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Festival cabo-verdiano em busca de oportunidades na Bienal de Dança de Lyon
9/23/2025
O artista Djam Neguin, director artístico do Festival Kontornu, em Cabo Verde, foi à Bienal de Dança de Lyon para tentar dar visibilidade ao seu jovem festival e criar conexões com artistas e programadores. O coreógrafo e bailarino acredita que portas se abriram e que “alguma coisa que vai ser conspirada” entre a Bienal de Dança de Lyon e o Festival Kontornu.
Neste programa conversamos com Djam Neguin, director artístico do Festival Kontornu, que acontece na cidade da Praia, em Cabo Verde. Trata-se de um jovem Festival de Dança e Artes Performativas e ainda é pouco conhecido no mundo da dança contemporânea. Por isso, Djam Neguin conta que lutou muito para ir à Bienal de Dança de Lyon, onde conseguiu “fazer um pitching do Festival Kontornu para mais de cem programadores e bastantes deles ficaram interessados no festival”. Além disso, o coreógrafo e bailarino acredita que alguma coisa que vai ser conspirada” entre a Bienal de Dança de Lyon e o Festival Kontornu. Djam Neguin sai “muito mais rico” deste evento, onde finalmente conseguiu ver espectáculos de coreógrafos que acompanha há anos através de imagens na internet. Para um artista, “uma das partes mais importantes da criação é poder ver criação”, lembra Djam Neguin, esperando que os nomes da dança mundial possam também passar por Cabo Verde.
Como tem sido a Bienal de Dança de Lyon para si?
Djam Neguin, Director artístico do Festival Kontornu: “Estou aqui em representação do Festival Kontornu, que é o Festival de Dança e Artes Performativas que acontece na cidade da Praia, na Ilha de Santiago. Foi o edital Circula, que é um edital do Ministério da Cultura, que possibilitou a minha vinda. Consegui assistir a espectáculos a que de outra forma não teria acesso. Acho que a curadoria do festival é muito boa, consegue ter aqui também a presença de vários artistas brasileiros, alguns dos quais eu já tenho algum contacto, o que é bom também para esse reencontro. Ha ainda o Fórum em que consegui participar dois dias e que consegue reunir aqui os programadores do mundo inteiro. Consegui fazer um pitching do Festival Kontornu para mais de cem programadores e bastantes deles ficaram interessados no festival.”
Como é que aconteceu essa apresentação?
“Era um encontro dos programadores. Eles pediram para falarmos de um artista que que gostássemos de apresentar e eu apresentei o Festival Kontornu que é a arte mais bonita que eu tenho estado a fazer, e convidá-los todos a ir para a próxima edição. Houve bastante bom feedback. Acho que a bienal está a permitir este espaço de encontros que os emails não conseguem proporcionar. E a presença também de um artista que vem de um contexto onde é muito difícil pensar ainda em estar em grande escala, conseguir estar num festival desta dimensão é muito importante para o retorno e para também levar o nome de Cabo Verde cada vez mais dentro do circuito das artes performativas.”
Quais é que eram as expetactivas e qual é o retorno desta participação pela primeira vez na Bienal de Dança de Lyon?
“É muita coisa. São muitos espectáculos, as expectativas sempre foram altas porque a Bienal sempre teve essa reputação de ser um festival de grande qualidade, de programação e de organização. Isso cumpriu-se. Vê-se muita variedade, vi espectáculos muitos distintos, alguns muito próximos em termos de propostas temáticas, acho que também faz parte da linha curatorial conseguir trazer espectáculos coisas que dialogam entre si e com o nosso tempo. Eu saio daqui muito mais rico enquanto espectador, também enquanto artista e enquanto curador por ter conseguido estabelecer contactos com outros programadores e outros artistas que eu nunca conseguiria de outra maneira porque realmente a Bienal consegue trazer a atenção internacional através dessas cooporações e projectos, sobretudo, com o apoio do Instituto Francês.”
Graças a esta participação, conseguirá levar a Bienal de Dança de Lyon a Cabo Verde?
“Eu espero que sim. O director da Bienal [Tiago Guedes], que por...
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“A dança em Moçambique está a ferver”
9/23/2025
A frase é dita por uma bailarina e coreógrafa, ainda que a própria reconheça que elas “são poucas em Moçambique e até em África”. É durante a Bienal de Dança de Lyon, que decorre até 28 de Setembro, que Janeth Mulapha nos lembra que “a dança em Moçambique está a ferver” e não é de agora. Nesta conversa sobre dança contemporânea, mulheres, arte e mercados, Janeth Mulapha desafia os programadores a sairem da zona de conforto e a olharem para Moçambique.
Há dois anos, na Bienal de Dança de Lyon, Quito Tembe, o director artístico do festival moçambicano Kinani, dizia-nos que se estava a viver “um momento histórico” para Moçambique na dança contemporânea. Nesta edição, Quito Tembe trouxe Ídio Chichava, o coreógrafo moçambicano que tem corrido palcos internacionais, nomeadamente os franceses, e que é um dos destaques no programa desta Bienal de Lyon, um dos maiores eventos da dança contemporânea.
“A dança em Moçambique está a ferver”, diz-nos a coreógrafa e bailarina Janeth Mulapha, que aguarda pela sua oportunidade para mostrar o seu trabalho em Lyon e que lembra que Moçambique está a fazer história há bastante tempo, mas as atenções não estavam para ali viradas. Janeth Mulapha lembra que “a semente” lançada por Ídio Chichava também tinha sido semeada pelos coreógrafos Panaibra Gabriel, Horácio Macuacua e Augusto Cuvilas. Ela trabalhou com todos como bailarina, mas também é coreógrafa e as suas criações olham para a vida das mulheres em Moçambique. Janeth Mulapha lembra que artistas bailarinas e coreógrafas “são poucas em Moçambique e até em África”, mas são essas lutas quotidianas das mulheres que fazem “ferver” as suas peças e alimentam as suas criações. No final de Novembro, uma delas poderá ser vista no Kinani, em Maputo.
Nesta conversa realizada nos corredores da Bienal de Dança de Lyon, Janeth Mulapha lembra que o mundo não é feito de uma só cor e desafia os programadores a sairem da zona de conforto, a olharem para novos talentos e a arriscarem em Moçambique.
RFI: Veio a esta Bienal de Dança de Lyon à procura de oportunidades? Ou para vincar que este lugar também é vosso e que a dança moçambicana está a impor-se, nomeadamente com o Ídio Chichava a apresentar aqui uma peça que já rodou em várias outras cidades francesas, incluindo em Paris?
Janeth Mulapha, coreógrafa e bailarina: “Estar na Bienal é vir ver as propostas que a bienal contém e levar daqui um aprendizado de como é estar nestes mercados. Sim, estamos aqui representados pelo Ídio Chichava, mas creio que serei a próxima a fazer aqui a minha apresentação também dos meus trabalhos e que a dança em Moçambique está a ferver. De facto, estamos há bastante tempo nessa afirmação e satisfatoriamente podemos dizer hoje que sim, Moçambique existe, porque existimos já há um tempo, mas é continuar a dizer que estamos ali firmes e que não estamos a abandonar este assunto que levamos muito a sério. É uma forma de vir aqui afirmar que existe um lugar onde tem que se ir, que é Moçambique, que a dança em Moçambique fala também a voz do mundo.”
A Janeth Mulapha é uma das vozes e um dos corpos que fazem ferver essa dança em Moçambique. Quer falar-nos de si e do trabalho que tem desenvolvido?
“Sim, eu e o Ídio praticamente trabalhamos de forma meio parecida, mas eu sou mais à procura do género, eu estou mais no género feminino, sou mulher e somos poucas em Moçambique, e até em África, como bailarinas e coreógrafas porque não é fácil. Eu sou mãe, sou esposa, são multitarefas que eu tenho para além de ser artista. Ser artista em África e, ao mesmo tempo, poder fazer as outras tarefas, eu sempre digo que ser mulher é uma empresa, é criar uma empresa, e empresa não é para pequena gente. Para mim, como Janeth, eu estou mais na afirmação do género, trabalho muito com mulheres. Em África dançamos todos os dias, acordamos dançando, as mulheres dançam, vão ao mercado e dançam, estão a cozinhar e dançam. Eu não vou à procura da estética de alguém que tem uma estética para ser...
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Moçambique e Brasil mostraram “outras maneiras de pensar a dança” na Bienal de Lyon
9/22/2025
A Bienal de Dança de Lyon contou, nesta 21ª edição, com um novo espaço internacional de debate, de pensamento e de criação, “Fórum”, animado por cinco curadores de Moçambique, Brasil, Austrália, Taiwan e Estados Unidos. O moçambicano Quito Tembe e a brasileira Nayse López integraram esta “primeira geração de curadores do Fórum” que mostrou “outras maneiras de pensar sobre a dança” e trouxeram artistas que ocuparam um edifício histórico com acções e espectáculos, como Ídio Chichava e o colectivo Original Bomber Crew.
Quito Tembe é director artístico da KINANI - Plataforma Internacional de Dança Contemporânea de Maputo e convidou o coreógrafo moçambicano Ídio Chichava para criar um espectáculo com o público durante a Bienal de Dança de Lyon. Nayse López é jornalista e directora artística do Festival Panorama, um dos maiores festivais de artes cénicas do Brasil, e convidou o colectivo Original Bomber Crew para o Fórum. Ela também co-programou o foco de criação brasileira nesta bienal, intitulado “Brasil Agora!”.
Fomos conversar com ambos sobre o que é este Fórum, o novo espaço internacional de debate, de pensamento e de criação da Bienal de Dança de Lyon, que durante uma semana ocupou o edifício histórico da Cité Internationale de la Gastronomie e mostrou que “as placas tectónicas da dança estão a mexer”. Nas palavras de Nayse Lopez, esta “primeira geração de curadores do Fórum” trouxe outras “maneiras de pensar sobre a dança e sobre a prática da criação artística em dança” e desafiou a Bienal de Lyon a “ir para o mundo, mais do que trazer o mundo para cá” e a focar-se em “outros trabalhos não conformativos com o que se chama na Europa de uma dança contemporânea de grande escala”. Quito Tembe lembra que Ídio Chichava e o colectivo Original Bomber Crew, por exemplo, têm em comum um “lugar de autenticidade” e de “verdade” artística da prática de uma dança alicerçada na realidade das suas comunidades. Afinal, “não é uma companhia de dança, não é um grupo de dança, é uma família que se constitui”.
