Convidado - A viagem rumo ao oeste de Babetida Sadjo-logo

Convidado - A viagem rumo ao oeste de Babetida Sadjo

RFI

De segunda a sexta-feira (ou, quando a actualidade o justifica, mesmo ao fim de semana), sob forma de entrevista, analisamos um dos temas em destaque na actualidade.

Location:

Paris, France

Genres:

Podcasts

Networks:

RFI

Description:

De segunda a sexta-feira (ou, quando a actualidade o justifica, mesmo ao fim de semana), sob forma de entrevista, analisamos um dos temas em destaque na actualidade.

Language:

Portuguese


Episodes
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Extradição de Bozizé "não é da competência do Presidente da República"

5/3/2024
O Presidente Umaro Sissoco Embaló disse que a Guiné-Bissau não vai extraditar o antigo chefe de Estado da RCA, François Bozizé, exilado em Bissau e alvo de um mandado de captura internacional, justificando que a lei guineense não o permite. Luís Vaz Martins, presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, explica que lei guineense prevê, em determinadas situações, a extradição de cidadãos estrangeiros, sublinhado que a decisão compete à justiça e não ao Presidente guineense. RFI: O Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, disse esta semana que não vai extraditar o antigo chefe de Estado da RCA, François Bozize. O que prevê a lei guineense nessa matéria? Luís Vaz Martins, presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau: Há aqui dois equívocos para sublinhar. Em primeiro lugar, não é da competência do Presidente da República dar pareceres sobre a constitucionalidade da extradição de qualquer cidadão estrangeiro que se encontre no território da Guiné-Bissau. Em segundo lugar, há aqui dois níveis de protecção. O primeiro nível diz respeito aos cidadãos nacionais que em circunstância alguma podem ser extraditados. Relativamente aos cidadãos estrangeiros, existe a possibilidade de extradição, todavia o órgão competente para decidir sobre a extradição é o poder judiciário. No entanto, existem limites relativamente à questão da possibilidade de extradição de cidadãos estrangeiros. A extradição não pode ser feita por motivos políticos e também não pode haver extradição, mesmo não sendo por motivos políticos, para países onde se aplica a pena de morte. Na República Centro-Africana a pena de morte não se aplica, o que nos leva a crer que há indícios muito fortes para que se possa admitir a extradição. No comunicado são invocados crimes contra a humanidade, que dizem respeito ao desaparecimento forçado e outras formas de privação de liberdade e prática de tortura. Assim sendo, o cidadão centro-africano, François Bozizé, pode ser extraditado, desde que admitido por uma autoridade judicial. Ou seja, será sempre a justiça a tomar essa decisão? Dizer que a lei guineense, mais concretamente a Constituição, não admite a extradição é uma interpretação errónea do senhor Umaro Sissoco Embaló. Há uma proibição absoluta quando se trata de cidadão nacional. Todavia, há uma proibição relativa quando se trata de um cidadão estrangeiro, como é o caso de François Bozizé. Nesta situação, desde que seja admitido por uma autoridade judicial, [o antigo Presidente da RCA] pode ser extraditado para que o seu país o possa julgar pelos crimes cometidos naquele naquele espaço geográfico. Umaro Sissoco Embaló disse que foi solicitada para dar asilo político a François Bozizé, no âmbito da União Africana. Isso desresponsabiliza, de alguma forma, a Guiné-Bissau, de estar a proteger um homem que é acusado de crimes cometidos pela guarda presidencial? A presença do senhor François Bozizé foi um assunto tratado com total sigilo. Mesmo no plano nacional, a esmagadora maioria dos cidadãos guineenses e dos órgãos,que devem ter conhecimento da presença de um cidadão estrangeiro nestas condições, não deram aval para a presença deste Senhor aqui no território nacional. A Assembleia Nacional Popular não foi tida nem achada, muito menos o Governo. Foi uma decisão do próprio Umaro Sissoco Embaló. Mesmo assim, isso não exime a Guiné-Bissau da sua responsabilidade internacional de proteção e promoção dos direitos humanos. A Guiné-Bissau não pode acolher, no seu território, um homem sobre o qual recaem fortes indícios de ter cometido crimes contra a humanidade. A Guiné-Bissau tem um compromisso, não só no plano interno - ao nível da Lei magna- mas também ao nível internacional da protecção dos direitos fundamentais. Não pode, de forma alguma, impedir a extradição do cidadão para que se possa fazer justiça, responsabilizando-o pelos crimes cometidos. Para além do mandado de captura, que outro recurso tem este...

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Haiti: conselho de transição no poder "vai ser novo período de incerteza"

5/2/2024
O Haiti está a braços com uma profunda crise política e de segurança que já fez centenas de mortos. Nos últimos anos, e em particular desde Fevereiro passado, o território foi tomado de assalto por gangues que controlam quase todo o país, situação instável, que já levou mesmo à demissão do primeiro-ministro, Ariel Henry. Entretanto, foi investido, na semana passada, um conselho de transição, numa nova etapa rumo a um governo provisório. Esta terça-feira, Edgard Leblanc Fils, foi eleito Presidente do conselho de transição. Este conselho é composto por 9 membros, oito homens e uma mulher, com representantes provenientes de vários quadrantes da sociedade, caso do quadrante político, sociedade civil ou até mesmo organismos religiosos. O conselho de transição terá agora, em primeiro lugar, a tarefa de formar governo e, posteriormente, organizar as eleições no país, que deverão ter lugar em Fevereiro de 2026. Em entrevista à RFI, Rafael Lucas, professor haitiano radicado em França começa por fazer uma análise sobre o que se pode esperar deste conselho de transição, defendendo que estaremos perante "um novo período de incerteza" no país.

Duration:00:10:02

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França: Os estudantes vão continuar a lutar pelos direitos dos palestinianos

5/1/2024
À semelhança do que tem vindo a acontecer nas universidades norte-americanas, também os alunos franceses intensificam os protestos contra a operação militar israelita em curso na faixa de Gaza. Eduardo Cury, estudante brasileiro na Sciences Po Paris, participa neste movimento, aponta o dedo à postura do Ocidente, lembrando a “culpa” da não condenação ou do silêncio “em relação às atrocidades cometidas em Gaza”. À semelhança do que tem vindo a acontecer nas universidades norte-americanas, também os alunos franceses intensificam os protestos contra a operação militar israelita em curso na faixa de Gaza. Os estudantes exigem um cessar-fogo em Gaza e o fim do “genocídio”, além da não perseguição dos alunos defensores da causa palestiniana. Apesar dos esforços do executivo para evitar a multiplicação da contestação, vários grupos de estudantes apelaram este fim-de-semana à intensificação dos protestos. Eduardo Cury, estudante brasileiro na Sciences Po Paris, participa neste movimento pró-Palestina e ao microfone da RFI justifica o seu envolvimento na causa, aponta o dedo à postura do Ocidente face a Gaza, lembrando a “culpa” da não condenação ou do silêncio “em relação às atrocidades cometidas em Gaza”. RFI: De que forma é que se envolveu nestes protestos? Eduardo Cury, estudante brasileiro na Sciences Po Paris: As manifestações pró-Palestina da Sciences Po começaram logo na sequência dos ataques [do Hamas a Israel] de 07 de Outubro e da reacção absolutamente brutal e desproporcional de Israel. Começou sendo organizado por alguns alunos da Palestina da Sciences Po que fazem parte da associação que se chama Students for Justice in Palestine [Estudantes pela Justiça na Palestina] e, por coincidência, alguns desses alunos já eram amigos meus, que são amigos da Palestina e da Irlanda também. Os irlandeses são muito engajados pela Palestina. Então, eu comecei a participar de alguns protestos e de eventos, por exemplo, convidaram a embaixadora da Palestina para a Sciences Po, convidaram a Francesca Albanese, que faz parte da ONU [Relatora especial das nações Unidas sobre os territórios Palestinianos Ocupados], e eu sempre participava e tentei mostrar o máximo de apoio possível, tanto nos protestos quanto nos eventos organizados dentro da universidade. Esta contestação, a esta operação militar que está a ser levada a cabo por Israel na Faixa de Gaza, a nível de estudantes, ganhou uma dimensão diferente quando houve o acampamento na Sciences Po? Absolutamente. Vale lembrar que há um ou dois meses, houve um protesto dentro da Sciences Po que também teve repercussão nacional e internacional. Gabriel Attal, primeiro-ministro de França, foi visitar a Sciences Po e falou uns absurdos dentro da universidade. Eu acho que [Emmanuel] Macron [Presidente de França] inclusive ligou para a direcção da Sciences Po. Mas, o acampamento dentro da Sciences Po na semana passada foi realmente um marco histórico, porque foi a primeira vez que a Sciences Po fez a polícia entrar dentro do próprio estabelecimento para tirar os estudantes. Mudou as dimensões. Tanto a Sciences Po como a Sorbonne são locais emblemáticos da luta estudantil francesa. Claro! O histórico de manifestações estudantis aqui na França é muito longo, tem muita tradição e também, infelizmente, tem um histórico de repressão policial. Então, é claro que quando a polícia intervém nessas manifestações, especialmente no caso da Sorbonne, que literalmente arrastam as pessoas no chão, agridem os manifestantes, isso traz muitas memórias da história do passado estudantil francês. Porquê chegar a esta situação de acampamento nos átrios das universidades à semelhança do que acontece nos Estados Unidos? Houve aqui um contágio dos protestos norte-americanos ou todo o tipo de voz que tentavam dar à causa palestiniana já estava esgotado e esta era uma forma de virar os holofotes para os estudantes? Eu acho que no fim são os dois. Primeiramente, claro que teve a inspiração dos Estados Unidos....

