontece no âmbito dos acordos de DDR – Desmilitarização, Desmobilização e Reintegração - e como uma componente da Reintegração, nós temos desenvolvido acções de socialização e de sensibilização das comunidades, a partir da arte e da cultura, como um veículo para passar estas mensagens pacíficas, de pacificação e de coesão social para que as comunidades possam voltar ao seu convívio normal, independentemente das cores e daquilo que são as suas crenças. Ao longo destes três anos, temos trabalhado em três províncias de Moçambique: Tete, Manica e Sofala, que foram as províncias mais assoladas deste conflito que deu lugar ao DDR”, conta Ivan Laranjeira.
O projecto PRO-PAZ tem desenvolvido, por exemplo, trabalhos com as escolas, criação de clubes de leitura, formação de grupos culturais, concertos e a gravação de um álbum com artistas destas províncias.
Agora, o também director do Museu Mafalala Ivan Laranjeira, decidiu convidar para o projecto Gonçalo Mabunda que descreve como “activista da paz por excelência” e “o bispo das artes”.
“Em primeiro, o Gonçalo Mabunda é, sem dúvida, um artista de uma dimensão estratosférica. Onde ele vai, arrasta atenções e arrasta multidões. É um mecanismo importante de sensibilização para as autoridades e para as pessoas que normalmente fazem essa guerra despertarem, através dos artefactos que ele usa e também pela mensagem que está patente nesses mesmos artefactos. Em segundo, ele é um activista da paz por excelência, o bispo das artes, é uma pessoa que tem feito um trabalho extraordinário na questão da paz. Em terceiro, este mesmo artista, com todo este percurso e com esta visibilidade internacional, em Moçambique nunca tinha exposto fora da capital Maputo. Quem, de facto, viveu o conflito e quem sofreu com a guerra, nunca tinha tido a oportunidade de ver e testemunhar aquilo que é a obra que ele produz e como ele transforma materiais associados à violência a elementos pacíficos e esteticamente bonitos e que possam trazer um quê de esperança para esta mesma comunidade."
Pensar a guerra e o passado através da arte é o convite de “Os Adivinhos dos Fabricantes da Paz”. Para ver em Chimoio e na Beira nos próximos dias.
Duración:00:10:00
Moçambique: "Usamos o teatro como ferramenta de luta"
9/10/2025
Quando o teatro é usado para curar feridas internas, restaurar a confiança e fortalecer comunidades que lutam contas as diversas formas de opressão, ele revela um poder transformador. É exactamente esse trabalho que o Centro de Teatro do Oprimido, em Maputo, tem realizado. Recentemente, entre 1 e 5 de Setembro, o centro concluiu uma formação voltada para as comunidades deslocadas e vítimas do terrorismo na província de Cabo Delgado, com o apoio da Organização Internacional para as Migrações. Em entrevista à RFI, Alvim Cossa, actor e coordenador-geral do Centro de Teatro do Oprimido, destaca como o teatro pode ser uma ferramenta poderosa contra diferentes formas de opressão.
Como surgiu a ideia de criar esta formação para as comunidades deslocadas e vítimas do terrorismo na província de Cabo Delgado?
O Centro de Teatro do Oprimido de Maputo está a trabalhar com a Organização Internacional para as Migrações desde 2018, quando, em 2017, começaram os ataques de homens armados na província de Cabo Delgado. Desde essa altura, começamos a usar as técnicas do Teatro do Oprimido num projecto que nós denominamos: Cura através da arte. O projecto abrange os distritos severamente afectados pelo conflito e que acolhem muitas das pessoas deslocadas.
Esta formação destina-se apenas aos deslocados pelo conflito em Cabo Delgado?
Sim, trabalhamos com pessoas deslocadas. Mas também trabalhamos com comunidades de acolhimento, porque, em alguns dos locais onde os deslocados chegam, há pequenos conflitos de tribo, raça, língua. E usamos o Teatro do Oprimido para trazer um ambiente de tolerância, um ambiente de socialização, de tranquilidade entre os deslocados e as comunidades de acolhimento. Trabalhamos com os dois grupos, mas também incluímos na nossa formação membros das Forças de Defesa e Segurança, como a polícia e o exército.
Como é que organizam esta formação?
No Teatro do Oprimido temos a formação de Coringa, de facilitadores do debate, do diálogo comunitário. Quanto à selecção das pessoas, vamos aos campos de acolhimento, às comunidades, e, com a ajuda das autoridades locais, identificamos as pessoas que têm alguma vontade de trabalhar nas artes - especialmente no teatro, dança, música, poesia. São essas pessoas que passam pela formação do Teatro do Oprimido. A escolha é baseada na vontade e entrega das pessoas para o trabalho com as artes como ferramenta.
De que forma pode a arte ser utilizada como ferramenta social e permitir o fortalecimento comunitário?
O Teatro do Oprimido é extremamente poderoso por ser uma ferramenta que nos convoca a uma reflexão introspectiva sobre o nosso percurso de vida, sobre o que estamos a fazer e os vários tipos de opressões que nos assolam no dia-a-dia, permitindo um espaço de interacção com o outro.
O teatro abre a possibilidade do outro olhar a nossa história e poder contribuir para ela. Permitimos que as pessoas olhem umas para as outras, olhem às práticas e partilhem as boas práticas, mas também partilhem como se devem corrigir as más práticas. Tem sido bastante útil na pacificação e no diálogo. Tem sido bastante útil na construção da autoconfiança, na devolução da esperança das pessoas que viveram situações de horror ou de terror e que perderam a esperança. Muitas vezes, essas pessoas apresentam-se com problemas psiquiátricos e o teatro também ajuda a identificar essas pessoas, encaminhando-as para uma assistência especializada dos médicos, dos psicólogos e dos psiquiatras. O diálogo que promovemos possibilita às pessoas abrirem-se e contarem as coisas que as corroem por dentro.
Desta formação que terminou no dia 5 de Setembro, tem alguma história que possa partilhar?
Temos a história de uma menina de 16 anos que viu os pais serem degolados e que foi vítima de abusos durante a fuga da zona de ataque para uma zona segura. Segundo as explicações que tivemos, essa menina vivia isolada, não falava com as pessoas, nem se abria com ninguém. Ao participar na formação do Teatro do Oprimido, com um...
Duración:00:09:49
Companhia portuguesa A Nariguda levou "humor universal" ao Festival de Teatro de Aurillac
8/24/2025
Milhares de pessoas encheram diariamente a cidade francesa de Aurillac durante o Festival Internacional de Teatro de Rua, que terminou este sábado. À margem do programa oficial com 19 companhias convidadas, foram 640 as “companhias de passagem” que apresentaram os seus espectáculos gratuitamente, o que constituiu um desafio financeiro para a maior parte delas. Nesta entrevista, vamos conhecer a experiência da companhia portuguesa A Nariguda, que actuou pela primeira vez em Aurillac.
RFI: Como é que nos descrevem a peça que trouxeram ao Festival de Aurillac?
Eva Ribeiro: “A Aparição é um espectáculo que pretende provocar o riso, mas também provocar emoções e provocar uma relação de grande cumplicidade com o público. É um espectáculo que aborda o tema da fé, das religiões, mas de uma forma muito absurda, e utiliza as linguagens do clown. Tem esta relação de grande cumplicidade com o público, mas também da comédia física e do humor absurdo. É um trabalho que foi dirigido pelo belga Tom Roos há seis anos e, desde então, já temos circulado por várias salas e festivais.”
Incluindo no estrangeiro?
Rafa Santos: “Sim, incluindo no estrangeiro. Aqui em França também.”
Eva Ribeiro: “Estivemos em Grenoble em Maio, e o espectáculo já foi apresentado várias vezes em Espanha, em vários festivais, e também no Brasil, em festivais e mostras internacionais.”
Como é que o público deste festival vos tratou? Como é que reagiu ao espectáculo?