RFI: O que é este Fórum da Bienal de Dança de Lyon?
Nayse López, Curadora do Fórum: “O convite do Tiago foi um convite para que a gente trouxesse outras visões de mundo para dentro de uma Bienal que é o maior evento de dança do mundo, mas que também por conta desse tamanho, dessa história, está há muito tempo no mesmo lugar, dentro de uma lógica muito centro-europeia. Acho que a ideia do Tiago era justamente que nós os dois, mais a Angela Conquet, da Austrália, a Angela Mattox, dos Estados Unidos, e o River Lin de Taiwan, a gente pudesse trazer outros tipos de maneiras de pensar sobre a dança e sobre a prática da criação artística em dança. Aí chegámos a este formato, em que cada curador trouxe um artista e eles ocupam este prédio durante uma semana, com diversas acções.”
Quito Tembe, Curador do Fórum: “Deixa-me dizer que estou muito contente de fazer esta entrevista porque também a fizemos há dois anos e era o início deste mesmo programa e lembro-me que na altura ainda não sabíamos definir muito bem o que é que isto ia ser. Hoje estamos aqui e hoje já estamos mais claros. Eu costumo dizer que este ainda não é o projecto, que este ainda é o início de um grande projeto que vem aí, ou melhor, que gostaríamos que viesse aí.”
Que projecto seria esse?
“O fórum tem que se transformar em tudo aquilo que a gente lá atrás prometeu que deveria ser. Penso que este momento que estamos a vivenciar do Fórum é de extrema importância porque marca o início de algo que ainda vai chegar à altura daquilo que nós gostaríamos que fosse.”
O Quito Tembe convidou Ídio Chichava. Porquê?
“Acho que é este o lugar do questionamento e o desafio que nos é colocado, e olhar para a cena africana e moçambicana, Ídio Chichava é um destes artistas que está a questionar muito. O trabalho dele é o espelho disso, do questionamento e de pôr não só em palavras, mas pôr em cena quais são estes questionamentos sobre a cena da dança internacional.”
A Nayse López convidou...
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Ídio Chichava levou “o poder da dança” moçambicana à Bienal de Dança de Lyon
9/22/2025
O coreógrafo e bailarino moçambicano Ídio Chichava apresenta dois projectos na Bienal de Dança de Lyon, considerada como o principal evento de dança contemporânea do mundo. “Vagabundus” chega a Lyon a 24, 25 e 26 de Setembro, depois de ter estado em vários palcos internacionais, incluindo em Paris. Ídio Chichava também criou uma peça participativa durante a bienal, “M’POLO”, em que transformou os espectadores em intérpretes de rituais e danças moçambicanas.
Ídio Chichava acredita profundamente no que chama de “poder da dança”, um lugar onde “o corpo tem capacidade para mudar o mundo”. É na “força do colectivo” que reside essa magia, alimentada por tradições ancestrais, mas também por saberes e vivências impressas nos próprios corpos. Ídio Chichava descreve Vagabundus como “uma experiência humana, uma experiência de vida sobre fronteiras e sobre raízes”. A força da peça reside nesse poder do colectivo, na exigência técnica dos bailarinos e da escrita coreográfica, não havendo decoração ou cenários. Uma simplicidade aparente que diz muito sobre a falta de financiamento para a cultura em Moçambique, mas que, com o tempo, se transformou “numa riqueza”, conta Ídio Chichava.
Vagabundus tem corrido mundo e revelado o coreógrafo nos circuitos internacionais da dança contemporânea. Pelo caminho, Chichava venceu o Salavisa European Dance Award da Fundação Calouste Gulbenkian e com o prémio espera abrir uma escola de dança em Maputo. Agora, apresenta, pela primeira vez, Vagabundus na Bienal de Dança de Lyon, o ponto de encontro de programadores, directores de festivais e artistas, que decorre durante o mês de Setembro.
O caminho para Lyon foi feito com o convite de Quito Tembe, director artístico da KINANI, Plataforma de Dança Contemporânea, em Maputo, e que é um dos cinco curadores internacionais nesta 21ª edição da bienal francesa. Cada curador podia escolher um artista dos seus países e Quito Tembe foi buscar Ídio Chichava e os seus bailarinos para representarem Moçambique. Além das conferências em que falou sobre a potência e as dificuldades da dança em Moçambique, Ídio Chichava criou, ‘in loco’, um “espectáculo participativo”, segundo as palavras da bienal, “um ritual de encontro”, de acordo com o artista. Em três dias, transformou dezenas de espectadores em intérpretes e quis “desconstruir essa compreensão sobre o que é o espectáculo e a dança contemporânea”. O resultado tem como título M’POLO, Rituais do corpo vivo e insuflou uma rajada de liberdade, alegria, cânticos e dança para todos. Nas palavras de Ídio Chichava, o tal “ritual de encontro” pretendeu “reconectar o ser humano com ele próprio” e foi “um lugar onde todos podem estar juntos”.
Ídio Chichava: “Sou alguém que acredita muito no poder da dança”
RFI: Como é que descreve “Vagabundus”, essa força da natureza que vos tem levado mundo fora?
Ídio Chichava, coreógrafo e bailarino: “Eu descrevo como uma espécie de movimento que pensa muito colectivo e tenta encontrar sempre a força do colectivo a partir do olhar que eu tenho sobre cada indivíduo e a forma como nós vemos a relação inter-humana. ‘Vagabundus’ é mais uma experiência humana, mais uma experiência de vida sobre fronteiras e sobre o sobre lugar, sobre raízes mesmo.”
“Vagabundus” é profundamente ancorado em Moçambique, na sua ancestralidade. Quer falar-nos sobre isso?
“Sim, está muito fixo nisso, muito apegado a isso. Primeiro, há um lugar que nós não podemos fugir. Eu não posso fugir, nem os intérpretes, nem qualquer pessoa que faça parte deste projecto ‘Vagabundus’ pode fugir pelo facto de sermos todos formados em danças tradicionais. Somos pessoas que têm uma formação, que têm fundamentos sobre danças tradicionais e desenvolvemos o nosso trabalho sempre com essa consciência de quem somos e que queremos partilhar com os outros.
Depois, é pelo facto de Moçambique também ter uma história de migração muito forte, principalmente com a África do Sul. A outra coisa é pelo facto de eu próprio ter escolhido...
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A dança pode ser uma forma de autodefesa num mundo de violência
9/21/2025
A dança pode ser uma forma de autodefesa e contra-ataque perante a violência e usar ferramentas como ternura e cumplicidade para desarmar os adversários. O espectáculo “Repertório N.2”, de Davi Pontes e Wallace Ferreira, fala disso e propõe “outras formas de olhar para a coreografia e para a dança”. A peça foi apresentada na Bienal de Dança de Lyon que decorre até 28 de Setembro.
RFI: De que fala o “Repertório N.2”?
Davi Pontes: “’Repertório N.2’ faz parte de uma trilogia de coreografias para pensar a autodefesa. ‘Repertório’ começou no Brasil em 2018, quando a gente se encontrou para pensar, a partir de uma pergunta que era: Como fazer uma coreografia de autodefesa? Essa pergunta inicia o projecto. Talvez seja a pergunta que se faça até hoje, enquanto a gente passa e pensa o trabalho.”
Quando vemos o espetáculo, também se vê muita ternura na troca de olhares, muita cumplicidade… Vai para além da autodefesa?
Wallace Ferreira:“Eu acho que a cumplicidade é uma forma também de autodefesa. A gente comunica muito através do olhar e a gente se protege e ataca muito através do olhar. Existe uma comunicação só entre nós durante a peça, o público consegue ver uma camada, mas existe uma outra camada muito maior. Então, talvez seja uma forma também possível de pensar a autodefesa.”
Autodefesa contra o quê?
Davi Pontes: “A gente começa o projecto, em 2018, e se a gente consegue imaginar o Brasil naquele contexto, com a escalada do governo Bolsonaro e tantas outras coisas acontecendo, mais do que uma palavra para pensar, é uma palavra que estava dentro do nosso universo, era a nossa única possibilidade naquele momento. É interessante porque agora, alguns anos depois, mesmo com a prisão do Bolsonaro, as coisas que ele fez, o imaginário que ele criou não tem fim. Parece que essa palavra continua sendo usada e parece que a autodefesa talvez seja uma maneira ética de pensar a vida para além de qualquer outra coisa.”
É autodefesa também em relação a uma população específica, em relação às minorias, em relação à subida dos populismos e da extrema-direita?
“A gente pode pensar dessa maneira, da autodefesa como um contra-ataque a essas violências do Estado e da polícia ou de qualquer outro lugar da violência. Mas eu sinto também que a autodefesa é um espaço para pensar que, mesmo nas nossas relações menores, a gente produz violência e cada corpo também elabora a sua própria capacidade de se defender. Talvez o trabalho fale de coisas que são maiores, mas também de coisas que são menores dentro do contexto de autodefesa. Quando se olha para o trabalho e se lê o trabalho, é um trabalho sobre violência e ela está ali porque dentro do projecto as coisas acontecem. Mas também é um trabalho de cumplicidade, de companhia, muitas palavras que também aparecem junto com a autodefesa, não só a violência.”
O espectáculo é feito de movimentos repetitivos. Como nasceram eles? E porquê o silêncio, a ausência de música, o concentrarem-se na marcha dos pés a baterem no chão?