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Angola na Coreia do Sul para diversificar economia

4/30/2024
Terminou nesta terça-feira, 30 de Abril, a visita oficial de dois dias do Presidente de Angola à Coreia do Sul. Em Seul, João Lourenço foi recebido pelo homólogo sul coreano, Yoon Suk-yeol, e participou no Fórum Económico com vista ao reforço das relações bilaterais. Em entrevista à RFI, Sérgio Dundão, cientista político de Angola, fala das áreas de cooperação entre os dois países, sublinhado que Angola continua empenhada em diversificar os parceiros comerciais. O que procura o Presidente João Lourenço com esta visita de Estado à Coreia do Sul? O Presidente angolano, desde o primeiro mandato, tem procurado diversificar os países com os quais estabelece relações, para além daqueles países que já são tradicionais, como a Rússia, por questões históricas, e os Estados Unidos, pelo seu papel geo-geopolítico. O Presidente também tem procurado outros países que são hoje “players” importantes, não só ao nível da Europa, mas também na Ásia e querendo ou não, a Coreia do Sul é um país com grande potencial do ponto de vista da indústria. Angola e a da Coreia do Sul assinaram quatro instrumentos jurídicos nas áreas do comércio, saúde, ordem pública e diplomacia. O que é que representam estes acordos jurídicos para o país? Os países têm por tradição assinar esses documentos, do ponto de vista das relações, que criam aquilo que são instrumentos genéricos ou gerais, permitindo que os países afirmem as linhas de cooperação que pretendem estabelecer. Mas, mais importante do que isso, é perceber se isso vai se traduzir na prática. Ou seja, se esses instrumentos vão levar investimento sul coreano para Angola, numa altura em que o país precisa de investimento externo. Ou seja, precisamos de captar investimento directo estrangeiro para alavancarmos a economia angolana que se encontra com algumas dificuldades, sobretudo na questão do desemprego. Durante o Fórum Económico, em Seul, o Presidente de Angola disse que o país está a melhorar o ambiente de negócios e falou da lei de investimento privado vigente. Considera que esta lei tem facilitado o investimento estrangeiro? Ou ainda há muita burocracia que impede que os empresários de outros países possam vir investir em Angola? A questão não é só a questão das leis. Trata-se da transparência e do combate à corrupção. A capacidade de o país apresentar um quadro de regulação do comércio, que os tribunais funcionem, dando garantia aos investidores e ao investimento. A lei é um instrumento, mas há outros aspectos que Angola tem de melhorar. Sobretudo, quando se trata de países que têm regras ou cumprem regras, porque não operam apenas na geografia angolana, estão em outras geografias. E quando não cumprem esses pressupostos, são penalizados por outros Estados que, na questão do “compliance” e do branqueamento de capitais, são mais exigentes. João Lourenço insistiu no facto de Angola ser uma economia aberta, um país com uma população jovem e com inúmeras potencialidades de negócio. Quais são as áreas de cooperação entre Angola e a Coreia do Sul? A Coreia do Sul tem um grande conhecimento no sector do automóvel e com uma indústria pujante. No sector das telecomunicações, a Coreia do Sul tem um grande potencial. Além disso, no que refere à indústria farmacêutica, Angola tem grandes necessidades, devido aos investimentos que o Governo tem feito com a construção de hospitais. Depois há outros sectores que vão por arrasto. No domínio da agricultura, os países asiáticos têm muito interesse na questão do agronegócio e do agroalimentar. O chefe de Estado que falou, nomeadamente, na questão do arroz. O que pode a Coreia do Sul oferecer a Angola no domínio da agricultura? A Coreia do Sul é um dos países do continente asiático mais desenvolvidos ao nível tecnológico e Angola precisa de captar investimento nessa área. A produção manual não vai permitir o crescimento da produção agrícola, o país precisa de um processo de transformação rápido para conseguir acabar com a fome. A questão da fome está associada...

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Declarações de Marcelo "devem trazer para a agenda política situação dos afro-descendentes"

4/29/2024
O Presidente português defendeu que Portugal “assume total responsabilidade” pelos erros do passado, e disse que esses crimes, incluindo massacres coloniais, tiveram “custos” e que há que pagá-los. "Este debate é muito fácil de se fazer, transferindo de alguma forma a questão para a realidade dos países no continente africano. Creio que se deve aproveitar esta oportunidade para trazer para a agenda política nacional a situação dos afro-descendentes", defende Yussef, activista pan-africanista. RFI: Como é que interpreta estas declarações? Yussef: Eu penso que há uma parte que é importante do discurso do Presidente Marcelo, na medida em que há uma tentativa de fazer uma análise histórica concreta do que é que foi o tráfico transatlântico e do que é que foi o colonialismo. Isto, contrariamente à ideia dominante em Portugal, que é de uma romantização tanto da escravatura transatlântica como do colonialismo. Eu creio que, neste sentido, é importante este passo em frente, até porque isto pode ter repercussões na sociedade portuguesa, na forma como se entende o fenómeno transatlântico da escravatura e o fenómeno colonial. Existe a ideia, ainda hoje de que foi uma escravatura transatlântica que não foi iniciada pelos portugueses, de que foi diferente comparativamente a outros Estados que praticaram a escravatura transatlântica, quando na verdade estamos a falar de negação da humanidade, tanto neste fenómeno como relativamente ao colonialismo. Eu acho que a nível da história, a nível do entendimento, o que é que foi a história, estas palavras do Presidente Marcelo têm a sua importância. Existe uma outra dimensão desta sua intervenção que deixa alguma dúvida relativamente à sua pertinência. Quando falamos, por exemplo, de compensações históricas e aqui eu coloco a questão, nós estamos a falar do que exactamente: Estamos a falar de restituição de objectos que foram apropriados pelo Estado português e que devem ser devolvidos? Estamos a falar de transferência de valores de trabalho da classe burguesa para as classes trabalhadoras de países como Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique? Estamos a falar do quê concretamente? Eu creio que há necessidade de saturar este debate para que nos possamos entender, porque eu creio que tem que haver uma certa sensibilidade quando tentamos, de alguma forma, inculcar um sentimento de culpabilidade a descendentes de grupos que participaram tanto na escravatura transatlântica como no colonialismo e que, de uma forma ou de outra, penso eu, não tem nenhuma responsabilidade nesse fenómeno passado. Então é preciso ter algum cuidado neste inculcar um sentimento de culpa que não deve existir. Eu creio que deve existir sim uma consciência do que foi a história, o que é que aconteceu na história. Ter noção de que a escravatura transatlântica e o colonialismo impactaram e mudaram o mundo no qual nós vivemos hoje. Existem heranças, sim, por parte daqueles que beneficiaram de um avanço das suas sociedades, fruto da escravatura atlântica e do colonialismo. Existe uma herança também de subdesenvolvimento, de atraso civilizacional, mesmo também fruto da herança da escravatura transatlântica e do colonialismo. Mas a questão é: será que a transferência de valores como reparação e forma correcta no mundo actual de alguma forma não reparar, porque acho que é um termo não exacto, mas mitigar o que aconteceu no passado. Eu, muito sinceramente, enquanto militante e activista que tenta construir um outro projecto de sociedade, tenho, no mínimo, as dúvidas que seja esse o caminho. Fala da análise da história que não foi feita até agora. Muitos portugueses ainda se orgulham da época das descobertas e dos feitos dos navegadores, esquecendo tudo o que estas descobertas ocidentais implicaram. Entre os séculos XV-XIX, perto de 13 milhões de africanos foram raptados e vendidos como escravos. Só Portugal traficou quase 6 milhões de africanos, mais do que qualquer outro país europeu. Até agora não...

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"História da reparação [do período colonial] é um debate absolutamente inadiável"

4/29/2024
O Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, declarou que Portugal deve liderar o processo de assumir e reparar as consequências do período do colonialismo e sugeriu como exemplo o perdão de dívidas, cooperação e financiamento. "A história da reparação do período colonial é inadiável", acredita António Pinto Ribeiro, programador cultural e investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. RFI: Na semana passada, o presidente português defendeu que Portugal assume total responsabilidade pelos erros do passado e disse que esses crimes, incluindo massacres coloniais, tiveram custos e que há que pagá-los. Marcelo Rebelo de Sousa declarou que Portugal deve liderar o processo de assumir e reparar as consequências do período do colonialismo e sugeriu como exemplo o perdão de dívidas, cooperação e financiamento. De onde e por que motivo surgem estas declarações de Marcelo Rebelo de Sousa? António Pinto Ribeiro: Bom... a razão por que o senhor Presidente fez estas afirmações neste momento não sei dizer. Elas podem ter acontecido num formato, porventura, menos esperado. Podem ter sido feitas num contexto menos adequado. O que é facto é que as questões que o senhor Presidente põe são absolutamente pertinentes. Só não entendo... enfim entendo porque é que há um conjunto de comentadores e de pessoas que não querem que este tema tenha sido abordado. E isso tem a ver com a ausência do debate que tem acontecido nos últimos anos em Portugal, com uma relação completamente e difícil de entender, que tem a ver com a nossa relação com o passado colonial. O tema em si é absolutamente fulcral para quem quer adiar o tema é como, novamente se quisesse colocar numa situação do orgulhosamente sós. A questão tem neste momento um amplo debate em termos globais e tem inclusivamente já acções que estão a ser praticadas e actividades que estão a ser praticadas e situações que são decorrentes desse debate à escala à escala mundial. Acho absolutamente necessário que esse debate se faça em Portugal. Acho necessário que se apetrechem as instituições mais directamente relacionadas com a questão de meios e recursos para que a investigação seja feita, para que os levantamentos necessários de tudo o que têm a ver com repatriamento de obras ou com questões que têm a ver com a reparação sejam de imediato postas a funcionar. É um debate absolutamente inadiável. É uma questão de fundo da sociedade portuguesa, da sociedade europeia, da relação de Portugal com as suas antigas colónias e não só. Esta ideia de não querermos continuar ou sobretudo, não querermos que o debate se faça por parte de alguns, só tem a ver com aquilo que se designa como melancolia colonial, ou seja, a vontade de viver num tempo passado, de viver num tempo que não tem nenhum sentido, que foi ultrapassado. De alguma forma é como se essas pessoas não quisessem que a independência cultural se fizesse nesses países. Em comunicado, o executivo português liderado por Luís Montenegro neste fim-de-semana, afirmou que "não esteve nem está em causa nenhum processo ou programa de acções específicas com esse propósito", em relação às declarações afirmações de Marcelo Rebelo de Sousa. Portanto, o Governo português a demarcar se destas afirmações proferidas pelo Presidente da República. Portanto questões pertinentes como falava um debate inadiável, como dizia há instantes, mas que é um debate adiável para o executivo português? Não é oportuno para o executivo português. Eu acho mal que tomem como tal, mas evidentemente que aqui há razões de cálculo e de tácticas políticas que, de facto têm muito pouco a ver com a questão histórica. Têm muito pouco a ver com a necessidade de estabelecer relações civilizacionais, relações de entendimento, relações de procura, de esclarecer o que foi o nosso colonialismo. E também tem necessariamente a ver também com aquilo que é ir na onda de algumas de muitas posições que vêm essencialmente de nostálgicos do passado relativamente à história colonial....