Eva Ribeiro: “Tivemos experiências diferentes. Nos três dias em que apresentámos, no primeiro dia, tivemos um público muito participativo, muito numeroso também, e nos outros dois dias foi um público mais tímido, talvez devido ao local que era um local um bocadinho ingrato. Nós trabalhamos com o silêncio e gostamos de trabalhar o incómodo que nasce desse silêncio. Talvez o espaço não tenha sido o mais feliz, mas tivemos muito bons retornos das pessoas que assistiram e isso foi muito positivo. Foi muito bom. Realmente é um espetáculo que quer abordar a fé e o amor, mas também o humor universal.”
As pessoas riem imenso, muito mesmo com a personagem da Rafa…
Rafa Santos: “As pessoas recebem das duas. Eu tenho um apontamento aqui, ela tem um apontamento ali e isso é que é uma dinâmica.”
Eva Ribeiro: “Uma dinâmica clássica, é o que chamamos “o branco e o Augusto”, a autoridade e aquela que quebra a norma. Então, nesta dupla, nós decidimos explorar essas relações clássicas de palhaçaria, que vêm até do circo tradicional, mas trazendo primeiro para o universo feminino, o que é uma apropriação de gags clássicas e sketches clássicas do circo, e depois também para uma linguagem contemporânea. Mas baseia-se muito nessa relação de autoridade que eu represento, a seriedade, a norma, o social. E a personagem da Rafa representa o quebrar da norma, o extravasar, o ir mais longe. E, claro, o público adora isso e libertar-se com isso. Nós adoramos realmente esta dinâmica por causa desse efeito que produz, essa liberação também, porque nós precisamos de rir destas normas sociais em que vivemos.”
Como é que correu? Financeiramente valeu a pena?
Eva Ribeiro: “É muito complicado avaliar porque realmente é um festival que não oferece as condições a que nós estamos habituadas. Nós somos uma companhia profissional e, realmente, para nós é uma aposta. É vir aqui, mostrar o trabalho, e também na esperança de que esse retorno venha posteriormente, não é? Já nos aconteceu em outras ocasiões, mas realmente é uma pena que não sejam dadas um pouco melhores condições às companhias.”
Que tipo de condições?
Eva Ribeiro: “Condições básicas, alojamento, alimentação, pagamento de deslocações. Normalmente esse é o básico que a gente pede é não ter que pagar para trabalhar. E neste festival nós tivemos que pagar para trabalhar. E isso é um pouco um sinónimo de precariedade quando nós nos queremos afastar dessa condição. Mas infelizmente o festival não suporta esses custos nem tão pouco de cachê. Normalmente, estes festivais, pelo...
Duración:00:07:32
Festival de Aurillac, “a grande festa das artes de rua”, começa esta quarta-feira
8/20/2025
Esta quarta-feira, arranca a 38ª edição do Festival Internacional de Teatro de Rua de Aurillac, em França. Até sábado, a pequena cidade vai ser animada por cerca de 3.000 artistas e são esperados por volta de 140 mil espectadores. O programa oficial apresenta 19 companhias, mas também há imensas "companhias de passagem", incluindo duas portuguesas que participam nesta "grande festa das artes de rua".
O programa oficial apresenta 19 companhias e, no âmbito da temporada cultural Brasil-França, um terço dos criadores são nomes brasileiros. Através da dança, Alice Ripoll, Clarice Lima, Marina Guzzo, Fábio Osório Monteiro, Renato Linhares, Vania Vaneau e a companhia ColetivA Ocupação vão contar histórias de resistências, lutas, insubmissão e irreverência.
À semelhança do Festival de Avignon, as ruas do Festival de Aurillac também fervilham com as companhias à margem do programa oficial, as chamadas “Companhias de Passagem”. São 640 e são oriundas de todos os cantos de França, mas também do estrangeiro, incluindo de Portugal. É o caso da Seistopeia e A Nariguda que aqui vão apresentar o seu trabalho pela primeira vez.
A Seistopeia leva dois espectáculos, “Irmãos Fumière” e “Soul Trio”, explica Vítor Rodrigues, um dos fundadores e actor da companhia.
“É um festival grande. Nós temos muita vontade de internacionalizar mais a nossa companhia e então vamos mostrar um pouco do nosso trabalho. A ideia é também distribuir alguns panfletos, na esperança de conseguirmos outros contactos”, contou à RFI, dias antes do arranque do festival, o actor Vitor Rodrigues.
“Irmãos Fumière” tem estreia mundial em Aurillac e é “um espectáculo inspirado no cinema mudo, nos filmes de Charles Chaplin e de Buster Keaton”. Desta vez, ao contrário do trabalho habitualmente mais centrado no “palhaço poético”, os actores desafiaram-se e escolheram um caminho diferente: o do teatro físico e cómico.
“Soul Trio” é uma “performance itinerante” com “três personagens vindos dos anos 70 e música dessa época” e “o objectivo é pôr o público a dançar”, acrescenta Vítor Rodrigues.
Outra companhia portuguesa a participar pela primeira vez no festival é A Nariguda para quem estar no evento é também um trampolim para a internacionalização, conta Eva Ribeiro, actriz e também fundadora da companhia de clown e artes de rua.
“Para nós, representa realmente uma confirmação da nossa capacidade de internacionalizar as nossas peças. Levamos o espectáculo “As Testemunhas duo”, que já tem agora seis anos e já fez tournée em Espanha, Brasil e começamos agora, aos poucos, a chegar a França. Estivemos há pouco tempo em Grenoble, em Maio. Participar no Festival de Aurillac é uma grande celebração e uma grande festa das artes de rua e ficamos muito contentes de fazer parte desta celebração”, conta.
“As Testemunhas duo - A Aparição” é uma peça de “comédia gestual e humor físico” que “trabalha o tema das religiões de um ponto de vista também da comicidade feminina” e de “humor absurdo e picante”. Ironicamente, o espectáculo sobe a palco dentro de uma igreja.
“É um espectáculo de comédia gestual e humor físico. Nós tentamos trabalhar um humor universal que seja para todo o público. Neste caso, este espectáculo em específico trabalha o tema das religiões de um ponto de vista também da comicidade feminina: duas mulheres que, através dos seus corpos e do jogo de um humor absurdo, tentam trazer um bocadinho de humor picante que também faça de alguma maneira reflectir sobre os vários temas que a religião nos pode trazer”, explicou à RFI a actriz Eva Ribeiro, também dias antes do festival.
O investimento é total já que são as “companhias de passagem” a autofinanciarem-se para se apresentarem no festival. Mas as duas companhias portuguesas admitem que vale a pena porque acreditam na possibilidade de criar contactos para chegarem a outros palcos internacionais.
É este ambiente que vamos tentar acompanhar por estes dias nesta cidade francesa de 26 mil habitantes que todos os verões se...
Duración:00:07:15
“Fidju de Rezistênsia”: Maria José Veiga presta homenagem à mãe, símbolo maior de luta e resiliência
8/12/2025
A escritora cabo-verdiana Maria José Veiga lançou no mês de Julho, na cidade de Assomada, interior da ilha de Santiago, a sua mais recente obra literária, intitulada “Fidju de Rezistênsia”. O livro é uma ode à força feminina, à resistência quotidiana e presta homenagem à mãe da autora, símbolo maior de luta e resiliência.
Em entrevista à RFI, a escritora cabo-verdiana Maria José Veiga explicou que título “Fidju de Rezistênsia” tem um significado profundamente pessoal: “simboliza a resistência da minha mãe, que criou cinco filhos sozinha, cinco filhos órfãos. Eu fiquei órfã [de pai] aos cinco anos de idade e o meu irmão tinha três meses quando o nosso pai faleceu.” A autora acrescenta ainda que esta “rezistênsia” também se reflecte nos seus percursos de vida que, apesar da pobreza extrema, alcançaram uma vida digna, com formação e trabalho. “Nós, como os cinco filhos, como filhos da resistência”.