Wallace Ferreira: “A gente começa em 2018 a pesquisar sobre maneiras de se pensar a autodefesa e ataque. Essas pisadas, que a gente chama de pisadas, foram surgindo durante o processo de ensaio. Algumas pessoas relacionam a algumas práticas já existentes no mundo, mas a gente não se quis focar em nenhum tipo de prática marcial específica. Enfim, a gente foi entendendo como seria possível num processo de laboratório. Então, essa pisada foi-se dando durante o processo. Acho que ela vai-se adaptando e foi-se construindo durante um tempo. Pensar inclusive o silêncio foi uma coisa que veio com o tempo. Pensar não só o silêncio porque eu não acredito que a peça tenha silêncio. A gente costuma dizer que é uma peça que fala muito, não existe um silêncio. Não tem um momento onde a gente não tenha som. A peça tem muito som o tempo inteiro. Talvez não tenha música, mas eu também acredito que tenha música. A gente está o tempo inteiro produzindo sons e até no silêncio é possível ouvir algumas...
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Desporto é "acelerador cultural e acelerador económico" da Arábia Saudita
9/19/2025
Até 2030, a Arábia Saudita quer que o sector do desporto no país valha 22 mil milhões de euros. Números cada vez mais próximos com grandes estrelas, como Cristiano Ronaldo, a jogaram no país, mas investimento não se limita apenas ao futebol, com grandes apostas no ténis, golfe, equitação ou mesmo e-sports. Este é também um sector que pode trazer mudança cultural ao país, numa altura em que a Arábia Saudita ainda é citicada por desrespeito dos direitos humanos e considerada como uma ditadura.
A Arábia Saudita está a afirmar-se como uma das potências mundiais do futebol, tendo atraído nos últimos anos estrelas do futebol como o português Cristiano Ronaldo ou o franco-argelino Karim Benzema, mas também treinadores, preparadores físicos ou dirigentes vindos de todo o Mundo para dinamizar o campeonato saudita – que tem agora transmissão em vários países. A Arábia saudita vai mesmo organizar o Mundial de 2034, uma atribuição criticada devido ao facto de o país não ter pluralidade política e de acusações de desrespeito dos direitos humanos.
No entanto, a aposta da Arábia Saudita não fica pelo futebol, e o país está a tentar atrair torneios de ténis, golfe e outras modalidades.
Diogo Aires Coelho é líder de projectos na consultora Boston Consulting Group, vive em Riade e já aconselhou as autoridades sauditas no sector do Desporto e explicou em entrevista à RFI que esta aposta está a servir para diversificar a economia do país, mas também para motivar os seus cidadãos a praticarem mais actividade física, ajudando também o país a alargar o seu soft power e influencia internacionalmente.
"O desporto, nomeadamente o futebol, é uma grande paixão que os sauditas têm já há muito tempo. Ou seja, não é, não é uma coisa fabricada agora, não é uma coisa nova. Mas acho que é importante perceber o contexto do país. É um país que historicamente tem sido um país mais fechado, mais conservador e que teve uma nova liderança. O príncipe herdeiro começou a ter mais protagonismo na última década, alguém bastante jovem e que trouxe uma nova visão. Um dos objectivos era a Arábia Saudita, que depende muito do petróleo, tentar diversificar economicamente para outras áreas. O desporto permite um impacto na economia, mas depois também há um impacto que tem na vida social e na qualidade de vida das pessoas que estão aqui. E por último, também tem um ângulo de marca país", indicou Diogo Aires Coelho que vive e trabalha há quatro anos na Arábia Saudita.
Actualmente, as receitas do petróleo e dos investimentos ligados aos combustíveis representam menos de 50% do PIB do país, com actividades como o turismo, serviços financeiros, construção civil ou transportes a crescerem nos últimos anos. O desporto enquadra-se nesta procura de diversificação, com o consultor português a afirmar que até 2030 este sector vai criar mais 200 mil postos de trabalho.
Ao mesmo tempo, desde 2017, data de chegada do príncipe herdeiro e primeiro-ministro, Mohammad bin Salman bin Abdulaziz Al Saud, ao poder, o país começou progressivamente a permitir às mulheres conduzirem ou entrarem num estádio de futebol, algo completamente poribido antes. Para Diogo Aires Coelho o desporto poderá servir de acelerador social face às regras ainda conservadoras do país, já que actualmente há cada vez mais meninas sauditas a praticar desporto - há mesmo uma selecção nacional feminina de futebol.
"Eu penso que o desporto tem um papel aqui de uma espécie de acelerador cultural, também acelerador económico. De facto, estamos a falar de um país em que isto é muito recente e onde houve muitas limitações de liberdade a vários níveis, não é? E, por exemplo, as mulheres não podiam guiar em 2018. As mulheres não podiam ir a um estádio de futebol. Só a partir de 2018 é que passaram a poder ir. E o que se tem visto é que muitas famílias agora vão aos estádios de futebol e enchem os estádios. E isso, de facto, é um acelerador da mudança cultural a que se está a assistir. Também começa a haver cada vez mais...
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Investigadora alerta que França vive “crise democrática e social”
9/17/2025
Os sindicatos prometem uma “quinta-feira negra” em França, uma jornada de greves e manifestações contra cortes orçamentais anunciados no Verão e que descrevem como sendo de uma “brutalidade sem precedentes”. As pessoas pedem “justiça social” e que o Presidente Emmanuel Macron oiça os protestos, resume Luísa Semedo, investigadora doutorada em Filosofia Política e Ética. Para ela, a França está perante “uma crise democrática e social” e “um descrédito total em relação à Presidência de Macron”. Luísa Semedo avisa que se Emmanuel Macron “não tomar iniciativas para mostrar que percebeu que a crise é muito mais profunda, o movimento vai aumentar” e a extrema-direita vai continuar a subir.
RFI: Quais as razões das greves e manifestações desta quinta-feira?
Luísa Semedo, Investigadora doutorada em Filosofia Política e Ética: “De modo mais geral, o que se está a passar é o fim da ‘Macronia’. Ou seja, estamos mesmo a chegar ao fim de um sistema que não é assim tão democrático como isso. Macron já teve várias derrotas a nível de eleições, democráticas, e que fazem com que as pessoas já estão fartas da parte que tem a ver com a democracia e depois tem a ver também com as medidas que têm sido anunciadas, quer pelo governo de Barnier, quer pelo Governo de Bayrou, que vão sempre no mesmo sentido que é de cortar tudo o que tem a ver com o social, com a justiça social. As pessoas estão fartas, têm a sensação que são elas sempre a pagar e que continuamos a fazer a mesma política que é de não tocar nos patrimónios, nas empresas, nas pessoas mais ricas. É querer justiça social.”
Caiu o antigo primeiro-ministro, François Bayrou. O novo primeiro-ministro, Sébastien Lecornu já desistiu da supressão de dois feriados, por exemplo, e não rejeitou ainda totalmente as medidas fiscais sobre os altos rendimentos. Mesmo assim, as pessoas têm razões para se manifestarem esta quinta-feira?
“Sim, sem dúvida, porque o primeiro-ministro está numa fase de negociação e de calibragem em relação àquilo que vai poder fazer ou não. O movimento pretende fazer com que a balança venha para o lado da justiça social, fazer com que haja pressão no primeiro-ministro para que ele perceba que a rua não quer, de todo, continuar com o mesmo estilo de governação.”
O novo primeiro-ministro falou na possibilidade de rever todas as regalias vitalícias dos antigos primeiros-ministros e ministros. O que acha deste anúncio?
“Isso é muito típico. São medidas simbólicas, cosméticas, para dar uma impressão de estar se a ocupar da doença democrática que é dizer: ‘Vejam, povo, como nós, enquanto classe política, estamos a tratar das nossas próprias regalias’. Para mim é só cosmética e é diversão, não tem, de todo, impacto na vida dos franceses.”
Relativamente à dívida pública e à necessidade de poupanças de 44 mil milhões de euros, de acordo com o ex-primeiro-ministro, isto parece ser algo abstracto para os franceses, mas é um problema.
“Sim, sim, é abstracto, mas os franceses sabem quem é que vai pagar. Foi o que aconteceu com Bayrou. Ou seja, mesmo que as pessoas não entendam exactamente do que é que estamos a falar e da amplitude daquilo que está em causa, as pessoas percebem perfeitamente quais são as medidas e em quem é que essas medidas vão tocar. E perceberam perfeitamente que o Bayrou, independentemente de ele poder ter razão em teoria, aquilo que ele queria meter em prática para tratar o problema, era ir tocar nas pessoas mais pobres. Ou seja, mais uma vez sem justiça social, e questão está aí: Ok, há um problema, mas quem é que vai pagar esse problema? Se é para haver ainda mais injustiça social, as pessoas não estão dispostas a isso e isso elas percebem perfeitamente.”
No dia 10 de Setembro, as pessoas foram para a rua seguindo o apelo do movimento ‘Bloquons Tout’, [‘Bloquer Tudo’]. Agora é a intersindical que apela à greve e às manifestações na rua. Como é que olha para este movimento, para as perspectivas de desenvolvimento do próprio movimento e quais são as...
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Fitch baixa rating da dívida soberana da França de AA- para A+
9/13/2025
A agência de notação financeira Fitch baixou esta noite o rating da dívida francesa para A+ com perspectiva estável. Esta degradação é um reflexo da instabilidade política vivida no país que desde Junho de 2024 já teve três primeiros-ministros diferentes.
Nem a nomeação apressada do fiel Sébastien Lecornu, que já ocupou várias pastas nos diversos Governos indicados por Emmanuel Macron, como primeiro-ministro impediu a Fitch, umas principais agências de notação financeira, de baixar o rating da divída francesa de AA- para A+.
Esta é uma degradação que acontece ainda com uma perspectiva estável, mas que dependerá do desempenho da economia e da política interna francesa nos próximos meses, especialmente no que toca à aprovação do próximo orçamento, um desafio para Lecornu.
Para Pascal de Lima, economista chefe da consultora francesa CGI Business, esta diminuição já era esperada e terá algumas consequências.