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“Que força é essa” Sérgio Godinho?

4/27/2024
Sérgio Godinho criou canções que são símbolos de liberdade e de resistência, mas não se revê na etiqueta de música de intervenção. Diz simplesmente que se limita a falar da vida. Nos 50 anos do 25 de Abril, convidámos o músico, cantor, compositor, poeta, escritor, actor, “homem dos sete instrumentos”, para falar sobre os tempos da ditadura, do exílio e da criação dos seus primeiros discos. Sérgio Godinho é o nosso convidado desta edição, no âmbito das entrevistas que temos publicado em torno dos 50 anos do 25 de Abril. Foi em Paris que o músico começou a espelhar as dores e as esperanças dos “Sobreviventes” à ditadura portuguesa. Tinha deixado Portugal em 1965 com “sede de ter mundo” e porque estava determinado em não ir para a guerra colonial. Diz que encontrou a sua voz em português em Paris e foi aí que gravou os dois primeiros discos, “Os Sobreviventes” e “Pré-Histórias”. Ambos no Château d’Hérouville, onde José Mário Branco gravou “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, em que Sérgio Godinho também participou e onde Zeca Afonso gravou o álbum "Cantigas do Maio", nomeadamente a “Grândola Vila Morena”. Sérgio Godinho esteve nove anos fora de Portugal durante a ditadura. Estudou psicologia em Genebra, trabalhou na cozinha de um barco holandês enquanto atravessava o Atlântico, viveu, entre tanta coisa, o Maio de 68 em Paris e no 25 de Abril de 1974 estava em Vancouver, no Canadá. Cinquenta anos depois da Revolução dos Cravos, vamos tentar perceber “que força é essa”, a da música e a das palavras de Sérgio Godinho, que fazem com que as suas canções sejam parte do imaginário colectivo da banda sonora das lutas do antes e do pós-25 de Abril. RFI: Os seus dois primeiros discos, “Os Sobreviventes” e “Pré-Histórias”, são discos emblemáticos da canção de intervenção. Foram gravados em França. Qual era o estúdio e como é que decorreu toda esta fase? Sérgio Godinho, Músico: Foram gravados em Paris. O meu primeiro disco foi de 71. Quer dizer, gravei em 71. Gravei os dois discos antes do 25 de Abril, “Os Sobreviventes” e depois o “Pré-Histórias”. No “Pré-Histórias” já não estava a viver em França, estava a viver em Amesterdão, mas vim a França para gravar no mesmo estúdio. Eu depois vou falar desse epíteto "canção de intervenção", mas, para já, esse estúdio foi um estúdio que o Zé Mário [José Mário Branco] descobriu. É um estúdio que estava a estrear nos arredores de Paris, chamado Château d’Hérouville, onde também o Zeca [Afonso] gravou e onde se gravou o “Grândola Vila Morena”. Onde os Stones gravaram, o Elton John até tem um disco chamado “Honky Château”, que é uma homenagem, onde muitos depois gravaram porque era um estúdio que estava num sítio isolado e estava-se num bom ambiente. Agora, como parêntesis ou não, quanto a esse epíteto de canção de intervenção, isso é uma coisa que só surgiu a seguir ao 25 de Abril. E também que foi de vida muito curta, mas que deixou uma espécie de rasto como os cometas porque eu nunca compreendi muito bem e nunca me identifiquei muito bem com esse termo, canção de intervenção. Eu acho que é extremamente restritivo. O que é que é intervenção? Nós intervimos a vários níveis, não é? Prefere canção de protesto? Mas pode não ser de protesto. "A Noite Passada", que está no segundo disco, ou o "Pode alguém ser quem não é" não são de protesto. Algumas são canções que têm uma componente social, e até política, mas, sobretudo, são canções que contam o que é a vida e que contam muitas vezes histórias, têm muitas personagens. As minhas canções são canções também de interrogação, de percurso. Há muitas interrogações nas minhas canções. "Pode alguém ser quem não é" ou, nesse disco também, o "Barnabé". “O que é que tem o Barnabé que é diferente dos outros?” é uma interrogação e as respostas são dadas pelas pessoas que ouvem e parte das respostas são dadas por mim. Só para dizer que esse termo pode meter-nos assim numa etiqueta e arrumar convenientemente. Não consigo. Eu tenho canções que falam...

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Vasco Lourenço, capitão de Abril, recorda “o interior da Revolução”

4/24/2024
Vasco Lourenço é um dos mais conhecidos "capitães de Abril" que conspirou para o golpe que acabou com 48 anos de ditadura em Portugal. Nos 50 anos da Revolução dos Cravos, o presidente da Associação 25 de Abril recorda as origens da conspiração, o dia do golpe e a importância que este teve para Portugal e para os territórios que lutavam pela independência. “Um acto único na história universal”, resume. Nos 50 anos do 25 de Abril, a RFI falou com vários resistentes ao Estado Novo. Neste programa, ouvimos Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril. A liberdade que tantos esperavam chegou numa madrugada de Abril. “O dia inicial inteiro e limpo”, que emergia “da noite e do silêncio”, como escreveu a poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen. Após 13 anos de guerra colonial, o Movimento das Forças Armadas, composto essencialmente por oficiais de média patente, impôs a queda do regime por um golpe militar. Entre os capitães de Abril está Vasco Lourenço, um dos “homens sem sono” que conspirou para o golpe que acabou com 48 anos de ditadura em Portugal. Promover os valores de Abril e manter viva a “Revolução dos Cravos” continua a ser o papel do homem que assume ter sido considerado como o “pai do movimento dos capitães”. Vasco Lourenço, de 81 anos, recebe-nos em Lisboa, na Associação 25 de Abril, a que preside desde que foi criada. Para ele, há que lembrar que o 25 de Abril foi “um acto único na história universal”. O 25 de Abril continua a ser um acto único na história universal. Não se via uma solução para a guerra, os militares do quadro permanente abriram os olhos, digamos assim, para a situação que existia, começaram a defender que as guerras têm que ter uma solução política e viram-se forçados, entre aspas, a revoltar-se contra as próprias Forças Armadas e contra o Governo, contra o poder ditatorial, fascista, colonialista que existia em Portugal. Cinquenta anos depois, Vasco Lourenço olha para a “Revolução dos Cravos” como missão cumprida. Eu costumo dizer que - e fazendo a referência ao que um dia um poeta disse - que o homem para se realizar tem que fazer três coisas na vida que é escrever um livro, plantar uma árvore e fazer um filho. Eu costumo dizer que já fiz essas três coisas, mas como tive a sorte de participar activamente numa acção coletiva - porque é preciso salientar que a acção do Movimento dos Capitães e depois do Movimento das Forças Armadas é essencialmente uma acção colectiva - cada um de nós com certeza que desempenhou o seu papel. Mas eu, como tive essa sorte, sinto-me ainda mais realizado enquanto homem. Antes de perceber que era preciso derrubar a ditadura com um golpe militar, Vasco Lourenço fez parte das forças que sustentavam o regime. Esteve na Guiné-Bissau de 1969 a 1971 e percebeu que era injusto combater quem lutava pela sua independência. Quando terminou a primeira comissão de dois anos, regressou a Portugal, estava decidido a não voltar para a guerra e, inclusivamente, estava disposto a desertar. Acabou por se envolver totalmente na conspiração contra o regime porque, como ele costuma dizer, queria "dar o piparote nos ditadores”. Vinha com um outro sentimento que era revoltado, absolutamente revoltado, porque tinha aberto os olhos para a realidade portuguesa e tinha percebido que estava a ser utilizado por um regime ilegítimo e de ditadura para impor um regime repressivo, sem liberdades e que impunha uma guerra que eu tinha concluído que era uma guerra injusta. Tinha percebido que quem estava no lado correcto a lutar pela sua independência era o outro lado e não era eu. Eu vinha decidido a não voltar à guerra. Se fosse necessário, tentaria sair da vida militar. Se não me deixassem sair da vida militar, eu vinha disposto a desertar e, portanto, a abandonar porque à guerra não voltaria. Mas vinha também decidido a outra coisa. Se antes de sair, eu pudesse utilizar a minha condição de militar para ajudar a dar o piparote, como eu costumo dizer, nos ditadores, eu fá-lo-ia. Assim que...