Grande parte do livro, cerca de 80%, está escrita em crioulo cabo-verdiano, recorrendo ao Alfabeto Unificado para a Escrita do Cabo-verdiano, o ALUPEC. Trata-se de uma escolha profundamente simbólica. “O crioulo é o símbolo da minha própria resistência. É o símbolo da força”, sublinha Maria José Veiga. Com esta opção, a escritora procura também resgatar palavras em desuso, provérbios e expressões tradicionais, especialmente do crioulo de Santiago, actualmente muito influenciado pela língua portuguesa.
O livro aborda uma multiplicidade de temáticas, que vão desde a figura materna, a mulher, as raízes, a emigração, a toxicodependência ao desamor entre os jovens. “Todas estas temáticas fazem parte da história de Cabo Verde”, refere a autora, que acrescenta que através dos poemas e das crónicas, muitas narradas na primeira pessoa, dá voz aos problemas sociais como o alcoolismo, assédio sexual no trabalho, secas e fomes. “Consegui transformar isto em poemas e crónicas que dão uma memória colectiva do próprio país”, remata.
Lançado num ano em que se assinalam os 50 anos da independência de Cabo Verde, “Fidju de Rezistênsia” reflecte também sobre o papel da mulher na sociedade cabo-verdiana, sobre os avanços e os desafios que persistem na luta pela igualdade de género. Maria José Veiga reconhece os progressos feitos, mas alerta que “há muito para fazer”, sobretudo no que diz respeito ao acesso das mulheres a espaços de liderança e à concretização efectiva da equidade.
Duración:00:07:59
Marco Mendonça: "Portugal deve ver-se ao espelho e perceber o quão absurdas são todas as desigualdades"
8/5/2025
A peça "Reparations Baby!", escrita e encenada por Marco Mendonça, toca no tema das reparações históricas de Portugal aos países de língua portuguesa, passando pelo racismo e a discriminação dos afro-descendentes utilizando o humor, a frontalidade e a compaixão para fazer reflectir os espectadores.
Em 2023, aquando a visita de Lula da Silva a Portugal que marcava então presença na cerimónia de celebração dos 49 anos do 25 de Abril, Marcelo Rebelo de Sousa falou pela primeira vez em reparações históricas e essas palavras despertaram no actor, dramaturgo e encenador moçambicano Marco Mendonça o interesse pelo tema em Portugal.
Já na esfera política, nomeadamente após o Presidente português ter dito um ano mais tarde que Portugal devia pagar o que deve aos países africanos de língua portuguesa após séculos de escravidão e exploração, Marcelo Rebelo de Sousa foi apelidado de traidor da pátria.
Estas considerações políticas aliadas a vários movimentos por antigas potências coloniais como a França ou a Alemanha de reparações culturais, nomeadamente através da devolução de obras de arte, levaram Marco Mendonça a escrever e encenar a peça “Reparations Baby!” para o Teatro Nacional D.Maria II, onde esta temática é transformada num jogo televisivo ao estilo de “Quem quer ser milionário” com um painel de concorrentes exclusivamente afro-descendentes
"A ideia de ser um game show pareceu-me fazer bastante sentido, porque é um contexto em que tanto temos uma componente de entretenimento muito forte música, luzes, todo o aparato televisivo, mas ao mesmo tempo também temos uma componente muito forte que é informativa e das curiosidades dos factos, da pesquisa, da partilha de informação. Quis aliar essas duas coisas ao tema da reparação histórica, que era um tema que eu já queria trabalhar há muito tempo", afirmou o encenador.
No palco três concorrentes afro-descendentes respondem a perguntas que vão desde a história da colonização, a figuras da escravidão a polémicas actuais como apropriação cultural nas redes sociais. Nos intervalos deste concurso, uma equipa de figuras brancas encoraja o desempenho dos concorrentes, monstrando como as boas intenções estão muitas vezes ligadas ao ganho pessoal. Ao longo do jogo, as personagens vão mostrando as suas convicções, mas também as suas experiências face ao racismo e ao preconceito.
"Era muito importante para mim focar-me nas personagens e não torná-las bidimensionais no sentido de pôr as pessoas brancas a pensarem sobre este tema desta maneira e as pessoas negras pensam desta maneira sobre este tema? Não, isso seria pouco verosímil, porque efectivamente as pessoas têm relações muito diferentes com este tema e com tudo o que sejam discriminações nas vivências em Portugal", indicou Marco Mendonça.
As reparações históricas das potências colonizadoras aos países africanos foi o mote este ano da reunião da União Africana em Fevereiro, na Etiópia, e tal como os chefes de Estado africanos, Marco Mendonça considera que o reconhecimento público dos séculos de exploração e ocupação é o primeiro passo para o restabelecimento da História dos dois lados do Equador.
"Eu acho que a primeira reparação e mais importante reparação neste momento é interna. Eu acho que Portugal, enquanto país, enquanto povo, enquanto cultura, deve olhar para si próprio, ver-se ao espelho e perceber o quão absurdas são todas as desigualdades que se vivem no país e o quanto é preciso assumir uma responsabilidade de forma formal", concluiu Marco Mendonça.
Esta peça esteve em cartaz no Teatro Variedades, em Lisboa, durante o mês de Julho tendo tipo apresentações noutras cidades portuguesas. Deverá agora continuar a ser apresentada em diferentes teatros, não havendo para já mais representações previstas.
Duración:00:15:13
Binelde Hyrcan: “A arte é como um colete à prova de bala”
7/29/2025
O artista angolano, Binelde Hyrcan, nome incontornável da arte contemporânea angolana, regressa ao centro das atenções com um feito simbólico: a sua video-instalação Cambeck passou a integrar a coleção permanente do Brooklyn Museum, em Nova Iorque. A obra, criada em 2010, quando ainda era estudante, ganha agora nova vida e significado num dos maiores museus do mundo. Em entrevista, o artista revela-nos as raízes, os contextos e as metáforas por trás desta peça feita de areia, palavras e sonhos infantis.
“Queria contar um pouco da minha história”, começa por explicar Binelde. “Na altura eram temas não muito positivos, porque muita gente onde eu vivia estava a ser enviada para uma outra zona que é o actual Zango.” Foi neste ambiente de deslocação e incerteza que surgiu Cambeck, uma instalação onde quatro crianças brincam na areia, desenhando com palavras e gestos os contornos de um futuro idealizado. “Peguei nessas crianças, porque são as mais reais. Acho que elas transmitem mesmo a realidade, também a pureza do contexto que estavam a viver”, descreve.
O vídeo, apesar de ter mais de uma década, permanece de uma actualidade inquietante. “O tema abordado é a imigração. Muitos de nós africanos temos o sonho de atravessar o Mediterrâneo ou o Atlântico para ir para a América”, conta. “E hoje estamos a viver um parêntese muito triste, ao meu ver, com os imigrantes nos Estados Unidos que são reenviados para os seus países de origem, onde não têm quase nenhuma raiz”. Cambeck surge, assim, como uma denúncia subtil e poética, mas também como um espelho da realidade global. “Os miúdos sonham naquela América… E nós todos já conhecemos como é que está a ser a realidade para essas pessoas que têm sonho”.
Ao filmar crianças a conduzirem sonhos numa viatura imaginária desenhada no chão, com areia, Binelde Hyrcan criou uma metáfora sobre desigualdade social. Questionado se a arte pode ser um veículo real de mobilidade ou apenas um espaço de evasão, responde: “A arte é como um colete à prova de bala. Hoje estamos a ver a guerra na Palestina, e pouca gente reage sobre essa situação, também por causa da falta de disseminação cultural. [...] Se amanhã alguém tentar bombardear o Rio de Janeiro, todo o mundo dirá: ‘Não, meu Deus, é o país do Neymar, do samba’. Mas se falarmos da Palestina… é só mais um morto”.