"Era esperada por duas razões. A primeira é que a última notação da França da Fitch foi uma notação com uma perspectiva negativa e, portanto, quando uma agência de notação fala de perspectiva negativa é porque se o défice continua a aumentar, se a dívida pública continua a aumentar, haverá um impacto negativo. A segunda razão é que vimos nos mercados financeiros que os investidores já tinham integrado totalmente essa degradação da notação. [...] Eu acho que pode haver duas consequências. A primeira é um aumento, um ligeiro aumento da taxa a 10 anos das obrigações públicas francesas e segundo um aumento do risco dos investidores que investem na obrigações da França. E segundo, porque a taxa de juro a 10 anos é uma taxa de referência para todo o mercado bancário, é um ligeiro aumento da taxa de crédito para os créditos imobiliários dos franceses", explicou o economistra franco-português.
Segundo Eric Dor, director de Estudos Económicos da IESEG - Escola de Gestão de Paris e Lille, a redução da nota da dívida francesa vai levar a que haja um aumento dos preços em França e menos dinheiro disponível para o investimento público, já que a dívida tem de ser reembolsada aos credores, agora com juros mais elevados.
"Em termos práticos, os mercados estavam a pedir à França que pagasse taxas de juros mais altas do que as cobradas por países com classificações mais baixas como Espanha e Portugal, por exemplo. Portanto, esta diminuição é lógica. Se isto terá um grande impacto nos mercados? Inicialmente, não, não podemos esperar que a taxa de juros da dívida da França suba muito a partir de segunda-feira. É mais uma perspectiva a longo prazo, especialmente se a instabilidade política continuar e haja dificuldade em aprovar um orçamento que seja realmente um orçamento de rigor e consolidação das finanças públicas. Portanto, veremos um aumento lento na taxa de juros que a França paga sobre sua dívida pública, mas não é uma crise de dívida soberana. A França não perderá o acesso aos mercados, mas simplesmente pagará cada vez mais. E assim o custo da dívida aumentará, em detrimento de outros gastos públicos mais úteis", explicou Eric Dor em entrevista a Anieshka Koumor.
Segundo relatório elaborado pela Fitch, esta instabilidade política "enfraquece a capacidade do sistema político de realizar uma consolidação fiscal importante e torna pouco provável que o défice fiscal seja reduzido a 3% do PIB até 2029, como havia sido estabelecido como meta pelo governo cessante". Caso não haja um "plano credível" para a redução do défice, a Fitch ameaça voltar a baixar a nota da dívida francesa.
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Gonçalo Mabunda leva esculturas da paz ao centro de Moçambique
9/11/2025
O artista Gonçalo Mabunda está a levar as suas esculturas, fabricadas com antigas armas de guerra, a Tete, Chimoio e Beira, no centro de Moçambique. A exposição chama-se “Os Adivinhos dos Fabricantes da Paz” e é composta por máscaras, tronos e totems que mostram que a arte pode ser uma arma contra a guerra.
O artista Gonçalo Mabunda está a levar as suas esculturas, fabricadas com antigas armas de guerra, ao centro de Moçambique. A exposição chama-se “Os Adivinhos dos Fabricantes da Paz” e já esteve em Tete de 1 a 6 de Setembro, em Chimoio, de 10 a 16 de Setembro, e vai para a Beira de 22 a 26 de Setembro. Gonçalo Mabunda tem as suas obras expostas em vários museus e centros de arte internacionais, mas, dentro do seu país, esta é a primeira vez que expõe fora de Maputo.
As esculturas de Gonçalo Mabunda são feitas com armas desactivadas da guerra civil. Este trabalho começou em 1997 quando ele foi convidado a transformar armas em arte. A sua obra carrega, assim, a memória do passado e alerta para a permanente fragilidade da paz. Os tronos, por exemplo, inspirados na arte africana tradicional e fabricados com despojos de guerra, são uma crítica aos governos africanos que frequentemente usam a violência armada para reforçar o poder.
O convite a Gonçalo Mabunda para fazer esta exposição itinerante veio de Ivan Laranjeira, que assume a curadoria da mostra, no âmbito do projecto PRO-PAZ, um consórcio constituído pela Associação IVERCA, o Instituto para a Democracia Multipartidária, a associação LeMuSiCa e a ONG italiana Comitato Internazionale per lo Sviluppo dei Popoli.
“É um projecto que retrata e exalta a paz e a reconciliação nacional. Este projecto acontece no âmbito dos acordos de DDR – Desmilitarização, Desmobilização e Reintegração - e como uma componente da Reintegração, nós temos desenvolvido acções de socialização e de sensibilização das comunidades, a partir da arte e da cultura, como um veículo para passar estas mensagens pacíficas, de pacificação e de coesão social para que as comunidades possam voltar ao seu convívio normal, independentemente das cores e daquilo que são as suas crenças. Ao longo destes três anos, temos trabalhado em três províncias de Moçambique: Tete, Manica e Sofala, que foram as províncias mais assoladas deste conflito que deu lugar ao DDR”, conta Ivan Laranjeira.
O projecto PRO-PAZ tem desenvolvido, por exemplo, trabalhos com as escolas, criação de clubes de leitura, formação de grupos culturais, concertos e a gravação de um álbum com artistas destas províncias.
Agora, o também director do Museu Mafalala Ivan Laranjeira, decidiu convidar para o projecto Gonçalo Mabunda que descreve como “activista da paz por excelência” e “o bispo das artes”.
“Em primeiro, o Gonçalo Mabunda é, sem dúvida, um artista de uma dimensão estratosférica. Onde ele vai, arrasta atenções e arrasta multidões. É um mecanismo importante de sensibilização para as autoridades e para as pessoas que normalmente fazem essa guerra despertarem, através dos artefactos que ele usa e também pela mensagem que está patente nesses mesmos artefactos. Em segundo, ele é um activista da paz por excelência, o bispo das artes, é uma pessoa que tem feito um trabalho extraordinário na questão da paz. Em terceiro, este mesmo artista, com todo este percurso e com esta visibilidade internacional, em Moçambique nunca tinha exposto fora da capital Maputo. Quem, de facto, viveu o conflito e quem sofreu com a guerra, nunca tinha tido a oportunidade de ver e testemunhar aquilo que é a obra que ele produz e como ele transforma materiais associados à violência a elementos pacíficos e esteticamente bonitos e que possam trazer um quê de esperança para esta mesma comunidade."
Pensar a guerra e o passado através da arte é o convite de “Os Adivinhos dos Fabricantes da Paz”. Para ver em Chimoio e na Beira nos próximos dias.
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Revolta portuguesa ecoou na véspera de jornada de manifestações em França
9/10/2025
A crónica filmada da luta de uma aldeia portuguesa foi exibida em Paris na véspera de um dia de protestos em toda a França. O filme “A Savana e a Montanha”, que em França adoptou o título “Covas do Barroso – chronique d’une lutte collective”, do realizador Paulo Carneiro, foi apresentado, esta terça-feira, no festival “Traversons vers le Brésil”, que decorre até 20 de Setembro.
Entre western e fábula, o filme “A Savana e a Montanha” conta a história dos habitantes de uma aldeia no norte de Portugal que se insurgem contra a ameaça da implementação de um mega projecto internacional de exploração de lítio. Qual o peso de uns quantos agricultores frente um Golias apoiado pelo Governo? A questão ficou no ar horas antes de mais uma mega mobilização social em França e a coincidência das lutas foi levantada pelo realizador na conversa com o público.
A RFI foi perguntar a Paulo Carneiro como anda a resistência em Covas do Barroso e que outras lutas está a preparar neste momento em Paris, pouco mais de um ano depois de ter estado na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cinema de Cannes. O cineasta revelou-nos que foi seleccionado para uma residência artística na Cité Internationale des Arts e que está a desenvolver o guião do seu próximo trabalho. Será o seu quinto filme e vai contar a história de uma líder sindical num supermercado do bairro da Pontinha - onde ele cresceu - e o aproveitamento político e mediático que é feito em torno da sua luta.
“A Savana e a Montanha” é um dos filmes do evento “Traversons vers le Brésil”, que decorre no teatro Traversière, em Paris. Na segunda-feira, houve concerto da portuguesa Silly e esta quarta-feira sobe ao palco a cantora cabo-verdiana Lucibela. Também hoje é exibido o filme “Hanami”, de Denise Fernandes, rodado na ilha do Fogo. A 18 de Setembro há, ainda, concerto do grupo brasileiro Devotos e, no dia seguinte, é projectado o filme “O Som ao Redor” do realizador brasileiro Kleber Mendonça Filho. O programa termina a 20 de Setembro com Roda de Samba.
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Exposição em Paris homenageia música de intervenção portuguesa
9/5/2025
A Casa de Portugal na Cidade Universitária de Paris, vai acolher, de 13 de Setembro a 31 de Outubro, uma exposição sobre a actividade musical dos exilados portugueses em França durante a ditadura do Estado Novo (1933-1974), em particular da geração que se opôs às guerras coloniais dos anos 60 e 70 em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Neste programa, conversamos com Agnès Pellerin, uma das coordenadoras da exposição.
A exposição “Chansons de l’Exil Portugais à l’Aube de la Révolution des Œillets” vai ser inaugurada a 13 de Setembro e fica patente até 31 de Outubro na Maison du Portugal-André de Gouveia, na Cité Universitaire Internationale de Paris. A mostra junta 13 painéis com cerca de cinquenta ilustrações, nomeadamente capas de discos, panfletos, fotografias, e é acompanhada por um guia que permite ouvir online alguns excertos sonoros com traduções em francês. Através da música, é apresentado o percurso de várias figuras da música de intervenção portuguesa que se exilaram em Paris, como José Mário Branco, Luís Cília, Tino Flores, Sérgio Godinho, Francisco Fanhais, que nas suas canções denunciam a ditadura, a pobreza em Portugal e a guerra colonial.