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As lutas estudantis contra a ditadura

4/23/2024
Em vários momentos, os estudantes enfrentaram o Estado Novo e as suas forças repressivas. Reclamaram liberdade de expressão e de associação, criticaram o autoritarismo do regime e pediram o fim da guerra colonial. Neste programa, ouvimos algumas pessoas que participaram nas crises académicas de 1962, de 1965 e no movimento contestatário dos liceus no início da década de 70. A luta estudantil é outro dos capítulos da resistência ao regime ditatorial português. Foi na década de 1960 que conheceu maior intensidade, radicalização e repressão. O Estado Novo teve, em 1962, um ano negro de agitação universitária e a crise académica constituiu o baptismo político de muitos jovens. O Governo de Salazar tinha proibido as comemorações tradicionais do Dia do Estudante a 24 de Março e, nesse dia, a polícia de choque invadiu a Cidade Universitária de Lisboa, carregando sobre centenas de jovens. Em reacção, os estudantes declaram luto académico, na prática, greve geral às aulas. Presente nas lutas estudantis de 1962, esteve Isabel do Carmo, que viria a ser co-fundadora das Brigadas Revolucionárias, uma das organizações de luta armada contra a ditadura portuguesa. Tinha entrado para o Partido Comunista Português com 17 anos e era dirigente estudantil. No meio dos plenários essencialmente masculinos, mostrou que as mulheres também contavam. Eu atrevi-me. Havia os grandes plenários no Estádio Universitário, onde falavam só os rapazes, rapazes meus amigos, que eu conheço bem. E eu pensei: “Isto não pode ser, isto não pode ser”. E então subi ao palanque e pedi a palavra. Fui realmente a única, com rapazes muito aflitos e eu um bocado stressada, não é? Mas cheguei-me à frente e falei de lá de cima e disse que as mulheres não eram só o repouso do guerreiro, que as mulheres eram o guerreiro também. Em Lisboa, a 9 de Maio de 1962, um plenário de estudantes aprovou uma greve de fome colectiva na cantina da Cidade Universitaria. A 11 de Maio, chegou a polícia de choque e os estudantes foram detidos, cerca de 1200 no total, segundo Helena Pato, que foi parar aos calabouços do Governo Civil junto com um grupo de 50 alunas, enquanto as centenas de rapazes foram para o quartel da PSP. Aquilo começou a encher, a encher, a encher. Era estudantes por todo o lado, sentados nas cadeiras, à beira das mesas. Lá em cima, aquilo tem uma galeria com cadeiras e mesas, montes de estudantes sentados no chão porque já não havia mais espaço. Eram 1200 e foram todos presos. Tudo preso, tudo preso! A repressão de 1962, em Lisboa e em Coimbra, acabou por aumentar a politização dos estudantes portugueses e a consciencialização de que a luta ia para além dos interesses meramente estudantis e associativos. Surgia a defesa de uma "nova Universidade" que rompesse com a perpetuação de uma elite moldada pelos interesses da ditadura e que pusesse em causa o próprio regime. Os estudantes começaram a criticar o fraco índice democrático na frequência das universidades, a guerra colonial e o autoritarismo do regime. A participar nas lutas estudantis de 1962 esteve também Fernando Rosas que, em 1965, viveu outro momento de força do movimento académico e foi preso pela primeira vez quando o governo ordena à PIDE a detenção dos principais líderes estudantis. Andava no segundo ano da Faculdade de Direito e fazia parte da direcção do sector universitário do Partido Comunista Português para o qual tinha sido recrutado em 1961. Tinha 18 anos e completou 19 na cadeia. A repressão acabaria por ser um tiro no pé do próprio regime, desencadeando uma onda de protestos no meio universitário português e com ecos fora de fronteiras. Nós fomos julgados. Foi um grande processo. Foram 30 e tal, não me lembro bem, mas 36 ou 37 estudantes presos. Juntaram-se todos os principais advogados que defendiam presos políticos em Portugal, e que trabalhavam “pro bono”, juntaram-se na defesa e o julgamento transformou-se num grande episódio da denúncia do regime, da polícia política, da situação na...

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Isabel do Carmo, uma mulher de armas contra a ditadura

4/23/2024
Isabel do Carmo foi co-fundadora das Brigadas Revolucionárias, uma das organizações de resistência armada à ditadura portuguesa. Nos 50 anos do 25 de Abril, ela contou-nos algumas das acções mais emblemáticas das Brigadas Revolucionárias, desde o ataque às instalações da NATO, na Fonte da Telha, à destruição de chaimites destinados à guerra colonial e à largada de porcos vestidos de almirante nas ruas de Lisboa. Nos 50 anos do 25 de Abril, a RFI falou com vários resistentes ao Estado Novo. Neste programa, ouvimos Isabel do Carmo, uma das fundadoras das Brigadas Revolucionárias. “Nós resolvemos que não fazíamos papéis. Fazíamos, antes de tudo, acções. E foi assim que começaram as acções. Houve acções das Brigadas Revolucionárias quase até ao 25 de Abril. E, de facto, é a primeira organização que aparece com uma mulher na direcção”, começa por nos contar Isabel do Carmo, fundadora das Brigadas Revolucionárias. A activista e resistente nasceu em 1940 no Barreiro, uma zona operária onde palpitava, silenciosamente, a contestação ao regime. A sua militância começou muito cedo. Aos 15 anos colaborou com o MUD-juvenil. Aos 17, entrou na Faculdade de Medicina e integrou a Comissão Pró-Associação. Aos 18, entrou para o Partido Comunista Português e passou para a direcção clandestina do PCP na Cidade Universitária. Isabel do Carmo distinguiu-se, ainda, nas lutas académicas de 1962 por pedir a palavra no meio de grandes plenários universitários, focos de “poder masculino”. Eu atrevi-me! Nos grandes plenários no Estádio Universitário, onde falavam só os rapazes, eu pensei: isto não pode ser. E então subi ao palanque e pedi a palavra. Fui realmente a única, com rapazes muito aflitos de me ouvir falar e eu um bocado stressada, não é? Mas cheguei-me à frente e falei de lá de cima e disse que as mulheres não eram só o repouso do guerreiro! Que as mulheres eram o guerreiro também! Guerreira e determinada. Isabel do Carmo esteve presa duas vezes em Caxias, onde foi submetida a regime de isolamento. A primeira vez foi em 1970 e a segunda em 1972 depois de ter escrito um panfleto a denunciar a morte do estudante universitário Ribeiro Santos. Também foi aos temíveis interrogatórios da PIDE e conheceu a agente Madalena “que ficou conhecida de todas as mulheres presas porque era uma mulher completamente psicopata”. Quanto ao tempo que passou na cadeia, para ela, “a pior coisa que pode haver numa prisão é o isolamento”. “Estive num isolamento muito, muito, muito, muito grande porque havia celas voltadas para o campo e havia outras voltadas para um muro onde passeava um soldado em cima. As celas eram mesmo de verdadeiro isolamento. Tiravam o relógio, tiravam livros, ficávamos sem nada. Acho que realmente a pior coisa que pode haver numa prisão é o isolamento. Dei-me verdadeiramente mal com o isolamento”, conta. Isabel do Carmo licenciou-se e doutorou-se pela Faculdade de Medicina de Lisboa, mas foi impedida pela PIDE de integrar o corpo de assistentes da Faculdade. Fez, ainda, parte dos corpos gerentes da Ordem dos Médicos até esta ser fechada pela PIDE em Novembro de 1972. A activista esteve na comissão política da Comissão Democrática Eleitoral (CDE) de Lisboa, em 1969. Depois das "eleições", convenceu-se que era necessária a luta armada para derrubar o fascismo. Em 1970, saiu do PCP porque tinha uma posição anti-estalinista e exigia a luta armada prometida, mas ainda não cumprida. Depois disso, fundou as Brigadas Revolucionárias com Carlos Antunes, que se encontrava em Paris. A organização defendia o recurso à violência revolucionária como arma política, em estreita solidariedade com os povos que lutavam pela sua independência. A filosofia “era abalar o regime sem matar pessoas”, sublinha. A filosofia era esta: era abalar o regime sem matar pessoas. Foi sempre, desde o princípio, uma orientação nossa que era de não provocar morte de pessoas e ter alvos que realmente abalassem o regime. Sobretudo alvos militares, visto que estávamos em...