Binelde Hyrcan defende a cultura como “colector verbal”, um escudo contra a indiferença e a violência. “Hoje, sei que há um ponto dentro daquele museu onde se diz Angola, onde se vão ver aqueles miúdos a brincarem com um potencial incrível. E vamos talvez descobrir que também nesse país há vida simplesmente”, sublinha.
O artista, conhecido por obras provocadoras como As Galinhas Imperiais ou os célebres “tronos de excremento”, mistura o absurdo, a crítica e o humor como estratégias de resistência e esperança. “A ironia é a última coisa a morrer”, acrescentando que acredito "no povo africano, acredito na juventude africana. Lanço o apelo para que nos mantenhamos juntos e solidários, porque é a única forma que temos de fazer algo”.
Fazer arte em Angola, admite, é um desafio: “Se não fosse difícil, não teria mesmo poesia. Nasci em tempo de guerra e hoje tenho um olhar diferente perante a sociedade, perante a vida. Vamos tentar tirar aquele lado positivo das derrotas que às vezes temos enquanto crianças.”
Além do sucesso internacional com Cambeck , Binelde Hyrcan acaba de inaugurar em Luanda a sua escultura Yellow Dream, uma composição de bidões e balões amarelos que simboliza o sonho e a resistência. “Quando vemos balões no chão é porque a festa acabou. Mas os balões deveriam estar no ar. É como se dissesse: ainda há um problema a resolver. E o sonho continua”.
Actualmente a preparar uma grande exposição no Palais des Papes, em Avingnon, para 2026, onde voltará a apresentar Cambeck , o artista angolano antecipa também o lançamento do seu livro sobre a caminhada épica que fez, a pé, entre Lisboa e Paris. “A cultura é uma plataforma onde as...
Duración:00:08:19
Avignon: 32 artistas em residência no laboratório Transmissão Impossível
7/14/2025
No Festival de Avignon, 32 artistas emergentes, entre eles, Alice Azevedo, Mai-Júli Machado e Romain Beltrão, reúnem-se sob direcção da coreógrafa francesa Mathilde Monnier para experimentar a arte de transmitir. A residência Transmission Impossible junta ao festival um laboratório de pensamento em movimento, onde os gestos, os silêncios e os corpos se tornam linguagem partilhada.
Na 79ª do Festival de Avignon, há uma vivenda criativa onde, durante dez dias, 32 jovens artistas franceses e internacionais partilham uma pergunta: Como se transmite o efémero dos espectáculos vivos? A residência artística Transmission Impossible, dirigida por Mathilde Monnier, transforma-se num lugar de escuta e reflexão, onde os gestos, os idiomas e até o silêncio ganham outra forma.
“É uma oportunidade muito grande para mim estar aqui, num espaço onde os projectos ainda procuram forma”, começa por dizer a coreógrafa e investigadora moçambicana Mai-Júli Machado, que vive em Paris. “Aqui é ainda mais interessante porque não são só bailarinos. Há actores, escritores… É muito rico. Muito interessante”, descreve. Esta residência, mais do que um espaço de produção, é um espaço de permissão: “Eu não vim com um plano ou um desejo. Só me permito viver e sentir. O que for para ser levado, será levado. O que não for, vai ficar”.
Do outro lado, a actriz e encenadora portuguesa Alice Azevedo, partilha o mesmo entusiasmo: “Está a ser extraordinário. É a minha primeira vez em Avignon. Nunca tinha vindo nem à cidade nem ao festival. E estou surpreendida, há tanta dança! Sempre pensei nisto como um festival de teatro. Mas é muito mais do que isso”. Para Alice Azevedo, a residência é “caótica, mas num bom sentido. Muita partilha, muitos cruzamentos disciplinares, investigações… e uma pequena Lisboa também, porque há imensos portugueses do teatro".
As rotinas da residência oscilam entre assistir a espectáculos, conversar com os artistas convidados e partilhar reflexões entre si. “É muito intenso,” diz Romain Beltrão, franco-brasileiro a viver em Lisboa e que trabalha em coreografia. “A gente partilha o tempo entre visionar espectáculos, conversar sobre eles, imaginar o que vamos apresentar. Mas para mim, o mais importante tem sido o encontro com outros artistas. Percebe-se logo que temos maneiras muito diferentes de trabalhar conforme o lugar de onde vimos”.
Essa diferença geográfica e cultural atravessa as práticas. Romain Beltrão trabalha com o que chama de “coreografia expandida”. “Uso texto, multimédia… Para mim, a coreografia é um modo de pensar. Organizo o pensamento no espaço e no tempo”. Em Avignon, foi no teatro que encontrou os dispositivos que mais o entusiasmaram: “La Distance" de Tiago Rodrigues, com o palco giratório onde os actores não se vêem, mas o público sim, foi muito justo para falar de distância. E Affaires familiales de Emilie Rousset, com actores a recriar conversas com advogados sobre temas como violência doméstica, foi um dos melhores momentos do festival”, descreve.
A residência propôs uma apresentação pública nos dias 13 e 14 de Julho. O que se mostra, no entanto, não é um espectáculo finalizado, mas o reflexo da experiência vivida. “A ideia é transformar aquilo que vimos ou sentimos numa proposta performativa,” explica Alice Azevedo. “Quero reflectir sobre mecanismos invisíveis de exclusão. Porque este festival é, por vezes, muito excludente. Há espectáculos sem legendas, falta de sinalização… É como se o público tivesse de saber já tudo”, sublinha.
A atenção aos corpos invisíveis, aos gestos omitidos, às presenças silenciadas, atravessa também o trabalho de Mai-Júli Machado. “Eu vi um espectáculo chamado Laaroussa Quartet, sobre um hospital de mulheres. Foi muito forte para mim. Eu tenho um solo que fala sobre mulheres e o novo trabalho vai nessa linha. Aqueles movimentos do quotidiano transformaram-se em algo muito bonito. Quero trabalhar a partir disso”. Quando lhe perguntam se a transmissão é mesmo impossível, responde:...
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Coin Operated: A moeda, o corpo e o animal em cena
7/11/2025
No Festival de Avignon, Jonas & Lander apresentam Coin Operated, uma performance-instalação onde o público acciona o espetáculo com uma moeda. Entre o absurdo e a crítica feroz, o duo explora a coisificação do corpo e a exploração animal, fundindo o gesto com a obediência paga. Um espectáculo que reflecte sobre poder, responsabilidade e a mecânica do entretenimento moderno.
Jonas Lopes e Lander Patrick aparecem montados em dois cavalos: imóveis, cómicos e perturbadores. Jonas e Lander, dupla portuguesa de performance contemporânea, apresentam Coin Operated no Festival de Avignon, sob indicação da artista cúmplice deste ano, a coreógrafa Marlène Monteiro Freitas. O palco é instalação e o público é operador. Com um gesto, uma moeda e um clique, tudo começa.
“Esta ideia nasceu de um convite da BoCA Bienal, pelo John Romão, para o Museu dos Coches”, conta Jonas Lopes. “Estávamos a ver um episódio de Family Guy e o bebé compra uma série de cavalinhos operados a moeda. Aquilo ficou connosco”. E o cavalo, ausente do museu onde deveria reinar, impôs-se.
O espectáculo articula-se a partir de um dispositivo simples: dois cavalos mecânicos, como os que povoam esplanadas e centros comerciais. Só funcionam com moedas. Só funcionam quando o público decide pagar, mas o que parece um jogo inocente revela-se uma crítica à exploração, não só do animal, mas também da acção performativa, do corpo em cena, da própria lógica do entretenimento. “O animal aqui é coisificado. Vira objecto. Está ao serviço do homem que está em cima dele”, observa Lander Patrick. “É uma imagem de submissão que se vai revelando ao longo do espectáculo”, acrescenta.