“Esta exposição em francês é uma exposição documental que retoma elementos de uma exposição que já foi feito no âmbito do Observatório da Canção de Protesto, em Grândola, em 2020. É uma pequena adaptação, tradução e também com novos elementos para atingir um público que não seja especialista e conhecedor da música portuguesa, nem lusófono, porque também envolve excertos de canções online com traduções em francês. A ideia deste trabalho sobre música e exílio é interrogar os percursos dos músicos, a dimensão biográfica, mas também interrogar as narrativas individuais à luz das ligações deles com as culturas do país de acolhimento, incluindo as de outras comunidades exiladas. Os portugueses em França encontraram cá nos anos 1960, 1970, espanhóis que estavam a fugir do franquismo, depois gregos, chilenos, brasileiros e nasceram músicas que sofreram estas influências todas”, conta à RFI Agnès Pellerin, investigadora em estudos culturais e uma das coordenadoras da exposição.
Em França, o contexto é radicalmente diferente. Para começar, há liberdade de gravação, de criação e de difusão de canções de protesto que seriam imediatamente censuradas em Portugal e que denunciam abertamente as guerras coloniais, como, por exemplo, “A Bola” de Luís Cília, “Deserção” de Tino Flores, “Ronda do Soldadinho” de José Mário Branco. Criticam, ainda, a repressão, as prisões e a polícia política da ditadura, como “Vampiros” de José Afonso, “Queixa das almas jovens censuradas” e “Perfilados de Medo” de José Mário Branco e “Porque de Francisco Fanhais. Outras canções falam sobre a emigração, os seus sonhos e as suas desilusões, como “Bairro de Lata” de Luís Cília, “Por Terras de França” de José Mário Branco, “Cantar de emigração” de Adriano Correia de Oliveira, “Que força é essa, amigo” de Sérgio Godinho e recentemente adaptada por Capicua.
O vento revolucionário de Maio de 68 também agita os exilados portugueses, muitos dos quais ocupam, por exemplo, a Casa de Portugal e se inspiram para criar canções como “Les Mille et Une Nuits” de Sérgio Godinho. Depois, é a própria “chanson française”, na forma e no conteúdo, que contaminam os músicos portugueses, como Luís Cília, apadrinhado por Georges Brassens e que viria a gravar um tema de Brassens adaptado por ele, “A Má Reputação”.
Incontornável é a história mais conhecida da gravação, em 1971, da música que é o emblema da "Revolução dos Cravos", “Grândola Vila Morena”. Uma das fotografias centrais da exposição evoca justamente essa altura, com Francisco Fanhais, José Afonso e José Mário Branco de braço dado, no Château d’Hérouville, nos arredores de Paris.
Ainda que haja um foco na criação musical dos anos 60 e 70, a exposição também aborda o percurso de Fernando Lopes-Graça. É que, em Maio de 1937, fugindo à repressão política do Estado Novo, Fernando...
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Moçambique é “zona de charneira” para compreender evolução humana na Pré-História
8/25/2025
Pesquisas arqueológicas em Moçambique estão a mostrar que o país foi uma “zona de charneira” nas movimentaçoes de populações entre a África Austral e a África Oriental na Pré-História. O trabalho está a ser orientado pelo arqueólogo Nuno Bicho que contou à RFI ter encontrado entre “300 ou 400 jazidas arqueológicas com vários períodos”, as mais importantes no Vale do Limpopo, no Vale do Save e junto ao ao Lago Niassa.
Nuno Bicho começou as pesquisas arqueológicas em Moçambique há 15 anos. Desde então, o arquólogo da Universidade do Algarve encontrou entre “300 ou 400 jazidas arqueológicas com vários períodos”, nomeadamente no Vale do Limpopo, no Vale do Save e junto ao ao Lago Niassa.
“Nós temos várias jazidas arqueológicas que são, digamos, dos últimos 100 mil anos”, ou seja, na Idade da Pedra Lascada, explica o investigador, acrescentando que há um “conjunto alargado de ocupações de várias Idades”.
Moçambique é uma peça central para compreender a mobilidade das populações dentro de África e assim ir percebendo melhor o puzzle da evolução humana. Nuno Bicho explica porquê:
“A nossa espécie Homo Sapiens aparece há cerca de 300 mil anos em África e move-se no continente africano e, por vezes, saiu do continente africano. Mas do ponto de vista genético, nunca teve resultados evidentes e apenas uma saída de África, da África Oriental, há cerca talvez de 80 mil anos, entre 80 e 60 mil anos, deu resultado para aquilo que somos hoje e espalhou a nossa espécie por todo o mundo.
Aquilo que eu, neste momento, estou a tentar perceber, é como é que dentro de África, dentro do espaço do continente africano, se deram essas movimentações que permitiram a saída desse grupo, há cerca de 80 mil anos, para fora de África. Nós sabemos que há principalmente duas áreas muito importantes do ponto de vista de desenvolvimento cultural: uma é a África Austral e a outra é a África Oriental. Nós não sabemos ainda qual é a relação entre as duas e, aparentemente, do ponto de vista genético, parece haver informação que sugere que o grupo que saiu para fora da África veio da África Austral. Portanto, era fundamental perceber-se o que é que acontece entre as duas regiões. Ora, Moçambique é uma das áreas com potencial para se perceber como é que se deu esta mobilidade, esta migração interna ao continente africano e a ligação entre as duas regiões.”
Assim, “Moçambique é uma zona de charneira” na conexão de populações que se movimentavam entre a África Austral e a África Oriental na Pré-História. Agora, é preciso perceber quando e como se cruzam.
“Vamos proceder a um conjunto de análises, essencialmente de modelação matemática, que juntam os dados que vêm da África Austral com os da África Oriental e tentar perceber exactamente quando e como é que se deu esta passagem entre as duas áreas. Moçambique, naturalmente, estando no meio, é sem dúvida nenhuma, um elemento importante que nos vai permitir perceber esta movimentação e conexão”, acrescenta Nuno Bicho.
Nas jazidas arqueológicas de Moçambique encontraram-se materiais dos nossos antepassados porque, geralmente, eram zonas com actividades diárias destes “caçadores-recolectores”.
“Aquilo que nós podemos concluir é que muito devido às características dessa cultura material das ferramentas, parece haver uma diferença marcada entre a zona do Niassa e a zona do Save e do Limpopo e, portanto, significa que há áreas de influência cultural que são diferentes. Muito provavelmente do Niassa estão ligadas com Tanzânia e o Malawi (como regiões que se conhecem hoje politicamente), enquanto que as zonas do Save e do Limpopo se encontram mais relacionadas com a África Austral. Isso sabemos.
Sabemos que eles utilizavam um conjunto alargado de espécies de animais, não sabemos quais ainda, mas saberemos no futuro através de várias análises.
Sabemos que eles utilizavam um conjunto de outras espécies, nomeadamente espécies aquáticas, porque temos um conjunto alargado de conchas de várias espécies nalguns dos sítios...
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Companhia portuguesa A Nariguda levou "humor universal" ao Festival de Teatro de Aurillac
8/24/2025
Milhares de pessoas encheram diariamente a cidade francesa de Aurillac durante o Festival Internacional de Teatro de Rua, que terminou este sábado. À margem do programa oficial com 19 companhias convidadas, foram 640 as “companhias de passagem” que apresentaram os seus espectáculos gratuitamente, o que constituiu um desafio financeiro para a maior parte delas. Nesta entrevista, vamos conhecer a experiência da companhia portuguesa A Nariguda, que actuou pela primeira vez em Aurillac.
RFI: Como é que nos descrevem a peça que trouxeram ao Festival de Aurillac?
Eva Ribeiro: “A Aparição é um espectáculo que pretende provocar o riso, mas também provocar emoções e provocar uma relação de grande cumplicidade com o público. É um espectáculo que aborda o tema da fé, das religiões, mas de uma forma muito absurda, e utiliza as linguagens do clown. Tem esta relação de grande cumplicidade com o público, mas também da comédia física e do humor absurdo. É um trabalho que foi dirigido pelo belga Tom Roos há seis anos e, desde então, já temos circulado por várias salas e festivais.”
Incluindo no estrangeiro?
Rafa Santos: “Sim, incluindo no estrangeiro. Aqui em França também.”
Eva Ribeiro: “Estivemos em Grenoble em Maio, e o espectáculo já foi apresentado várias vezes em Espanha, em vários festivais, e também no Brasil, em festivais e mostras internacionais.”
Como é que o público deste festival vos tratou? Como é que reagiu ao espectáculo?
Eva Ribeiro: “Tivemos experiências diferentes. Nos três dias em que apresentámos, no primeiro dia, tivemos um público muito participativo, muito numeroso também, e nos outros dois dias foi um público mais tímido, talvez devido ao local que era um local um bocadinho ingrato. Nós trabalhamos com o silêncio e gostamos de trabalhar o incómodo que nasce desse silêncio. Talvez o espaço não tenha sido o mais feliz, mas tivemos muito bons retornos das pessoas que assistiram e isso foi muito positivo. Foi muito bom. Realmente é um espetáculo que quer abordar a fé e o amor, mas também o humor universal.”
As pessoas riem imenso, muito mesmo com a personagem da Rafa…
Rafa Santos: “As pessoas recebem das duas. Eu tenho um apontamento aqui, ela tem um apontamento ali e isso é que é uma dinâmica.”
Eva Ribeiro: “Uma dinâmica clássica, é o que chamamos “o branco e o Augusto”, a autoridade e aquela que quebra a norma. Então, nesta dupla, nós decidimos explorar essas relações clássicas de palhaçaria, que vêm até do circo tradicional, mas trazendo primeiro para o universo feminino, o que é uma apropriação de gags clássicas e sketches clássicas do circo, e depois também para uma linguagem contemporânea. Mas baseia-se muito nessa relação de autoridade que eu represento, a seriedade, a norma, o social. E a personagem da Rafa representa o quebrar da norma, o extravasar, o ir mais longe. E, claro, o público adora isso e libertar-se com isso. Nós adoramos realmente esta dinâmica por causa desse efeito que produz, essa liberação também, porque nós precisamos de rir destas normas sociais em que vivemos.”