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Casal “revolucionário” da ARA lembra história do braço armado do PCP

4/23/2024
Raimundo Narciso, um dos fundadores da ARA, o braço armado do PCP que esteve em actividade entre 1970 e 1973, e Maria Machado, a esposa que ajudava a preparar os engenhos explosivos na cozinha, contaram à RFI algumas das histórias desta organização de resistência armada à ditadura. Cinquenta anos depois do derrube da ditadura em Portugal, o casal “revolucionário” recorda, ainda, como era viver na clandestinidade e na luta permanente. Nos 50 anos do 25 de Abril, a RFI falou com vários resistentes ao Estado Novo. Neste programa, ouvimos Raimundo Narciso, fundador da Acção Revolucionaria Armada (ARA), e Maria Machado, que já era combatente antifascista antes de se juntar ao futuro marido. Raimundo Narciso e Maria Machado, conheceram-se em Moscovo, nos anos 60, e escreveram juntos uma história de resistência armada à ditadura portuguesa. Hoje, aos 85 e 74 anos, contam-nos alguns desses episódios. Maria Machado trabalhou, desde jovem, na tipografia clandestina dos pais, depois integrou a Acção Revolucionária Armada, em que Raimundo Narciso era um dos membros do comando central, com Jaime Serra e Francisco Miguel. A ARA foi o braço armado do Partido Comunista Português e esteve em actividade entre 1970 e 1973. O objectivo era lutar contra a guerra colonial, derrubar a ditadura e conquistar a liberdade. “O objectivo da ARA era acções armadas contra o esforço da guerra colonial, mas com a preocupação de não atingir pessoas, de não matar pessoas. Não fazer terrorismo, nem atingir objectivos civis e, portanto, atacar apenas o aparelho militar, a estrutura militar, mas não os militares porque a ARA não queria matar ninguém”, começa por contar Raimundo Narciso. A 26 de Outubro de 1970 surgiu um comunicado que reivindicava a primeira acção armada da ARA contra o navio Cunene, em Lisboa, que era usado no transporte de tropas, armamento e mercadorias para a guerra colonial. O navio, o mais moderno cargueiro das linhas de África, foi então alvo de duas explosões. “Eles aqui tentaram abafar um pouco, mas lá fora houve repercussões”, recorda Maria Machado. Uma das maiores operações da ARA, e com enorme impacto político, foi a sabotagem na base aérea de Tancos, na madrugada de 8 de Março de 1971. A operação "Águia Real" destruiu ou danificou 28 aeronaves e helicópteros destinados às guerras nos territórios colonizados. “Foi a acção de Tancos. Fomos lá destruir os helicópteros quase todos que havia na base aérea. Aquilo foi uma coisa portentosa”, exclama Raimundo Narciso, acrescentando que se destruíram mais helicópteros do que o esperado porque estavam todos no mesmo hangar. Maria Machado recorda que a preparação dessa acçao começou na cozinha de casa. Eram bombas incendiárias que eles depois espalharam pelos helicópteros. Essas bombas fizemos nós lá em casa, com pó de alumínio, nós os dois. Fiquei toda prateada! Houve ainda, a destruição de parte do Quartel-General da NATO, em Oeiras, o Comiberlant, em Outubro de 1971, nas vésperas da sua inauguração. Era aí que passaria a funcionar um sofisticado centro de comunicações da NATO, algo que a ARA considerava como um acto de provocação e uma prova da colaboração dos países da NATO com a ditadura portuguesa e a guerra colonial. O objectivo da acção era alertar a atenção da comunidade internacional para os problemas políticos portugueses, dada a presença da comunicação social estrangeira na inauguração. Na preparação, o casal levou, inclusivamente, a filha para as imediações do local. A nossa filha também andou connosco a vigiar. Ela era pequenina, ia no carrinho e a gente andava ali, junto à estrada, a olhar para lá, para ver como é que aquilo andava, que vigilância é que aquilo tinha. Ninguém desconfiava. A ARA foi, ainda, responsável por várias outras acções que pretendiam fragilizar o regime ditatorial. A 12 de Janeiro de 1972, a organização fez nova operação contra a guerra colonial, tendo como alvo equipamento pronto para embarcar para África no navio Muxima, no Cais de Alcântara,...

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Ataque de Israel contra o Irão "era expectável"

4/19/2024
As autoridades iranianas indicaram nesta sexta-feira, 19 de Abril, que os sistemas de defesa do país "dispararam contra objectos suspeitos" na província central de Isfahan, que abriga centros de produção de mísseis e instalações nucleares. O Irão negou que tenha havido um ataque com mísseis contra o país, mas fontes israelitas confirmaram ao New York Times que Israel esteve envolvido no ataque com mísseis contra o Irão. O analista político Germano Almeida, considera que o ataque era expectável. RFI: Este ataque a uma zona militar era expectável, uma vez que o grande receio de Israel é que o Irão tenha ou consiga ter uma bomba nuclear? Germano Almeida, analista político: Sim, era expectável e estava dentro dos cenários previstos. Eu recordo que o que aconteceu, a 14 de Abril, foi inédito. O Irão nunca tinha, na sua história, atacado Israel directamente. Claro que já tinha atacado Israel pelas interpostas “marionetas”, como o Hezbollah, os Houthis e o Hamas. Milícias pró-iranianas que existem porque o Irão as financia com armas. Perante esse ataque em grande escala, com mais de 300 mísseis e drones- pareceu limitado porque teve uma grande capacidade de intercepção israelita e não morreram pessoas- era evidente que Israel iria retaliar. A grande dúvida, na minha opinião, é se as coisas vão ficar por aqui. Trata-se de uma retaliação muito limitada, contida e ponderada. Eu vejo-a como uma “desescalada”. A 1de Abril, Israel ataca uma instalação consular iraniana, em território sírio, e mata líderes da guarda iraniana. Em resposta, o Irão faz um ataque inédito a Israel e as autoridades israelitas retaliam com ataques cirúrgicos, em território iraniano, a interesses militares e meramente nucleares. Mas como é que se explicam estes ataques cirúrgicos para ambas as partes? Há um receio de uma escalada de tensões, levando à entrada dos Estados Unidos ou até mesmo da Rússia neste conflito? A Rússia já está neste conflito, incitando o Irão a lançar o caos no Médio Oriente. Há um interesse claro de Moscovo em afastar as atenções da agressão gravíssima que a Rússia está a fazer na Ucrânia e que tem para nós, por exemplo, uma consequência que muita gente ainda não percebeu. E qual será a consequência? Se a Rússia ganhar na Ucrânia, será o desmantelamento de toda a arquitectura da segurança europeia. A situação no Médio Oriente tem uma perspectiva mais global, devido à ameaça nuclear iraniana e ao medo de um conflito. Estamos a falar de uma zona onde está uma boa parte dos combustíveis fósseis, podendo desencadear uma guerra regional, originando uma situação mundial descontrolada, ao nível, por exemplo, dos preços. Portanto, a Rússia tem claramente interesse em desestabilizar a região. Todavia, os Estados Unidos nunca vão deixar Israel sozinho. Os dados parecem positivos, revelando que Israel não está interessado em escalar este conflito. E o Irão sabe que num cenário de guerra directa iria perder, uma vez que os Estados Unidos e Israel teriam muito mais força. Esta semana, a União Europeia anunciou sanções contra o Irão pelo ataque que perpetrou contra Israel, numa resposta a um ataque contra um anexo consular iraniano em Damasco, na Síria. O G7 também equacionou sanções. Porém, vários analistas afirmam que o Irão não atacou, retaliou. Não seria mais equilibrado se os líderes mundiais sancionassem igualmente Israel? Não há aqui dois pesos e duas medidas? Não concordo, uma vez que se tratam de situações muito diferentes. O ataque do Irão contra Israel, na madrugada de 14 Abril, é inédito e é de uma grande dimensão. Em qualquer outro país do mundo, exceptuando os Estados Unidos, aquele ataque teria provocado uma chacina, com de mortes de civis. Só não o fez porque Israel está muito bem defendido. Este ataque mostra que o Irão já tem capacidade de usar os mísseis cruzeiro e, obviamente, os seus drones. Isso já tínhamos percebido por aquilo que a Rússia está a fazer há dois anos na Ucrânia, com os drones iranianos. O Irão mostrou que...

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Paris impaciente por acolher os Jogos Olímpicos

4/18/2024
Paris assinalou, simbolicamente, nesta quarta-feira, 17 de Abril, os 100 dias antes do início dos Jogos Olímpicos de verão. Os parisienses dividem-se entre ansiedade, em relação a um dos maiores acontecimentos planetários, e receios quanto às ameaças sobre a segurança, em plenas crises na Ucrânia ou no Médio Oriente, ou quanto à capacidade de resposta da rede de transportes. Motivos mais do que suficientes para fazermos um ponto de situação com Hermano Sanches Ruivo, vereador do décimo quarto bairro de Paris. "Estou muito positivo na espera, porque, primeiro, há dez anos que estamos a trabalhar sobre esse dossier. Depois houve a vitória, as instalações e as primeiras decisões ! A especificidade dos Jogos Olímpicos tem muito a ver, por exemplo, com o facto de já estarem construído 90% das estruturas. Portanto, a pressão sobre as obras, sobre o que era para ser construído de novo e de uma certa forma menor, e todas estão acabadas ou em fase de estar acabadas." Daí a Ministra dos Desportos dizer que de facto, estes jogos, se calhar, vão significar mais receitas para a França do que as despesas que a França teve de fazer, precisamente para algumas infraestruturas ! "É sempre difícil fazer essa contabilização porque de facto estão gastos 8 biliões, perto de 9 biliões € para os Jogos Olímpicos. Estamos à espera de 15 milhões de pessoas através dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Sabemos que uma parte da despesa também tem a ver com o investimento a longo prazo. Essa aldeia olímpica que fica depois dos jogos é um investimento." A Arena de Porte de la Chapelle é um investimento também. Portanto, a despesa por si próprio, tendo em conta o número de coisas que estão a ser agora instaladas apenas para os Jogos Olímpicos, é muito menor do que era antigamente. O saldo não pode ser, se não positivo;;. De resto, não é tanto uma questão financeira que nos preocupa. É mais, de uma certa forma, o facto de acolher o mundo inteiro, de se correr bem o peso, a pressão sobre a questão da segurança, porque se não o resto já sabemos. E quem está dentro do assunto... E eu acho que até devíamos falar disso mais de uma certa forma. Sabemos que os Jogos Olímpicos é muito para os que vêm assistir aos Jogos Olímpicos e não precisamente para aqueles que acolhem os Jogos Olímpicos. É aqui o sentimento da população. É claramente de ver algumas das vantagens de começar já a antecipar muitos inconvenientes. Alguns vão realmente mudar as datas das férias para "não estar na altura, em Paris". Quanto à segurança, falava da segurança. Refere se ao facto de que Emmanuel Macron tinha dito que achava que a Rússia necessariamente tentaria fazer alguma coisa para marcar estes Jogos Olímpicos ?É a isso que se refere ? "Infelizmente, todos podem, Todos os que têm interesse em que as coisas correm mal podem utilizar esse palco dos Jogos Olímpicos em Paris, como de resto já o utilizaram noutras alturas, outras competições ou outros eventos desta importância. A Rússia é um dos países que está na lista. Para nós, sofrer os ataques através da segurança é uma coisa. Agora, imaginar esses "lobos solitários" que poderiam utilizar um palco de alegria, mundialização positiva, aquela ideia de se mostrar ao mundo inteiro quanto a família é diversa e rica. Esses preocupam-nos claramente mais. Porque, lá está, estamos num mundo onde a noção de imagem, a noção de rede social, é de tal maneira importante que qualquer um, inclusive aqueles que procuram 15 minutos de fama, podem vir a utilizar. Portanto, é um dos principais desafios, mais do que a própria organização ou a construção ou essa cerimónia de abertura que se será de facto divulgada é muito, muito, muito, muito perto da data." Mas que, a priori, manter-se-á no rio Sena. Portanto, essa é a grande aposta de fazer um espectáculo ímpar fora do estádio, se de facto a segurança o permitir. Agora há também a questão da pegada carbono... Que deve tentar ser bastante reduzida em relação a edições anteriores ! A ideia seria...