A mecânica da performance é tão infantil quanto brutal: o público é confrontado com o seu papel de orquestrador. “Decidimos criar esta relação directa. O público tem que pôr uma moeda para que algo aconteça. Só quando os dois cavalos estão a funcionar é que o quadro se completa”, explicam. A instalação, que poderia ser apenas nostálgica, torna-se uma alegoria da domesticação, não só do animal, mas da própria arte.
Nem tudo se compra e, no entanto, tudo ali parece comprado: o gesto, a música, o movimento. A moeda não compra só o espectáculo, compra também o desconforto. Ontem, “uma senhora com mobilidade reduzida levantava-se para ir pôr a moeda e dois espectadores correram antes dela. Há sempre esta disputa”, comenta Lander. Há também o silêncio: quando ninguém se levanta, nada acontece. E nesse nada, revela-se tudo.
Jonas e Lander trabalham juntos desde 2013. A cumplicidade é coreográfica, estética, musical, quase telepática. “É um pingue-pongue intenso. As ideias são costuradas pelos dois. Um foca-se mais na música, outro na estética e tudo se mistura”. A música, aliás, é uma assinatura: “Sou cantor de fado, o Lander é pianista e DJ. A música é sempre uma presença fortíssima nas nossas peças”, explica Jonas. Em Coin Operated, há percussão corporal, sapateado, ecos de fado e samba, sons de pertença e de resistência.
A encenação é crua, quase absurda, mas não gratuita. “Há uma reflexão inesperada sobre a relação entre o homem e o animal, entre o espectador e o espectáculo, entre o gesto e a moeda”, sublinham. E também sobre o tempo. Cada moeda acciona dois minutos de movimento. Se forem inseridas em descompasso, a cena fragmenta-se. Se forem simultâneas, surge uma harmonia quase mágica: “Estamos sempre a jogar nessa corda bamba de imprevisibilidade".
Montados sobre cavalos de plástico, imóveis até à primeira moeda, Jonas e Lander não nos oferecem respostas, fazem-nos a pergunta essencial: e se o que nos move fosse, afinal, apenas uma ficha de metal?
Duración:00:11:23
"O meu corpo é resistência”: Solo da bailarina moçambicana Mariana Tembe marca Avignon
7/9/2025
A bailarina moçambicana, Mariana Tembe sobe ao palco no Pátio de Honra do Palácio dos Papas, no Festival de Avignon, no espectáculo NÔT, de Marlène Monteiro Freitas. Um corpo em libertação, que dança a coragem, a sobrevivência e a luta de muitas mulheres. Uma presença forte num espetáculo onde o gesto fala mais alto que as palavras.
Na sua 78.ª edição, o Festival de Avignon, abriu com um espetáculo sem palavras, mas com todos os sentidos expostos. NÔT é a mais recente criação da coreógrafa cabo-verdiana Marlène Monteiro Freitas, foi apresentado no Palácio dos Papas, cenário privilegiado onde a dança se transforma em ritual. Em palco, oito intérpretes contam, com o corpo, uma versão desordenada e hipnótica das Mil e Uma Noites. Entre eles, destaca-se uma figura pela força e contenção do seu gesto: a bailarina moçambicana Mariana Tembe.
Com um solo que ocupa o espaço como um murmúrio que cresce até se tornar clamor, a bailarina oferece ao público francês, e ao olhar atento da crítica internacional, uma performance de grande densidade física e emocional. “O palco é o lugar onde ninguém me controla. Onde me liberto, onde me permito”, diz a intérprete. Durante 1h45 de espetáculo, o seu corpo é instrumento, voz, resistência.
Nascida e formada em Moçambique, Mariana Tembe é intérprete de dança contemporânea, com um percurso construído entre África e Europa. O seu encontro com Marlène Monteiro Freitas deu-se em 2019, quando foi convidada a integrar o universo da coreógrafa. Mas a adaptação não foi imediata.
“Foi muito estranho para mim... Eu venho de uma dança mais centrada no movimento técnico. Entrar no universo da Marlène foi um choque. Não percebia como me encaixar naquele mundo”, recorda. Durante meses, o corpo resistiu, “levou algum tempo para o meu corpo se alinhar ao tipo de movimento que ela exige”.
Esse processo de incorporação tornou-se, com o tempo, uma fusão. “Hoje, percebo que essa linguagem faz mais sentido do que a anterior. Quando estou sozinha no estúdio, o meu corpo reage naturalmente de forma diferente. Encarnei essa linguagem”, conta.
A construção desse vocabulário físico não se faz de fórmulas. Exige disponibilidade total. “É uma presença física, psicológica e emocional. Junta-se tudo e acaba por blindar o corpo. O que se vê em palco é resultado desse processo”, explica a bailarina.
Um solo de libertação e sobrevivência
O solo de Mariana Tembe em NÔT surge no momento central do espetáculo. Perante uma plateia de mais de 2.000 espectadores, a bailarina, amputada de ambas as pernas, ocupa o centro do espaço do Palácio dos Papas num crescendo de energia e vulnerabilidade. Com mobilidade reduzida, o seu corpo reinventa a dança e na plateia, o público assiste, em silêncio, a um corpo que parece não ter limites.
“Sinto-me fora de controlo, sim. Mas de uma forma boa. Eu começo a dar desde o início e vou até ao fim. Não penso, deixo-me ir. E partilho o que tenho para partilhar com o público”, descreve.
Essa partilha é tudo menos abstrata: “O solo trata de uma história muito marcante, uma história de sobrevivência e de luta. Uma jovem que arrisca a vida para salvar outras. Depois dessa sua acção, muitas mulheres sentiram-se livres”.
Mariana Tembe reconhece o eco desta narrativa na sua própria trajectória e na de muitas outras mulheres. “Nós, mulheres, lutamos de formas diferentes. Mesmo quando o pior está diante de nós, seguimos, furamos paredes, quebramos barreiras sem pensar duas vezes”, sublinha.
Depois da estreia, o público partilhou ecos da sua presença. “As pessoas reconhecem-me na rua. Dizem: ‘Ah, tu estiveste em NÔT! Aquele solo foi incrível!’ Falam do momento em que levanto os braços, do momento em que canto”, conta feliz.
Apesar da humildade, Mariana Tembe reconhece a força do que fez: "É muito forte para mim também. Porque esse solo, além de tudo, é libertação. É coragem. É entrega”.
O peso de estar em Avignon
Para qualquer intérprete, pisar o Palácio dos Papas é uma experiência de consagração....
Duración:00:10:15
Christine Enrègle pinta árvores centenárias do Jardim das Plantas de Paris
7/2/2025
Na Galeria de Botânica do Jardim das Plantas, em Paris, a artista francesa Christine Enrègle presta homenagem a três árvores notáveis com desenhos a carvão que captam o tempo vegetal. Numa residência de dez meses, entre contemplação e criação, a artista revela a memória e a transformação das árvores centenárias. Uma viagem entre arte, ciência e ecologia, onde o gesto artístico dialoga com o ritmo lento da natureza.
Na Galeria de Botânica do Jardim das Plantas, em Paris, um espaço fechado ao público desde 2020 e reservado ao trabalho silencioso de investigadores, habita, há quase um ano, uma artista de escuta atenta e traço paciente. Christine Enrègle instalou-se neste espaço para acompanhar, observar e, sobretudo, desenhar três árvores centenárias que testemunharam mais de dois séculos da história humana: um cedro do Líbano, um plátano oriental e um pistácio verdadeiro. Plantadas entre os séculos XVII e XVIII, estas árvores não são apenas testemunhas botânicas: são presença, são monumento, são tempo em forma vegetal.
“Cada uma destas árvores tem uma arquitectura singular. Escolhi-as pelas suas diferenças formais, mas também pela vontade de aprofundar a relação com cada uma ao longo de várias estações. Gosto de trabalhar demoradamente sobre cada uma delas”, explica a artista, rodeada de desenhos de grandes dimensões, todos executados a carvão sobre tela de algodão.