Como é que correu? Financeiramente valeu a pena?
Eva Ribeiro: “É muito complicado avaliar porque realmente é um festival que não oferece as condições a que nós estamos habituadas. Nós somos uma companhia profissional e, realmente, para nós é uma aposta. É vir aqui, mostrar o trabalho, e também na esperança de que esse retorno venha posteriormente, não é? Já nos aconteceu em outras ocasiões, mas realmente é uma pena que não sejam dadas um pouco melhores condições às companhias.”
Que tipo de condições?
Eva Ribeiro: “Condições básicas, alojamento, alimentação, pagamento de deslocações. Normalmente esse é o básico que a gente pede é não ter que pagar para trabalhar. E neste festival nós tivemos que pagar para trabalhar. E isso é um pouco um sinónimo de precariedade quando nós nos queremos afastar dessa condição. Mas infelizmente o festival não suporta esses custos nem tão pouco de cachê. Normalmente, estes festivais, pelo...
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As aventuras da Companhia Seistopeia no Festival de Teatro de Aurillac
8/24/2025
Como é actuar num mega-festival europeu de artes de rua, com mais de 700 espectáculos diários numa cidade de 26.000 habitantes que, em quatro dias, junta acima de 150 mil pessoas? As expectativas de encontrar produtores e programadores no Festival Internacional de Teatro de Rua de Aurillac, em França, são grandes, mas o desafio financeiro é imenso para a maior parte das 640 “companhias de passagem” que participam à margem do programa oficial. Foi o caso da companhia portuguesa “Seistopeia” que nos contou a sua aventura, expectativas e dissabores relativamente à participação no festival que terminou este sábado.
RFI: De que falam os espectáculos que trouxeram a Aurillac?
Vítor Rodrigues: “A primeira peça que trouxemos foi ‘Soul Trio’, que é inspirado no ‘Soul Train’, que era um programa dos anos 70, em que havia muitos bailarinos, um apresentador muito charmoso. Então, nós decidimos criar esta peça inspirada nesse programa em que os nossos personagens também são bailarinos e dizem-se os salvadores das festas e os salvadores da alma das festas. Eles vêm tentar trazer a alegria às ruas.”
E depois vão deambular por elas…
Vítor Rodrigues:“Exactamente porque não é um espectáculo, na verdade, é uma performance. A ideia desta performance não é que as pessoas párem a nossa beira para ver ali alguma coisa muito concreta. É só que se sintam ali energizadas, de alguma forma, e que batam um bocadinho o pezinho, dancem um bocadinho connosco, que sorriam um pouco. A segunda peça é ‘Os Irmãos Fumière’.”
Marisa Freitas: “Chama-se ‘Irmãos Fumière’, é inspirada nos irmãos Lumière e é uma peça inspirada no cinema mudo, em que se quer trazer aquelas memórias antigas do cinema, que também está muito próximo do teatro físico e, portanto, continua dentro da linguagem da Seistopeia, e é uma peça que traz animação e boa disposição ao público.”
O facto de a apresentarem em França, na terra dos irmãos Lumière, traz algo especial?
Marisa Freitas: “Ela é muito recente, é uma estreia internacional, é a primeira vez que estamos a fazê-la fora de Portugal e senti que o público mal nos viu reconheceu logo que éramos dessa altura do cinema mudo. Foi bastante positivo.”
Inês Jesus: “Tivemos o apoio da GDA, que é uma fundação portuguesa que apoia diversos espectáculos e apoia desde a criação a circulação dos projectos internacionalmente. No nosso caso, o apoio foi para a criação, foi para podermos montar este espectáculo.”
Como é estar no Festival Internacional de Teatro de Rua de Aurillac no meio de 640 “companhias de passagem”? Como é em termos de apoios? Como correu?
Marisa Freitas: “Nós devemos começar por dizer que isto é um investimento nosso, actores e pessoas, nem sequer a companhia tem poder económico para financiar a viagem até cá. Portanto, é um esforço colectivo. Nós os quatro juntámos dinheiro, juntámo-nos e viemos. Em termos de apoio da organização, sentimos um bocado de abandono porque não há um espaço específico ou suficiente para o artista, por exemplo. Eles sabem que algumas companhias de passagem vêm com tenda e não há um espaço só para as companhias. As companhias acampam - e nós estamos a acampar - juntamente com o público. Depois é público que uns são mais diurnos, outros são mais nocturnos e levamos com os barulhos de todos eles. Os que acordam de manhã acordam-nos, os que vêem mais espectáculos à noite não nos deixam dormir. Faltam casas-de-banho nessa zona também para o público porque estamos à beira de duas pastilhas.”
“Pastilles” que é o nome dos espaços de actuação…
Marisa Freitas:“Sim. Exacto. As zonas de actuação são 'as pastilhas'. Há um descuido que eu sinto para com o artista e também para com o público. Há uma casa-de-banho num espaço onde há dois palcos e todas as manhãs acordamos com, pelo menos, 50 ou 100 pessoas à espera para ver um espectáculo.”
O Vítor também se sente um pouco abandonado pelo festival?
Vítor Rodrigues: “Sim, de certa forma. Uma coisa que me deixou um pouco chateado foi que nós temos que pagar...
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A imaginação não tem limites na viagem à infância de Renato Linhares
8/23/2025
O coreógrafo e bailarino brasileiro Renato Linhares levou a performance “SHAMPOO [Autobiografia do Chão]” ao Festival Internacional de Teatro de Rua de Aurillac, em França. É sobre rodas que ele conta a sua história, cruzando dança, circo, teatro, patinagem artística e muito movimento ao ritmo de música ao vivo e de ruídos que cria com os objectos inesperados que arrasta. Tudo parte de uma memória de infância: as esculturas de sabão e os penteados de senhora que fazia no chuveiro. “Um manifesto” a lembrar o poder da imaginação das crianças, diz Renato Linhares.
RFI: Como é que descreve a peça “SHAMPOO [Autobiografia do Chão]”?
Renato Linhares, Coreógrafo e bailarino: “É um espectáculo sobre rodas. Eu faço o espectáculo todo sobre patins. A patinagem artística é uma modalidade, uma fisicalidade que eu tenho no meu corpo desde que sou muito pequeno. Comecei a patinar com dez anos em Porto Alegre, que é a cidade onde eu nasci. Patinei durante nove anos profissionalmente e fui esse tipo de criança que não teve infância, que passou a vida inteira dedicado ao desporto. Durante a pandemia, eu resolvi voltar a patinar e comprei uns patins para sair de casa, pegar ar, voltar a exercitar-me, fazer alguma coisa que não fosse encerrado dentro de casa. Quando eu fiz esse regresso, esse tipo de movimentação, eu comecei a imaginar esse espectáculo.
A coisa toda gira em torno de uma imagem da minha infância, que é uma memória. Eu, muito pequeno, com seis ou sete anos, tinha um cabelo comprido e ficava, como muitas crianças, fazendo penteados com champô. Fazia coques altos, fazia actrizes de novela, de cinema, fazia os cabelos da minha mãe e da minha irmã, sempre cabelos de personagens femininos, de mulheres. Eu já tinha a consciência de que aquele mundo se encerrava ali. Foi quando eu comecei a poder tomar banho sozinho.
Era um lugar onde eu podia imaginar, onde a minha imaginação ia mais longe do que eu podia exercer na minha vida. Então, foi a partir dessa imagem que era produzida dentro do banheiro, esse jogo, essa brincadeira de criança que depois se desfazia com a janela aberta porque o vapor levava a existência daquele mundo. Quando eu saía do banho, eu já não podia mais ser, de certa forma, aquela criança. E eu resolvi fazer um espectáculo."
Um regresso à infância e uma grande brincadeira em palco?
"Um manifesto também. Lembrar que a criança pode imaginar tudo. Que tolos somos nós de pensar que elas estão restritas à nossa imaginação ou àquilo que a gente as permite imaginar, ou que a gente sonha que elas imaginem ou que a gente deseja que elas imaginem. Elas estão imaginando coisas incríveis. Um mundo em destruição elas são capazes de entender qualquer coisa, de vislumbrar qualquer mundo. Então, é uma espécie de manifesto: deixem as crianças imaginar o que elas quiserem, isso não faz diferença, pelo contrário, quanto mais a gente puder imaginar e não precisar realizar certas coisas, penso que pode ser melhor."
Para recriar esse imaginário, recorre a vários objectos inesperados, nomeadamente os plásticos. Quer-me falar dessas escolhas?
"Sim, foi uma escolha bastante prática. Quando você patina, por causa da velocidade que o corpo é capaz de criar, você produz vento. Então, desse sistema, dessa tecnologia que os patins produzem, eu fui pensando em coisas. Comecei a encher um saco desses de supermercado e fui brincando com ele, vendo. Olha, o ar entra, o ar fica por causa da velocidade dos patins eu sou capaz de inflar sacos muito grandes. Comecei a produzir esses infláveis, há um que tem 19 metros, outros de 15 metros de comprimento e três de largura. Eu faço esses grandes banhos de espuma, grandes banheiras, grandes nuvens, pensei naquilo que flutuava no ar, por motor.
Comecei a trabalhar e a pesquisar formas com materiais plásticos e, aos poucos, fui vendo que patinar era também fazer desenhos coreográficos no chão. Eu fui vendo que também estava construindo uma história que se passava no rés-do-chão, muito próximo daquilo...
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Marina Guzzo abriu “espaço para contemplação” da natureza no Festival de Aurillac
8/23/2025
A 38ª edição do Festival Internacional de Teatro de Rua de Aurillac homenageou o Brasil, com vários criadores brasileiros no programa oficial. A artista Marina Guzzo apresentou “Mistura”, um atelier performativo que se transformou num desfile "profano e sagrado" com muitas plantas, cores e brilhos. Mais de vinte personagens, alegorias de uma outra forma de habitar o mundo, deambularam pelas ruas da cidade em passo lento e contemplativo, acompanhado por murmúrios que convidaram a uma pausa colectiva. “Este é um projecto que nasce de um desejo de cultivar a beleza da contemplação que as plantas ensinam”, resume a artista, para quem “a contemplação é uma resistência política”.