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Corte ilegal e exportação descontrolada são a maior ameaça à Floresta do Miombo

4/17/2024
No dia em que encerra, em Washington D.C., uma conferência internacional sobre a Floresta do Miombo, promovida por Moçambique, a ONG Justiça Ambiental alerta que o Estado deve começar por proteger as florestas a nível interno. A ONG considera que é urgente impedir o corte ilegal de árvores, controlar as exportações de madeira e travar “a máfia das florestas”. Esta terça-feira, no primeiro de dois dias da Conferência Internacional sobre o Maneio Sustentável e Integrado da Floresta do Miombo, o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, alertou para as perdas anuais nesta floresta: "As ameaças decorrentes das mudanças climáticas são inegáveis e com impactos devastadores nas sociedades. Perdemos anualmente enormes porções da Floresta do Miombo, o pulmão verde do planeta." Moçambique perde todos os anos 267 mil hectares de florestas, de acordo com declarações à imprensa, em Julho, do director nacional de Florestas, Cláudio Afonso. A RFI falou com a ambientalista Anabela Lemos, directora da organização da sociedade civil moçambicana Justiça Ambiental, que alerta que a floresta “está a desaparecer” e que o Estado moçambicano deve concentrar-se em tomar medidas internas para travar o corte ilegal de árvores e controlar a exportação de madeira nos portos. A Floresta do Miombo cobre dois milhões de quilómetros quadrados e abrange 11 países da África Austral, incluindo Moçambique e Angola. É responsável pela manutenção da bacia hidrográfica do Zambeze, ao longo da qual vivem mais de 40 milhões de pessoas dos oito países atravessados por este curso de água. Além disso, a floresta fornece bens e serviços que garantem a subsistência de mais de 300 milhões de habitantes desses países, incluindo pastagens tropicais e subtropicais, moitas e savanas, constituindo o maior ecossistema de florestas tropicais secas do mundo. “O corte ilegal das florestas acontece porque não há medidas suficientes para o parar” RFI: O que é a Floresta do Miombo? Anabela Lemos, directora da Justiça Ambiental: A Floresta do Miombo é uma floresta que situa em regiões pertos dos rios e ajuda muito na qualidade da água. Sabemos perfeitamente que as florestas são importantes para todo o ecossistema e para as emissões. Qual é que é o papel desta floresta na conservação do rio Zambeze? Principalmente nesta parte do sul da África, tem várias florestas de biombos. Uma das coisas importantes é que a presença dessas florestas perto dos rios ajuda muito na questão da água. Quantidade e qualidade da água. São florestas que atravessam vários países - Angola, Moçambique, Botswana, Malawi e Congo, República Democrática do Congo, Namíbia, África do Sul, Tanzânia, Zâmbia, Zimbabwe. Qual é que deve ser o papel de cada país? E como é que os acordos transfronteiriços se reflectem ou se devem reflectir nesta gestão da floresta? Eu acho que é importante haver acordos entre os países para manter estas florestas porque é algo que está a desaparecer, está a ser super usado e há muitas questões de corte ilegal nos miombos e em todas as outras e é importante poderem juntos arranjar soluções. Além de ser uma árvore que ajuda muito a questão dos rios, também é muito importante porque as comunidades que vivem junto a essas florestas usam as folhas, usam para a alimentação dos animais e as folhas quando caem fertilizam um solo. Por isso há um constante ciclo de fertilização devido a essas árvores. Falou em corte ilegal das árvores. O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, disse na conferência que está a decorrer em Washington que perdemos anualmente enormes porções da Floresta do Miombo. Temos números concretos sobre as perdas florestais em Moçambique? Fizemos o estudo há uns anos, ultimamente não temos feito estudos, mas a percentagem era muito grande de perda das florestas. Por exemplo, começou em Cabo Delgado, Zambézia, Manica e outras províncias, agora está em Tete, que é uma das áreas do rio Zambeze com miombos e estão a destruir. O corte ilegal das florestas acontece porque não há...

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“O Sudão vive num caos humanitário”

4/16/2024
A comunidade internacional reuniu-se esta segunda-feira, 15 de Abril, em Paris e comprometeu- se a ajudar o Sudão com mais de 2 mil milhões de dólares. Há um ano que os confrontos entre as diferentes facções militares mergulharam o país numa guerra civil violenta, deixando cerca de 25 milhões de sudaneses, cerca de metade da população, a precisarem de ajuda humanitária. Em entrevista à RFI, a professora de Relações Internacionais na Universidade de Coimbra, Daniela Nascimento, considera que o país vive numa situação de caos humanitário. RFI: O Sudão está em guerra há um ano. Qual é o actual estado do país? Daniela Nascimento, professora de Relações Internacionais na Universidade de Coimbra: A situação actual no Sudão é de uma crise humanitária que se agrava a cada dia que passa. São 12 meses de uma guerra particularmente violenta, confrontos que não poupam a população civil e com um custo humano significativo. Estima-se que cerca de 15 mil pessoas já tenham morrido, em resultado dos confrontos entre os dois grupos militares. O custo humano também se verifica do ponto de vista do número de pessoas que se viram forçadas a sair ou a deslocar-se no Sudão. Uma estimativa das Nações Unidas revela que pelo menos 8 milhões de pessoas estão deslocadas forçadamente, cerca de 2 milhões procuraram refúgio nos países vizinhos, como é o caso do Chade, Egipto e Sudão do Sul. Estamos a falar de países que também são bastante instáveis e frágeis, o que também não facilita a sua situação, nem a sua segurança. A situação actual [no Sudão] é de caos humanitário. Uma das maiores crises humanitárias que vivemos no mundo hoje em dia. A ONU alerta para a vaga de refugiados, se não se fizer nada. O que precisa de ser feito para evitar que esta situação se torne pior? Se é possível, ainda, tornar-se pior… Se a guerra continuar, eu diria que é sempre possível a situação tornar-se pior. A meu ver, a única maneira de parar a situação de caos humanitário-mas também do ponto de vista daquilo que é a garantia de assistência humanitária à população sudanesa- é acabar com a guerra. Cerca de metade da população sudanesa, 25 milhões de pessoas, dependem de ajuda humanitária de organizações internacionais e não governamentais que têm imensa dificuldade em manter-se activas no terreno, em virtude das condições de insegurança. As partes beligerantes já afirmaram a sua resistência à presença de actores internacionais. Há uns meses, as próprias Nações Unidas foram consideradas “persona non grata” no território sudanês. A única forma de parar com esta situação é parar a guerra e encetar esforços direcionados à tentativa de resolução e ao diálogo entre as partes. O que, honestamente, me parece difícil, mas que deve pelo menos tentar-se. A comunidade internacional está preocupada com a situação de fome iminente no país. Há dificuldades no acesso à saúde. Como é que se deixou o Sudão chegar a esta realidade? Eu diria que, por variadíssimas razões, a comunidade internacional não está suficientemente atenta, nem em alerta para a situação humanitária que se vive no Sudão. Uma dessas razões tem a ver com um certo grau de negligência para com um país que se tornou pouco relevante para a comunidade internacional e para a agenda internacional. A partir do momento em que se assinou o acordo de paz, em 2011, com o Sul e depois, obviamente, em virtude das circunstâncias que vivemos, pelo menos desde Outubro do ano passado, com todo o foco mediático e, sobretudo, com o envolvimento de grandes potências- ou de potências que poderiam ter aqui um papel mais significativo do ponto de vista negocial- a estar direcionado para aquilo que se passa no Médio Oriente e em Gaza, desviando a atenção mediática do Sudão. O Sudão está a ser vítima de esquecimento? Sim, o Sudão é vítima de esquecimento e não é só de agora. Há muitos anos que se verifica uma situação de grande fragilidade política, social, económica e de segurança. Eu diria que desde 2011, quando o Sudão do Sul se torna...