Iniciada em Setembro de 2024, a residência de Christine Enrègle prolongou-se até Junho de 2025. “O tempo da árvore não é o nosso”, explica. “Ela cresce, muda, mas tão lentamente que os nossos olhos não conseguem perceber. É por isso que as trabalho em séries: para dar conta desse movimento perpétuo e quase invisível", acrescenta.
Cada série corresponde a uma estação do ano. No outono, o cedro do Líbano impôs-se com a sua verticalidade imponente. “É o mais antigo da sua espécie em França, trazido de Londres por Bernard de Jussieu em 1734. Impressiona pela altura e pela força silenciosa. Trabalhar com ele foi como estudar uma coluna viva do tempo”, explica.
No inverno, Christine Enrègle voltou-se para as raízes do plátano de Buffon. “A luz era fraca, os dias curtos, o frio constante… tudo isso fazia eco com o subterrâneo, com a escuridão onde vivem as raízes. Foi uma fase de recolhimento, de escavação interior também”, detalha.
Finalmente, na primavera, o pistácio verdadeiro permitiu-lhe fazer uma síntese visual das duas árvores anteriores: “Os seus ramos lembram raízes, mas têm também uma direcção ascendente. Há nele algo de reconciliação entre o que cresce para cima e o que se estende para baixo”.
O suporte técnico das obras é tão essencial como o tema. Christine Enrègle desenha com carvão, matéria de madeira calcinada, sobre telas de algodão tradicionalmente usadas em pintura. “O carvão é madeira que morreu. Usá-lo para representar uma árvore viva é, para mim, um gesto simbólico de regeneração”, conta.
Antes de aplicar o carvão, Christine Enrègle humedece a tela com pincéis: “A água é fundamental. Ela permite que o carvão se fixe melhor. Trabalho por camadas, e há momentos em que termino o desenho a seco. As sombras surgem pouco a pouco, como a própria árvore. É um trabalho de longa duração, que imita o ritmo da vida vegetal”.
Na fase preparatória, a artista passa horas ao lado das árvores, observando, fotografando, escutando. “Tiro centenas de fotografias, mas mais do que isso: contemplo. Cada desenho nasce de um encontro. Primeiro sinto a presença da árvore. Depois, observo a sua estrutura, tento compreender as articulações do tronco, dos ramos… há uma relação quase anatómica com o corpo humano”, conta.
Além do impacto visual e da coerência plástica, há uma dimensão histórica que atravessa toda a residência. O cedro do Líbano, plantado em 1734, carrega consigo uma lenda: durante o transporte desde Londres, o vaso onde era cultivado partiu-se, e Bernard de Jussieu foi forçado a carregá-lo no chapéu até Paris. O plátano oriental foi plantado em 1785 por...
Duración:00:16:59
"Literatura e educação são caminhos para o desenvolvimento da Guiné-Bissau"
7/2/2025
O escritor guineense radicado em Paris, João Into Cabi, retrata no seu último livro "Minino de Criasson" a sua infância difícil na Guiné-Bissau e o papel fundamental das mães na educação. Com uma escrita marcada pela memória, o autor defende que a literatura e a educação são caminhos para o desenvolvimento da Guiné-Bissau.
Da infância na aldeia de Gam-Jandim, no norte da Guiné-Bissau, ao autor, João Into Cabi partilha no seu mais recente livro,"Minino de Criasson", também publicado em francês sob o título "Garçon Poli", um testemunho de resiliência, identidade e memória cultural.
A obra é uma homenagem ao povo guineense, às suas mães, e à infância marcada por escassez, mas também por dignidade. “Escrevi o livro para partilhar bons exemplos, aquela educação que a mulher guineense dá ao seu filho, mesmo com fome, sem nunca deixar de dar uma boa educação”, descreve o autor.
O universo narrativo de João Cabi é moldado pelas suas vivências. Nasceu numa aldeia sem electricidade, onde a lua era a única claridade e os brinquedos eram construídos a partir de nada. “As tampas de garrafas de cerveja serviam de rodas, e uma lata de sardinha com uma corda era o meu carro de brincar”, lembra.
Esta infância, sem conforto material mas com ensinamentos éticos, serve de pano de fundo ao livro ,"Minino de Criasson": “A minha mãe fazia-me compreender que com o pouco que tínhamos era possível viver. Isso é que me formou como homem. Isso é que me formou como escritor”.
A par da literatura, João Cabi construiu uma carreira como professor e formador de professores. Para ele, a educação é uma responsabilidade cívica e conta-nos que "ser professor foi um sonho desde cedo. Sempre quis contribuir para o meu país, como fizeram aqueles que nos deram a liberdade para sorrir e brincar livres”.
A escrita de João Cabi está enraizada na tradição oral guineense, mas também aponta a necessidade de repensar o presente. O autor não hesita em comentar a situação política da Guiné-Bissau: “É triste. Nem parece o país de Amílcar Cabral. Se os guineenses não trabalham para afirmar o suor de Cabral e seus camaradas, então Cabral morreu”, defende.
O escritor acredita que a literatura pode ser um instrumento de desenvolvimento. “A nossa cultura é composta por vários grupos étnicos e é uma riqueza. Se soubermos adaptá-la à linguagem do homem letrado, pode contribuir para transformar a Guiné-Bissau", concluiu.
Duración:00:07:51
"da desigualdade constante dos dias de leonor*” de Leonor Antunes no CRAC Occitanie
6/17/2025
O CRAC Occitanie, em Sète, França, acolhe até ao dia 31 de Agosto, a exposição les inégalités constantes des jours de Leonor*, da artista portuguesa Leonor Antunes. Trata-se de uma exposição desenvolvida a partir da mostra da desigualdade constante dos dias de Leonor*, apresentada no Centro de Arte Moderna Gulbenkian (CAM), em Lisboa, entre Setembro de 2024 e Fevereiro de 2025.
Concebida e produzida pelo CAM – Fundação Calouste Gulbenkian, a mostra conta com curadoria de Leonor Antunes, Marie Cozette (directora do CRAC Occitanie - Centro Regional de Arte Contemporânea) e Rita Fabiana, esta última responsável pela curadoria da versão portuguesa.
Distribuída por seis salas no rés-do-chão do CRAC, a exposição reafirma o percurso de mais de 25 anos da artista lisboeta, conhecida pelas esculturas suspensas que dialogam com a arquitectura e a história dos espaços onde se inserem.
No CRAC, o público é convidado a circular livremente entre os trabalhos de Leonor Antunes, pisando um chão que é ele mesmo também obra da artista.
As peças tomam forma no espaço.
E aqui tudo foi adaptado às características do edifício: a ausência de janelas, as divisões, o chão, que reaproveitei da exposição de Lisboa.
Este chão – feito de cortiça, latão e linóleo – é um dos elementos que liga as diferentes salas da exposição. Outro elemento é a corda de cânhamo que percorre todos os espaços, presa no tecto e suportando as peças: “Cada sala tem o seu novelo, reciclado de outras exposições. Esta linha vai-se desenrolando e cria uma malha onde tudo se liga.”
O título da exposição parte de um desenho de Ana Hatherly, artista, escritora e cineasta portuguesa, realizado em 1972 — ano de nascimento de Leonor Antunes — e onde surge o nome “Leonor”.
Os títulos das obras de Leonor Antunes são quase sempre citações ou nomes que carregam ecos de histórias esquecidas. A artista interessa-se pela forma como a história da arte, do design e da arquitectura tem deixado figuras femininas na sombra. Um desses casos é o de Sadie Speight, arquitecta e designer modernista britânica, que colaborou com o arquitecto Leslie Martin na concepção do edifício do CAM, mas cujo nome raramente é mencionado: “Ela teve um papel fundamental no projecto, mas nunca teve o reconhecimento que merecia.”
Essa aproximação entre obras e nomes pouco conhecidos é parte de um trabalho de investigação contínua da artista, que dedica “metade do tempo passado nessa pesquisa, nessa busca incessante” por figuras femininas que ficaram à margem da história da arte. Leonor Antunes não procura vitimizar essas mulheres, mas “situar o trabalho destas pessoas”.