Foi um atelier performativo que explorou as relações coreográficas e rituais entre pessoas e plantas. Foi também um laboratório sensorial onde se inventaram outras formas de habitar o mundo e gestos lentos que travaram o frenesim das vidas contemporâneas. Tudo começou com um atelier comunitário durante uma semana e terminou numa experiência performativa colectiva no Festival Internacional de Teatro de Rua de Aurillac, em França. Este foi um espaço para simplesmente “cultivar a beleza que as plantas ensinam”, contou à RFI Marina Guzzo. Inspirada pela lentidão e quietude, a artista convidou os participantes a criarem uma “comunidade provisória” para procurarem “a beleza da vida” na relação com uma natureza cada vez mais fragilizada e domesticada. Juntos, foram criando o que Marina Guzzo descreve como “coreografia vegetal”, que consiste em “olhar para si e pensar como se mover num outro tempo e com uma outra pele vegetal”. No dia do desfile, houve uma deambulação pelas ruas da cidade, num gesto artístico colectivo que reivindicou “um tempo lento e de contemplação” e uma “mistura com a natureza”. É que, diz Marina Guzzo, nos dias de hoje, “abrir um espaço para a pausa e para a contemplação é uma resistência política”.
RFI: Em que consiste a “Mistura” que apresentou no Festival de Aurillac?
Marina Guzzo, Artista: “Este é um projecto que nasce de um desejo de cultivar a beleza da contemplação que as plantas nos ensinam. É inspirado na possibilidade de a gente se tornar outra coisa mais que humana. Ele nasceu num momento muito duro da minha vida pessoal, da vida do planeta que foi a pandemia. A gente estava confinada em casa e eu comecei a passear, com a minha filha pegar em flores e também pegar e tirar as roupas guardadas da festa que estavam no armário, os figurinos, os brilhos, os carnavais que estavam guardados e quietos. Aí comecei esse jogo de misturar plantas e roupas e brilhos e memórias de uma beleza mais para além do que é uma vida quotidiana e muito veloz desse tempo da produtividade, muito inspirada pela possibilidade de uma lentidão, de um descanso, de uma quietude que a gente tem quando a gente está perto das plantas, na natureza, na floresta. E aí este projecto começou a tornar-se nesta oficina performativa.”
Como é que funcionou o processo criativo, nomeadamente aqui em França?
“Aqui no festival, a gente fez uma chamada aberta para participantes. A gente fez uma semana de trabalho intenso para construir estas figuras a partir de um acervo que eu já trago, que é um acervo que se vai construindo nos lugares que eu vou passando, das plantas que têm aqui em Aurillac e do desejo também das pessoas de se transformarem. Então é uma prática colectiva de montagem desses seres mais que humanos.”
Quem são esses seres?
“Eles são misturas, são seres encantados também. Há um pouco de encanto, de alegria, de beleza, de cor. É um pouco estranho, mas é engraçado, um pouco profano, mas também é um pouco sagrado no sentido de que a natureza é sagrada. Também tem um trabalho corporal e coreográfico de busca desse tempo lento, dessa coreografia vegetal. Durante todos estes dias, a gente trabalhou o que eu chamo de coreografia vegetal, que é olhar para si e pensar como se mover num outro tempo com uma outra pele vegetal.”
Hoje em dia as pessoas estão...
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A dança pode ser um “ritual de cura” contra a fatalidade climática
8/22/2025
A bailarina e coreógrafa brasileira Vânia Vaneau apresentou a peça “Nébula” no Festival Internacional de Teatro de Rua de Aurillac, em França. “Nébula” sugere que a dança pode ser um “ritual de cura” contra a fatalidade climática, algures entre rituais animistas e pés assentes na terra.
É em plena floresta que um círculo de terra queimada serve de cenário para “Nébula”. A peça de Vânia Vaneau e da companhia Arrangement Provisoire inspira-se de uma paisagem pós-apocalíptica para imaginar “uma alternativa, outro tipo de tempo, de atenção e de sensibilidade". Num ritmo lento e contemplativo, a intérprete avança pelo espaço decorado de carvão, rochas vulcânicas e lentes reflectoras. Em conversa com a RFI, a coreógrafa contou que “a peça começou a ser pensada num momento de uma fatalidade climática” e perante “uma impressão de que já é tarde demais”. Porém, a dança pode ser um “ritual de cura” capaz de “inventar um futuro novo” através de uma “força mais feminina e de valores mais animistas” que respeitem a natureza.
RFI: Que paisagem é esta que escolheu para fazer esta peça?
Vânia Vaneau, Coreógrafa: “Esta peça vem-se inserir numa paisagem natural, num bosque. Aqui nós estamos num bosque e a versão exterior da peça - porque também tem uma versão para o palco, para o teatro - foi pensada para este tipo de espaço de floresta, de paisagens às vezes também vulcânicas porque a paisagem cenográfica da peça é uma paisagem carbonizada e queimada que começa com carvão, com pedras vulcânicas e, pouco a pouco, ela vai-se iluminando com materiais reflexivos, como espelhos, e logo com cores, com pedras preciosas, flores. Essa paisagem vai-se tornando vida, se reanimando pela actividade do corpo, que vai activando esse espaço e dando vida a forças e entidades um pouco invisíveis e que estariam sendo destruídas já. Então, é reconectar com o que está vivo.”
Como é que surgiu a ideia de fazer a peça e até que ponto é também um alerta político para a necessidade de proteger a natureza?
“A peça começou a ser pensada num momento de uma fatalidade climática, uma impressão de que já é tarde demais. Mas o que fazer depois? Depois desse fim? Se já há uma destruição da natureza, o que podemos imaginar depois? É uma peça que tenta projectar também um futuro possível, inventar um futuro novo através de uma força mais feminina, mais intuitiva, de valores mais animistas que consideram uma horizontalidade do humano com o que não é humano. Isso é totalmente oposto às formas de poderes e à mentalidade política que a gente vive já há muitos anos, muito masculina, consumista, com poderes muito autoritários e que estão principalmente preocupados em produzir, mesmo se for para destruir todas as fontes naturais que fazem da gente seres vivos como os outros.”
É uma peça ecofeminista que também faz pensar no Brasil e nas tragédias ecológicas que o Brasil tem vindo a viver?
“O começo da pesquisa foi justamente em 2019, quando teve fogos muito grandes na Amazónia, criminais, pela política de Bolsonaro. Então era uma resposta, buscar uma alternativa. Não vim criticar ou denunciar isso, mas propor uma alternativa, outro tipo de presença, outro tipo de qualidade de tempo, de atenção, de sensibilidade, que é realmente mais ligado ao feminino. E também porque eu sou uma mulher e eu estou actuando na peça, mas eu acho que além de homem e mulher, é mais essa fonte, potência feminina mesmo.”
Há uma escrita coreográfica baseada em formas da natureza. Há uma atenção particular aos objectos e àquilo que está em palco, entre aspas, aqui na floresta. Como é que se prepara e se opera esse diálogo entre o humano e o não humano?
“Para mim, é um diálogo mesmo. Os objectos, os materiais, são na maior parte orgânicos, mas também tem materiais que levam mais para esse lado mais futurista de olhar o futuro. Tem lentes, tem fornos solares, mas são objectos que levam a olhar para mais longe, para o espaço, para o cosmos. Para mim é um diálogo. Eu dou vida para os materiais, eles dão...
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Clarice Lima plantou um mundo do avesso no Festival de Teatro de Aurillac
8/22/2025
A coreógrafa brasileira Clarice Lima plantou florestas efémeras e viradas de pernas para o ar no Festival de Teatro de Rua de Aurillac. “Bosque” é uma peça contemplativa de um mundo do avesso que quer despertar preocupações ecológicas e “desacelerar a dopamina e rapidez do mundo”.
É no silêncio que uma floresta nasce do asfalto, ergue-se pelos ares e desafia a força da gravidade. Mas aqui são pessoas que estão de pernas para o ar numa suspensão e movimentos muito lentos. Vestidos com saiotes volumosos e coloridos, os intérpretes personificam uma natureza poderosa, mas também frágil. Quanto tempo consegue o corpo aguentar ao contrário? Quanto tempo a floresta consegue resistir e até que ponto o mundo está do avesso e o que fazer com isso? Esse parece ser o mote da peça “Bosque”, da coreógrafa brasileira Clarice Lima, apresentada no Festival de Teatro de Rua de Aurillac, em França, e que também vai à Bienal de Dança de Lyon.
A RFI falou com a coreógrafa que nos lembrou que “dança e arte é aproximar mundos e fazer alianças com outras pessoas”, mas também que “a arte tem o poder de imaginar e criar outros mundos”. Clarice Lima planta um bosque humano como “uma ocupação” de um espaço que convida as pessoas a parar e pensar.
RFI: Que “bosque” é este que traz ao Festival de Aurillac?
Clarice Lima, Coreógrafa: “Esta pesquisa é uma pesquisa bem antiga que eu já venho desenvolvendo há alguns anos. O “Bosque” finaliza essa trilogia. Ele traz essa ideia dessa paisagem em movimento, uma paisagem que a gente cria na cidade, com as pessoas na cidade e que, assim como a natureza, ela é viva. A gente entende que esses movimentos do nascer e do morrer estão conectados e só com a colaboração colectiva a gente vai conseguir fazer alguma coisa.”
Há uma mensagem ecológica fortíssima…
“Sim. Eu acho que é um assunto muito importante, que a gente tem que estar pensando sobre isso o tempo inteiro e é uma performance muito simples. Então, como é que a partir de uma simplicidade e do tempo que ela dura, a gente pode trazer essa reflexão para o público.”
Por que é que escolheu colocar os seus bailarinos de pernas para o ar e ficar tudo em silêncio?