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Médio Oriente: "Perigo de escalada é muito grande neste conflito"

4/15/2024
Depois de dias de tensão, o Irão lançou no sábado, 13 de Abril, 350 drones e mísseis contra Israel – num ataque sem precedentes, que segundo líderes mundiais deixou o Médio Oriente à "beira do precipício". A Professora no ISCTE e investigadora em assuntos do Médio Oriente, Maria João Tomás, afirma que "tudo mudou porque agora está-se à espera de um escalar [de violência] e não sabemos o que vai acontecer, é imprevisível". RFI :O que mudou com este ataque? Maria João Tomás: Mudou tudo. Depois disto nada é igual; nem o Médio Oriente, nem o mundo porque pela primeira vez tivemos o Irão a cumprir a promessa que já andava a prometer há muito tempo. Desde 79 que o Irão promete atacar Israel porque o seu grande inimigo é Israel e a seguir é o Ocidente e os Estados Unidos. É importante perceber por que motivo isto aconteceu: porque quando Xá Reza Pahlavi estava no poder e foi derrubado pela a revolução iraniana em 1979, o Irão foi o primeiro país de maioria muçulmana a reconhecer Israel. Portanto, quando os aiatolas tomaram o poder, uma das primeiras coisas que fizeram foi tentar, de alguma forma, reverter tudo aquilo que era prática no tempo do Xá Reza Pahlavi, o ódio a Israel vem daí. O que é que mudou? Mudou tudo porque agora está-se à espera de um escalar que não sabemos como e de que forma vai acontecer. É imprevisível, mas Israel vai responder. O escalar da violência está prometido. O Irão afirma ter “alcançado todos os objectivos”, acusa a ONU de ter falhado “no seu dever de manter a paz e a segurança internacionais” por não ter condenado o ataque contra o consulado iraniano em Damasco, no início do mês. Foi o que afirmou o embaixador do Irão nas Nações Unidas, durante um Conselho de Segurança convocado de urgência no ontem à noite. O diplomata justificou que nestas "condições, a República Islâmica do Irão não teve outra escolha senão exercer o seu direito à auto-defesa”, garantiu que Teerão não deseja uma escalada, mas que vai responder a “qualquer ameaça ou agressão”. Era necessária esta demonstração de força por parte do Irão? O Irão evocou o artigo 51 da Carta das Nações Unidas, que fala de direito à auto-defesa, Israel vai usar o mesmo [artigo]. Agora a proporcionalidade é que não se justifica entre bombardearem um consulado e o objectivo [do Irão] de bombardear muito mais posições, muito mais locais em Israel. Eles conseguiram atingir um aeroporto e um pouco da base aérea de Neguev, mas houve uma desproporcionalidade enorme. E eu penso que Israel vai aumentar, ainda mais, essa desproporcionalidade face ao ataque do Irão. Portanto é de esperar um escalar de violência neste momento, com todas as consequências que isso pode ter. Evocou o artigo 51, o secretário de Estado das Nações Unidas alertou ontem à noite, no Conselho de Segurança que o Médio Oriente está à beira do precipício. António Guterres condenou tanto o ataque iraniano como o ataque ao consulado iraniano em Damasco, sublinhou o princípio da inviolabilidade dos espaços diplomáticos. Esta reacção chega tarde? A reacção chega tarde, mas também não vai adiantar muito. O que se passa nas Nações Unidas é importante, tem um carácter simbólico e moral muito importante, mas infelizmente a prática depois é outra. A aplicabilidade das resoluções da ONU é muito fraca. É importante que diga, é importante que se refira, mas a aplicabilidade é pouca. Falou numa possível resposta por parte de Israel. Israel deve construir "uma coligação regional" e fazer o "Irão pagar o preço no momento certo"... Israel vai actuar sozinho e nem pode actuar com aliados. Estas são afirmações do ministro da Defesa israelita... Sim, Israel vai na frente e poderá ter apoios, como o Irão teve. O Irão teve apoio da Síria, teve apoio do Hezbollah, do Líbano, teve apoio dos Houthis. Israel vai fazer com apoios nesse sentido, de retaguarda. Os Estados Unidos nunca se vão envolver directamente porque senão teremos aqui uma outra questão, que é a questão da Rússia se envolver ao lado do Irão. O...

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"O ataque iraniano contra Israel em termos militares é um falhanço grande" - Ivo Sobral

4/14/2024
O Irão lançou neste sábado à noite um ataque com cerca de 300 drones e mísseis contra Israel, conforme ameaçava fazer há dias, na sequência do ataque atribuído ao Estado Hebreu contra o seu consulado em Damasco que custou a vida de 16 pessoas. Teerão afirma ter atingido o seu objectivo e diz considerar o assunto "encerrado" mas ameaça responder com mais força em caso de contra-ataque. Israel que, por sua vez, diz ter conseguido repelir o ataque, refere encarar a possibilidade de ripostar. A tensão subiu um novo patamar neste domingo na sequência do ataque iraniano que visou alvos militares em Israel mas não causou vítimas. Segundo o exército israelita, 99% dos cerca de 300 engenhos lançados ontem à noite foram abatidos com o apoio dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e da Jordânia. Uma base aérea no sul de Israel foi afectada, o que não a impediu de funcionar, e uma criança de sete anos foi gravemente ferida por estilhaços Nenhum outro dano grave foi relatado. Teerão que pela primeira vez lançou ontem à noite um ataque a partir do seu território contra Israel, prometeu uma resposta de grande envergadura no caso de o Estado Hebreu optar por contra-atacar. "O caso pode ser considerado encerrado", disse a missão iraniana na ONU três horas depois do início da operação "Promessa Verdadeira", dizendo contudo que "se o regime israelita cometer um novo erro, a resposta do Irão será consideravelmente mais severa". Hoje, perante esta situação, foram convocadas reuniões urgentes do Conselho de Segurança da ONU e também dos países do G7. Em Israel, a situação continua a ser de alerta. Uma grande preocupação é também manifestada pelo mundo fora, nomeadamente pelos Estados Unidos, cujo Presidente tornou a assegurar a Israel o seu apoio "inabalável", mas a Casa Branca também disse que os Estados Unidos não desejam nenhuma "nova escalada" na região ou "guerra" com o Irão. Ao condenar o que qualificou de "grave escalada", o secretário-geral da ONU, António Guterres, declarou estar "profundamente alarmado com o perigo muito real de uma escalada devastadora em toda a região" e exortou "todas as partes a darem provas da maior contenção no intuito de evitar qualquer acção que possa conduzir a confrontos militares importantes em várias frentes no Médio Oriente". "Contenção", foi também o sentido do apelo de vários países, nomeadamente do Qatar, da Arábia Saudita, do Egipto que têm tido um papel de mediação na região. Este é também o teor da mensagem de Moscovo e de Pequim que também dizem recear eventuais "escaladas". Ao condenar "firmemente" um ataque "inaceitável", o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, considerou que ele "constitui uma escalada sem precedentes e uma grave ameaça à segurança regional". No mesmo sentido, ao tecer advertências sobre uma possível desestabilização da região, o Presidente francês que em várias ocasiões garantiu o seu apoio a Israel, tornou a expressar a sua "solidariedade com o povo israelita e o apego da França à segurança de Israel, dos seus parceiros e à estabilidade regional", não deixando contudo de também apelar à "contenção". Ivo Sobral, coordenador de mestrado de Relações Internacionais na Universidade de Abu Dhabi, considera que o ataque do Irão "foi um falhanço grande em temros militares" e diz que não está no interesse de Israel responder. Contudo, não descarta totalmente um agravamento do conflito no Médio Oriente. RFI: O que se pode dizer do ataque lançado ontem à noite pelo Irão contra Israel? Ivo Sobral: Foi uma expectável resposta da República Islâmica do Irão, que não tinha outra opção senão fazer este ataque. O Irão estava numa situação de fraqueza política porque era obrigado a responder a Israel após o ataque que Israel fez na Síria, onde assassinou dois generais particularmente importantes da força do Irão. O ataque que aconteceu neste momento foi um ataque que era expectável. Existia quase uma manobra de encenação bastante previsível, com bastantes avisos, em particular...

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Tensão no Médio Oriente: O dilema do Irão

4/12/2024
No Médio Oriente aumenta a tensão com o Irão a afirmar que vai responder ao ataque israelita- que visou o consulado iraniano, em Damasco na Síria, a 1 de Abril- e os Estados Unidos a admitirem participar numa operação conjunta contra Teerão. Em entrevista à RFI, o antigo director do Instituto de Estudos e de Segurança da União Europeia, Álvaro Vasconcelos, reconhece que o Irão está face a um dilema. RFI: O líder Ayatollah Ali Khamenei disse que Israel será punido pelo ataque ao consulado iraniano em Damasco, na Síria. O Irão vai cumprir com a ameaça? Álvaro Vasconcelos, antigo director do Instituto de Estudos e de Segurança da União Europeia: O Irão tem um dilema enorme. Por um lado, não pode deixar de responder a um ataque contra o seu consulado, porque um ataque a uma representação diplomática é um ataque contra o próprio território do país. É um ataque contra todas as regras da diplomacia internacional, daquilo que é consensual em todos os Estados do mundo. O Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, esteve muito bem ao condenar este ataque. Outra questão-que não é menos importante- é que o Irão não quer que uma resposta a este ataque signifique uma escalada que ponha em causa a segurança do Irão, levando a um possível envolvimento dos Estados Unidos, ao lado de Israel, e que possa comprometer para sempre o desenvolvimento do programa nuclear iraniano. As autoridades iranianas vieram dizer que seria um ataque “controlado, destinado a avisar Israel para não repetir ataques similares”. Há aqui também uma ponderação do Irão? Sem dúvida que é uma ponderação do Irão. Se não responder, a credibilidade do Irão, internacional e sobretudo regional- que é uma questão fundamental para o Irão- a relação com as milícias que o apoiam nos diferentes países, seja no Líbano, no Iémen, na própria Palestina- fica altamente comprometida. Aliás, também no Iraque e na Síria. Portanto, o Irão tem um conjunto de proxys, organizações que estão muito próximas do Irão, aquilo a que se chama o Eixo da resistência, que inclui este conjunto de milícias, que estão à espera que o Irão dê um sinal de que não aceita um ataque contra a sua representação diplomática, ou seja, contra o próprio território.Como calibrar essa resposta? Essa é a grande questão que se coloca ao Irão. Será que essa resposta será , por exemplo, através de um ataque das milícias Houthis aos navios que atravessam o Mar Vermelho. Ataques que, de resto, já aconteceram…. Desde que Israel começou a bombardear e a destruir Gaza, o Hezbollah tem feito ataques na fronteira entre o Líbano e Israel. Mas estes ataques também são muito controlados. Cada gesto é calculado. Evidentemente que o que nós temos visto é que o Governo de Netanyahou quer manter esta tensão, quer manter uma situação de guerra, porque isso também tem a ver com a sua própria sobrevivência. Neste momento, o Governo Benyamin Netanyahou está extremamente isolado do ponto de vista internacional, houve inclusive uma resolução do Conselho de Segurança, condenando [Israel] e exigindo um cessar-fogo que não teve consequências em Gaza. A própria administração Biden foi obrigada a recuar no apoio que dava a Israel, abstendo-se nessa resolução. Joe Biden tem dito que é preciso que se alcance um cessar-fogo em Gaza. Os Estados Unidos mostraram-se solidários com as autoridades israelitas. Neste momento, responsáveis norte-americanos estão em Israel para discutir um possível ataque iraniano contra Israel. Os Estados Unidos poderão participar numa operação conjunta contra Teerão? Depende da natureza do ataque. Se tivermos um ataque, como se tem dito, em que comecem a chover sobre Israel mísseis em proveniência de vários territórios -não virão directamente do Irão- mas podem vir do Iêmen, da Síria, do Líbano e também do Iraque. Tudo isso pode criar uma situação de conflito regional em que os Estados Unidos considerem que devem intervir em defesa de Israel. Mas eu tenho a impressão que, neste momento, essas declarações...