Não é uma obsessão, mas um trabalho de situar estas figuras no tempo.
Nomeá-las é uma forma de não deixar que desapareçam.
A história da arte que nos ensinaram é patriarcal, masculina.
Mas há muitas outras histórias por contar.
A exposição les inégalités constantes des jours de Leonor*, de Leonor Antunes, pode ser vista no CRAC Occitanie, em Sète, França, até ao dia 31 de Agosto. A mostra conta com curadoria de Leonor Antunes, Marie Cozette e Rita Fabiana.
Duración:00:09:04
Reedição em Portugal de livro sobre o 27 de Maio de 1977 em Angola
6/11/2025
"Nuvem Negra - O drama do 27 de Maio de 1977" é o livro onde o advogado e professor universitário Miguel Francisco, mais conhecido como “Michel”, relata, na primeira pessoa, os três anos de pesadelo em que esteve preso. Michel testemunha as torturas, fuzilamentos, trabalhos forçados, as condições mais desumanas a que foram sujeitos aqueles que em Angola foram acusados de colaborarem com os “fraccionistas” (Nito Alves e José Van-Dúnem).
O livro "Nuvem Negra - O drama do 27 de Maio de 1977" foi recentemente reeditado em Portugal.
O autor considera que a reconciliação entre angolanos ainda não aconteceu e para a reconciliação angolana acontecer é preciso uma “verdadeira Comissão da Verdade”.
O que eu proponho é a criação de uma comissão da verdade, até podem chamar outro nome qualquer, para primeiro descobrir quem foram os indivíduos que assassinaram aqueles comandantes que apareceram no dia 21 no Sambizanga. Porque é a partir dali, deste facto bárbaro, que o presidente Neto veio ao público dizer que não perdia tempo com os julgamentos. Então, é preciso saber quem foram as pessoas que assassinaram aqueles comandantes.
Foram os fraccionistas? Duvido muito.
Agora, se querem que as pessoas todas que estavam envolvidas nesse processo trágico morram todas, para depois não serem responsabilizadas, isso não é reconciliação. Com toda a sinceridade, não é!
“Michel”: Para haver reconciliação “é preciso saber quem foram as pessoas que assassinaram aqueles comandantes”
Duración:00:20:42
Rádio Asas do Atlântico: 78 anos a dar voz à ilha de Santa Maria
6/3/2025
Com 78 anos de existência, a Rádio Asas do Atlântico continua a ser uma voz essencial na ilha de Santa Maria, Açores. Em entrevista, Helena Barros, directora da rádio local, revela os desafios e as motivações de manter uma estação de rádio comunitária num território com pouco mais de 5 000 habitantes, destacando a ligação única entre a rádio, a história do aeroporto e a identidade da ilha.
A rádio Asas do Atlãntico não é apenas uma estação de transmissão "é uma associação sem fins lucrativos que tem um papel vital na ligação entre as pessoas da ilha”, explica Helena Barros.
Fundada numa época em que Santa Maria tinha uma dinâmica muito diferente, a rádio cresceu intimamente ligada à história do aeroporto local, que nos anos 40 passou de uma base militar para uma infraestrutura civil com importância geopolítica regional.
"Quando os americanos cá chegaram, no início dos anos 40, e depois com a saída em 1944, deu-se esta passagem de uma infraestrutura militar para civil. O aeroporto era a grande entrada e saída, em termos de emigração, tudo passava por Santa Maria, e por isso falávamos mesmo no aeroporto internacional", refere.
A directora recorda que o Clube Asas do Atlântico, ao qual a rádio está associada, nasceu sobretudo para os funcionários do aeroporto e da comunidade adjacente, com várias estruturas de lazer e habitação organizadas conforme as classes sociais da época.
“A história da minha família, de alguma forma, também está ligada à infraestrutura do aeroporto. A minha avó contava que vivia num hotel onde tinha piscina, aulas de natação e o resto da ilha não tinha água. Havia uma grande disparidade social e económica, que hoje felizmente já não existe”, sublinha.
Actualmente, a rádio mantém uma estrutura modesta, com dois estúdios e uma equipa reduzida - uma jornalista e uma radialista - dedicadas à produção e locução, apoiadas por colaboradores administrativos e voluntários que contribuem para a programação. Apesar das limitações, a modernização da rádio tem sido possível graças a apoios do Governo Regional dos Açores e da Câmara Municipal de Vila do Porto, que permitiram investir em novos sistemas informáticos e na digitalização da emissão.
A programação da Rádio Asas do Atlântico procura reflectir a diversidade e os interesses da comunidade local. “Temos o programa 'Bom Dia Açores' que este ano celebra 50 anos, com grande tradição e audiência, especialmente na costa sul da ilha de São Miguel”, diz Helena Barros.
A rádio aposta ainda numa forte componente informativa, com notícias locais apresentadas diariamente pela jornalista Ana Paula Braga, que trabalha na rádio há mais de três décadas. A proximidade com os ouvintes é uma das maiores forças da estação.
“O que faz as pessoas ligarem o rádio é a informação local e os amigos que fazem os programas”, destaca a directora que reconhece o papel da rádio em aproximar a comunidade e dar voz à ilha.
No entanto, manter a rádio viva não está isento de dificuldades. A publicidade local é reduzida devido à dimensão da economia da ilha. Ainda assim, os empresários locais continuam a apostar nos spots e a rádio conta também com publicidade institucional, essencial para garantir a sua sustentabilidade.
Helena Barros evidência igualmente o papel insubstituível da Rádio Asas do Atlântico para Santa Maria, concluindo que "todas as entidades da ilha têm um carinho especial por esta rádio, porque sabem que, no dia em que ficarmos sem ela, ficaremos sem voz".
Duración:00:12:43
Joana Vasconcelos integra exposição Engagées na Fundação Villa Datris
5/27/2025
Até ao dia 02 de Novembro, está aberto ao público a exposição Engagées (Comprometidas) na Fundação Villa Datris, em L’isle-sur-la-Sorgue, perto de Avignon. A visita aos jardins começa com o encontro de Betty Boop, escultura monumental de Joana Vasconcelos, representando um sapato de salto alto sobredimensionado, feito a partir de 350 panelas e tampas. A artista portuguesa conta com várias peças em exposição, todas relacionadas com a temática da água.
Até ao dia 02 de Novembro, está aberto ao público a exposição Engagées (Comprometidas) na Fundação Villa Datris, em L’isle-sur-la-Sorgue, perto de Avignon. Feministas, ecofeministas, defensoras dos direitos humanos, militantes contra o racismo e pela liberdade sobre o corpo... as lutas essenciais das artistas seleccionadas. A mostra evidencia a invisibilidade das mulheres e a persistência dos seus combates, relembrando ao mesmo tempo a importância de defender e preservar os direitos conquistados.
A curadoria ficou a cargo de Danièle Marcovici, fundadora e presidente da Fundação Villa Datris, e de Stéphane Baumet, director da Villa Datris L'Isle-sur-la-Sorgue.
O percurso de visita da exposição Engagées desenvolve-se em torno de dez temáticas. Cada artista exposta é associada a uma ideia, um facto ou uma reivindicação, que se materializa num folheto disponibilizado em cada sala.
Em declarações aos jornalistas, na apresentação da exposição, Danièle Marcovici, fundadora e presidente da Fundação Villa Datris, lembrou a necessidade de continuar a dar visibilidade à luta feminina e sublinhou que a cor escolhida para o evento é o roxo, em solidariedade com as mulher norte-americanas, “que bem precisam de ajuda neste momento”:
Temos regredido nos direitos das mulheres… nos direitos ambientais… em todos os direitos humanos. E isso é terrível.