“Para mim, é uma imagem dessa árvore invertida, como se fosse uma árvore de cabeça para baixo. Sempre me encantou essa imagem do corpo invertido porque sempre me faz pensar se é o corpo invertido ou o mundo que está de cabeça para baixo. Eu acho que isso desafia a normalidade, a forma como a gente vê o corpo e também nos faz abrir outras percepções, faz também trazer o tema da resistência física, como essa resistência que a gente precisa de ter.”
Na peça, a resistência física é encarnada pelas pessoas, mas são as pessoas que estão a fragilizar o planeta…
"Sim. Então como é que a gente consegue entender que as pessoas e a natureza é a mesma coisa, que não são coisas separadas e que a natureza não está aí em função da gente, mas que somos uma coisa só. Por isso é importante a gente da gente mesmo, cuidar do lugar que a gente é.”
É uma performance que tem vários intérpretes. Quantos são e o dispositivo vai mudando de cidade para cidade?
“A gente viaja com uma equipa de quatro pessoas. Sou eu, as assistentes Aline Bonamin e Nina Fajdiga que também fazem a performance, e a Catarina Saraiva, que é a dramaturgista. A gente, junto com a população local, monta o bosque e é sempre pensando em pessoas não profissionais para não precarizar o mercado da dança e voluntários que saibam fazer a parada de cabeça porque isso aproxima a gente que não tem experiências em práticas artísticas e performativas, mas que têm esse superpoder de ficar de cabeça para baixo.
O que acontece é que a gente aproxima gente muito diferente. Tem gente do yoga, do circo, da capoeira, do hip hop que, porque têm essa coisa muito específica de saber ficar de cabeça para baixo, a gente aproxima mundos. Eu acho que dança, a arte é aproximar mundos e fazer alianças com outras pessoas e muitas delas acabam tendo a primeira experiência...
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Fábio Osório Monteiro cozinha política e memórias no Festival de Aurillac
8/21/2025
O coreógrafo e bailarino brasileiro Fábio Osório Monteiro apresenta a performance “Bola de Fogo” no Festival Internacional de Teatro de Rua de Aurillac, em França. Este é um espectáculo que junta dança, histórias e preparação ao vivo de uma iguaria culinária afro-baiana chamada acarajé, que o artista diz cozinhar com o “ingrediente da saudade”. Acarajé é também sinónimo de legado e resistência, uma “comida sagrada” e muito política.
O Festival Internacional de Teatro de Rua de Aurillac, em França, que arrancou esta quarta-feira e decorre até sábado, tem no programa oficial vários artistas brasileiros no âmbito da temporada cultural França-Brasil. Neste programa vamos conhecer o coreógrafo, bailarino e baiana de acarajé Fábio Osório Monteiro que falou com a RFI depois de ter fritado acarajé para as dezenas de pessoas que assistiam à sua peça.
RFI: O que é esta “Bola de Fogo” que fala sobre tanta coisa e que acaba numa panela?
Fábio Osório Monteiro, Coreógrafo e bailarino: “Bola de Fogo é uma performance. Ela surgiu no momento em que eu, como artista, estava tendo dificuldade de me sustentar, de subsistência. Como estava começando a aprender a fazer acarajé, surgiu a oportunidade. Comecei a me aproximar desse alimento tão tradicional em Salvador, na minha cidade, que a gente vê em cada esquina. Eu cresci comendo isso, então foi muito forte, em determinado momento da minha vida, encontrar com esse alimento e tirar dele a minha subsistência, o o que acabou gerando “Bola de Fogo” que é esta performance. Falo sobre os meus afectos, memórias, relações familiares, muita história relacionada ao meu pai, a minha mãe, muito questões políticas também, como filosofia e pensamento de progressista para o mundo. Então, é um trabalho em que eu vou passeando por desejos meus pessoais e desejos meu para o mundo, através do alimento que é o acarajé, que é uma comida sagrada, uma comida de Orixá, para quem é do candomblé. Sem dúvida, foi dos trabalhos que mais me tocam pessoalmente.”
Cozinhar é político?
“Muito, porque a gente entende a comida não só como uma coisa que vai nutrir. A comida alimenta, a comida vai nutrir as suas células, mas tem também uma carga simbólica, política e afectiva que vai-te nutrir de outras coisas. Vai-te nutrir de outras referências, de outras emoções. Isso também te alimenta.
O acarajé, que é a comida que eu levo para a vida e que eu faço em Bola de Fogo, eu acredito que ao fazer uma peça sobre o acarajé e, no final, poder servir as pessoas para comerem acarajé, dá para entender como o sabor do dendê pode ser tão político e afectivo, para além de nutritivo.”
Também dá sustento ao corpo. O corpo que é um tema omnipresente ao longo da peça, quer naquilo que diz, quer na forma como dança e como se apropria do espaço público…
“Ele dá um sustento para o corpo e em especial, falando do acarajé, para o corpo preto, para o corpo da pessoa negra, essas mulheres que iam para a rua vender no início do século XIX, para ter dinheiro para comprar liberdade, alforria, de um marido, de um filho, de um irmão. É uma comida que está literalmente implicada no corpo. O fazer da baiana do acarajé está implicado no corpo dela. Então, ao levar esse trabalho com uma ideia de performatividade, é um corpo público. Eu estou ali em cena, mas acho que o meu corpo, ele traz-me, de alguma forma, a representação de muitos outros corpos, outras pessoas negras, outros brasileiros, outros nordestinos. Eu arrisco dizer que o corpo em bola de fogo, o meu corpo e o acarajé, é um corpo plural.”
Também fala da conversa que teve com o seu pai sobre a sexualidade. E mais uma vez, estamos nas questões do corpo e da liberdade ou falta dela.
“Ou falta dela. É sempre difícil porque a minha relação com o meu pai sempre foi muito maravilhosa, com essa questão, com esse ruído entre a gente. Esse reencontro que a gente teve, que a gente voltou a se aproximar, também é através de bola de fogo, deste espectáculo, desta performance. Ao levar essa comida para a...
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Festival de Aurillac foi ocupado pela “dança luta” das revoltas estudantis no Brasil
8/21/2025
O espectáculo “Quando Quebra Queima”, da companhia brasileira “ColectivA Ocupação”, levou as revoltas estudantis de São Paulo, em 2015, para um liceu francês e para as ruas do Festival Internacional de Teatro de Rua de Aurillac. Palavras de ordem, dança, canto e música mostraram uma “dança-luta”, uma “coreografia de protesto” e um “coro combate” que reactivaram protestos de ontem e ecoaram com revoltas de hoje. A companhia levou “as ruas para dentro da cena e tornou a rua numa cena”, nas palavras da encenadora Martha Kiss Perrone. O público também participou e repetiu slogans numa ocupação colectiva e festiva do espaço público e do teatro.
Tudo começa no pátio de um liceu, na cidade que acolhe o Festival de Teatro de Rua de Aurillac. O público é convidado a ocupar as cadeiras que existem e a distribuírem-se pelo espaço onde vao interagir com os intérpretes. Esses recordam tempos que viveram durante as ocupações estudantis de 2015 em São Paulo, no Brasil, e falam de injustiças sociais de então e que perduram. Os actores-bailarinos-manifestantes mobilizam dança, canto, música, correm, saltam barreiras, exibem fotografias, fazem os espectadores repetir palavras de ordem e incitam-nos a ocupar o espaço político que o teatro também comporta. A peça desenrola-se num liceu, mas acaba invadindo as ruas da cidade, numa grande manifestação colectiva, festiva e poética.
Martha Kiss Perrone, encenadora de “Quando Quebra Queima”, esteve à conversa com a RFI no final da peça.
RFI: Como descreve “Quando Quebra Queima”?
Martha Kiss Perrone, Encenadora de "Quando Quebra Queima” : “A gente desenvolveu algumas novas ideias e vocabulários sobre teatro. Esse espetáculo é uma dança luta que é uma coreografia de manifestação, que é um coro combate. Então, é um espetáculo onde a gente não representa uma luta, mas a gente é, em si, uma manifestação, uma luta, uma festa. É uma feitura de teatro que desloca o que aconteceu nas ruas para dentro da cena e torna a cena numa rua.”
Há a pretensão de também revolucionar, de certa forma, o teatro?
“Sim. A ideia da ocupação que, em 2015, aconteceu dentro das escolas, ela também acontece dentro da linguagem. Então, a própria linguagem das artes cénicas, do teatro, da dança e tudo o que envolve as artes performativas também é ocupada e transformada por essa luta.”
Como é que se transforma em dramaturgia essas lutas que habitualmente estão nas ruas?
“Primeiro, a dramaturgia nasce da experiência. Ela nasce dessas pessoas, desses secundaristas que hoje são artistas, e das vivências deles. São atores, performers, dançarinos que são autores da dramaturgia. Ela não está baseada somente na palavra, mas primeiro numa experiência política e depois numa experiência poética que é sobretudo elaborada e criada pelos artistas em cena.”
A peça é co-criada com o público? Há essa intenção de trazer o público para dentro do palco?
“Sim. Num primeiro momento, num processo de criação, ela nasce através das experiências pessoais, biográficas e que são coletivas. Num segundo momento, quando a gente recebe o público, elas são transformadas. Então, não é um espetáculo para o público, mas é um espetáculo com o público. Ele também é convidado a fazer parte dessa manifestação. Tanto é que esta noite a gente pôde ver isso, o público mais do que interagiu, ele também é sujeito da história. Ele também se sente muito livre para se manifestar, para falar, para dançar e também agir.”
Sentiu-se um lado extremamente político e politizado, que contagiou o público. O objectivo também é esse?
“Sim, mas não é só um objetivo, é um estado de vida onde a política é feita de corpo, de subjectividade, de jogo, de conexão com o outro. Então, ela não é uma ideia, mas é uma poética da relação, como diz o Glissant.
Em termos de denúncias e de utopias e poéticas, quais são as principais linhas de força do espectáculo?
“As linhas de força deste espectáculo, eu acho que é uma pergunta que a gente faz no final. A última fala do espectáculo é “o que...
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