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Reforma da política migratória da UE a caminho de uma adopção definitiva?

4/11/2024
Uma curta maioria de eurodeputados votou nesta quarta-feira a favor de uma reforma da política europeia em matéria de imigração. A adopção desta reforma que acontece a cerca de dois meses das eleições europeias, deve ainda ser confirmada em reunião do Conselho Europeu no final deste mês, antes de se observar um período de 2 anos para a transposição nos respectivos enquadramentos legais dos 27, para a sua entrada em vigor em 2026. Este novo pacto que foi obtido ao cabo de anos de negociações institui o princípio de uma solidariedade obrigatória entre estados-membros em matéria de gestão de fluxos migratórios. Face à chegada mais importante de candidatos à imigração, os 27 deverão acolher os migrantes que não possam ficar nos países onde chegaram primeiro. No caso de um país recusar acolher migrantes, é-lhe aplicada uma multa de 20 mil euros por migrantes recusados. Contudo, esta nova política introduz também mais restrições às chegadas de migrantes e processos de expulsão mais rápidos, nomeadamente com base na partilha de informações como dados biométricos. Quem já tiver sido expulso uma vez, tornará a sê-lo novamente ao abrigo deste novo dispositivo. Este texto está longe de reunir consensos. Para além da Polónia e da Hungria expressarem descontentamento, por motivos semelhantes às franjas mais conservadoras do parlamento, também partidos de esquerda e ONGs de defesa dos Direitos Humanos denunciam uma política que qualificam de desumana. Pedro Marques, eurodeputado socialista português, votou a favor deste projecto. Ele responde às críticas feitas a este texto destacando a necessidade de "mostrar aos europeus que a União Europeia é capaz de gerir as suas fronteiras". "Nós estabelecemos no Pacto para as Migrações, mecanismos independentes de controlo da forma como as pessoas serão tratadas nas nossas fronteiras quando procuram chegar à Europa. Nós queremos gerir as fronteiras, gerir com humanidade as nossas fronteiras. Ninguém defenderá mais do que nós os Direitos Humanos. Mas não aprovar o Pacto para as Migrações era continuar a ter os europeus a acreditar que nós não éramos capazes de gerir as nossas fronteiras. A partir de agora, haverá solidariedade com os países que estão na linha da frente, que recebem mais migrantes quando eles fogem das guerras, quando eles atravessam o Mediterrâneo e estão em risco de morrer. Haverá mais solidariedade europeia. Ninguém se poderá colocar de fora, mas haverá uma gestão efectiva das fronteiras, com humanidade, com humanismo", considera o eurodeputado socialista para quem a adopção deste mecanismo "foi uma grande derrota da extrema-direita que queria menos Europa". Pedro Góis, especialista de questões migratórias e professor de economia no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra reconhece que houve avanços com a adopção deste projecto, contudo ele não deixa de apontar algumas falhas em termos de respeito dos Direitos Humanos. "Há várias abordagens possíveis. A abordagem sobre algum retrocesso nos Direitos Humanos dos migrantes parece-me óbvia, uma vez que há um acordo de recolha de dados biométricos na fronteira num período de sete dias, o que significa que provavelmente as pessoas ficarão retidas na fronteira durante esse período. Isso é obviamente, um retrocesso a um avanço relativo, que é de pensarmos que a União Europeia, os países, os Estados-Membros finalmente se entenderam quanto ao que devem fazer em termos de responsabilidade para com os pedidos de asilo que acolhem, seja recolhendo-os no seu território, seja contribuindo para um fundo comum que permita que outros territórios os acolham. Isso parece-me talvez o avanço mais interessante" considera o universitário. Questionado sobre a possibilidade, contemplada nesse dispositivo, de a União Europeia tornar a estabelecer parcerias com países terceiros, nomeadamente a Mauritânia, a Tunísia e o Egipto, para "filtrar" as chegadas de migrantes, apesar de ONGs denunciarem o tratamento reservado aos migrantes nesses...

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Gaza: “Estamos perante uma verdadeira tragédia humanitária”

4/10/2024
Quando passam seis meses da guerra entre Israel e o Hamas, a RFI entrevistou o director executivo da Agência da ONU para as infra-estruturas e gestão de projectos, Jorge Moreira da Silva, que visitou há dois meses a Faixa de Gaza. O alto funcionário da ONU descreve uma situação dramática no enclave, alertando que uma operação em Rafah irá representar uma “tragédia de enorme escala”. O senhor visitou recentemente Gaza. Que situação encontrou no terreno? Fui a Gaza há dois meses para, desde logo, perceber as condições que permitam acelerar a entrada e a distribuição de ajuda humanitária no terreno e para me encontrar com a minha equipa. A situação que encontrei, na altura, foi uma situação dramática, trágica que, obviamente, só se agravou nos últimos dois meses. Como está a ser feita a gestão da ajuda humanitária no terreno? O grande problema é que estamos a falar de um contexto de guerra e, em contextos de guerra, é sempre muito difícil desenvolver operações de ajuda humanitária, mas nunca como neste caso. Costumamos dizer que até as guerras têm regras e uma das regras é assegurar que a ajuda humanitária chegue àqueles que mais precisam e que a distribuição seja segura, que as pessoas que estão a ajudar não estão em risco. Ora, neste caso, tudo isto está a acontecer. Os civis estão a ser alvo de bombardeamentos e, portanto, temos perdas civis. Primeiro do lado de Israel, no dia 7 de Outubro, com o ataque hediondo do Hamas que matou mais de 1000 pessoas e depois, nos últimos meses, com mais de 33 mil palestinianos que perderam a vida. Temos logo aqui um problema trágico em que civis inocentes estão a ser os mais penalizados por esta guerra. E depois há uma segunda dimensão que passa pelo facto de não se conseguir fazer a distribuição da ajuda. Temos camiões com alimentos, medicamentos, água que estão prontos para entrar, mas a decisão de fiscalização e de inspecção dos camiões torna essa entrada muito lenta. Em alguns casos, pode demorar entre 4 a 30 dias, estando ali apenas a poucos quilómetros do enclave. E depois, a parte mais complicada, é que dentro de Gaza não estão verificadas as condições de segurança. Portanto, só para lhe dar um exemplo, há muito que não chega a ajuda humanitária ao norte de Gaza. Nos últimos meses, só 40% de todos os pedidos de distribuição de alimentos no interior de Gaza foram rejeitados. Porquê? Porque não há condições de segurança. Sabe-se que há determinados artigos que não entram no território. Como é casos dos brinquedos… Essa é outra dimensão que torna o problema da distribuição da ajuda ainda mais difícil. Trata-se de um número muito significativo de materiais que são rejeitados, por serem considerados de uso múltiplo. Isto é, podem ter componentes que podem servir para o fabrico de armas ou [de materiais] de agressão. E, portanto, Israel tem tido uma posição muito restritiva em relação a alguns artigos. As Nações Unidas têm lamentado e denunciado essa situação,porque às vezes basta uma única caixa num camião ser rejeitada para que todo o camião seja rejeitado. O que significa que temos toneladas e toneladas de ajuda humanitária a serem rejeitadas. Nas Nações Unidas e em toda a comunidade internacional, ligada à ajuda humanitária, temos estado empenhados em exigir um cessar-fogo, a libertação incondicional de todos os reféns e a garantia de que a ajuda humanitária possa chegar a quem mais precisa. Temos trabalhado de forma a tornar as coisas mais rápidas, com mecanismos de fiscalização e de monitorização nas fronteira, assegurando que aquilo que entra em Gaza é aquilo que faz mesmo falta. Temos estado a desenvolver um mecanismo para ter uma logística centralizada e coordenada daquilo que entra em Gaza. Mas nada consegue substituir uma coisa que é parar o conflito e garantir um cessar-fogo. Cinco organizações não governamentais submeteram uma petição no Supremo Tribunal israelita na esperança das autoridades facilitarem a chegada da ajuda humanitária ao enclave. Israel tinha até...

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