Foi por isso que decidimos realizar esta exposição no dia seguinte à primeira volta das eleições legislativas do ano passado. Dissemos: temos de fazer alguma coisa, temos que assumir um compromisso.
Portanto, em 2025, mostramos mulheres comprometidas, artistas, todas elas muito bonitas, talentosas, todas elas formidáveis, que se expressam por meio de sua arte e que admiramos. Por isso as escolhemos.
E vamos oferecer essa exposição ao público. Porque nossas exposições são feitas para o público, para o público em geral, para ajudá-los a descobrir a arte contemporânea que seja significativa, emocional e envolvente.
A cor da exposição deste ano é o roxo. Porque como sabem, é a cor das feministas americanas. E elas precisam de ajuda neste momento. Mas não estamos a fazer esta exposição só por elas, na verdade fazemo-lo por nós, por todas as mulheres.”
A visita aos jardins começa com o encontro de Betty Boop, escultura monumental de Joana Vasconcelos, representando um sapato de salto alto sobredimensionado, feito a partir de 350 panelas e tampas. A artista portuguesa conta com várias peças em exposição, todas relacionadas com a temática da água.
Na minha obra tenho vindo a trabalhar, já há alguns anos, a questão da água. A água é um bem essencial à vida e nós, de uma certa no mundo ocidental, temos o privilégio de ter água em múltiplas divisórias das nossas casas e usamos a água de uma forma indiscriminada, enquanto, em muitos países, há muita gente que não tem sequer água para beber.
Faço uma série de obras em que a água é um luxo e trato a água como se fosse um luxo. Daí a banheira, o chuveiro, os lavatórios, a água para cozinhar, a água para tomar banho. Portanto, nós usamos a água de uma forma muito variada nas nossas casas e muitas vezes não damos o devido valor à sorte que é poder ter água de uma forma tão livre e tão displicente.
A exposição Engagées é de entrada livre e gratuita e pode ser vista na Fundação Villa Datris, em L’isle-sur-la-Sorgue, até ao dia 02 de Novembro de 2025.
Todos os anos, a Fundação Villa Datris dá destaque à arte contemporânea através de uma exposição temática. Desde a abertura do espaço que mais de 950...
Duración:00:07:44
Cleo Diára: da ilha de Santiago à consagração no cinema internacional em Cannes
5/24/2025
A luso cabo-verdiana Cleo Diára reagiu à reportagem da RFI em Cannes ao seu prémio de melhor actriz na mostra oficial Un certain regard. Ela que desempenha o papel de uma jovem guineense, em O riso e a faca, longa metragem do português Pedro Pinho admite que o seu sonho de menina da ilha de Santiago passava muito pela representação, "por dar voz a certas realidades".
O cineasta português Pedro Pinho e a actriz Cleo Diára reagiram em Cannes ao prémio obtido na mostra Un certain regard.
A actriz alega ainda estar com dificuldade em assimilar a notícia deste importante galardão da sétima arte internacional e precisar de algum tempo para ter noção do que isto significa.
Cleo Diará, de 37 anos, está também em cartaz, em Cannes, na mostra ACID de Pedro Cabeleira com o qual ela tinha colaborado também em Verão danado, a sua primeira longa metragem de 2017.
No ano seguinte ela tinha também participado em Diamantino, longa metragem de Gabriel Abrantes, premiada em 2018 na Semaine de la critique.
Oriunda da ilha cabo-verdiana de Santigado Cleo Diára frequentou a Escola superior de teatro e cinema em Portugal.
Por seu lado o realizador luso Pedro Pinho afirmou estar muito satisfeito com a forma como o filme foi acolhido "uma recepção que superou todas as expectativas" e lembrou que a estreia em França está prevista para o mês de Julho.
Uma secção oficial que recompensou também Once upon a time in Gaza dos irmãos Arab Nasser e Tarzan Nasser, com o prémio da melhor realização, longa metragem que conta com co-produção da portuguesa Ukbar Filmes.
Duración:00:06:38
Reposição - Sebastião Salgado: A fotografia como memória da Humanidade
5/23/2025
A exposição Sebastião Salgado: Obras da Coleção da MEP está exposta no Centro Cultural Les Franciscaines, em Deauville, e apresenta um retrato das últimas décadas da história humana. Sebastião Salgado documenta o sofrimento, mas também a dignidade do ser humano em tempos de cataclismos sociais e naturais. Na exposição vemos algumas das obras mais emblemáticas, nomeadamente em África durante os anos 70 e 80, quando a guerra, a fome e a seca dominavam o continente, deixando marcas nas populações.
Em entrevista à RFI, no espaço da exposição, Sebastião Salgado fala com a mesma intensidade com que fotografa. Em cada palavra, transparece a visão crítica, mas também a sua compreensão da história social e política. Para ele, a fotografia, é mais do que uma arte; é um registo da realidade que não se pode desvirtuar. Através do olhar atento e sensível, Sebastião Salgado afirma que, por mais que a inteligência artificial consiga criar imagens, a fotografia continua a ser um reflexo do presente, um “corte representativo do planeta naquele momento”. Não há espaço para substituições: "A fotografia é outra coisa", diz Sebastião Salgado, defendendo que a essência da fotografia está na sua ligação com o mundo real.
Hoje, quando o digital parece diluir as fronteiras entre o real e o imaginário, Sebastião Salgado reafirma a importância da memória que a fotografia preserva. Com uma certa nostalgia, lamenta a efemeridade das imagens captadas nos telefones, aquelas que se perdem no limbo digital. O fotógrafo brasileiro sente que, na era digital, a fotografia deixou de ser um testemunho sólido, uma marca que sobrevive ao tempo.
A formação e a experiência de Sebastião Salgado são elementos fundamentais no seu trabalho. Economista, sociólogo e antropólogo, o fotógrafo tem uma visão das dinâmicas sociais que orientam o mundo. Essa visão ajudou-o a capturar a transição dos tempos, seja no fim da revolução industrial ou nas grandes migrações que documentou na série fotografica Êxodos. Quando Sebastião Salgado viu a indústria pesada desaparecer nos países desenvolvidos, percebeu que algo maior estava a acontecer: o mundo estava a reorganizar-se. As fábricas estavam a ser transferidas para países com mão-de-obra mais barata; a China, o Brasil ou o México. Mais do que um fenómeno económico, era uma revolução humana.
Mas se há algo que continua a dominar a sua reflexão, é a questão do futuro da humanidade. "Estamos a viver num mundo desorganizado", diz. A desordem política e social que caracteriza o nosso tempo é, para Sebastião Salgado, uma consequência do fim de um equilíbrio que parecia mais estável no passado. E o futuro? “Ninguém sabe o que vai acontecer”, diz, visivelmente preocupado pela destruição acelerada do planeta. O olhar do fotógrafo brasileiro está cheio de apreensão, mas também da aceitação quanto à fragilidade humana.
Sebastião Salgado recorda, ainda, com uma clareza dolorosa a experiência que viveu em Angola, nos anos 90, e Moçambique, em 1974, onde viveu momento do processo de independência. A violência, a brutalidade, e as tensões que marcaram esse momento da história, de guerra e resistência, são memórias que o fotógrafo carrega. “Fui ferido tanto em Angola como em Moçambique”, lembra. A reflexão sobre a evolução política em África é crítica. Para ele, a corrupção, que muitos tentam mascarar, não é um fenómeno restrito ao continente africano: é um mal comum, uma praga que afecta toda a humanidade. O que acontece em Angola, no Congo, no Uganda, não é um problema isolado – é uma questão de governança , de ética e de valores.
A colonização europeia, que deixou a África fragmentada e empobrecida, é uma das grandes responsáveis pela incapacidade de muitos países africanos de se consolidarem como nações. "Apenas 50 anos passaram desde a independência", recorda, com a tranquilidade de quem sabe que o processo de recuperação vai ser longo. Sebastião Salgado não esconde a frustração com o legado da exploração europeia, mas, ao mesmo tempo,...
Duración:00:12:08